Quando a nostalgia passa do ponto e vira melancolia é preciso agir
Sentimento traz prazer, pertencimento, conforto e sentido de vida. No entanto, pode deixar de ser fonte de bem-estar e se tornar uma nuvem persistente de tristeza

Aquele sentimento de saudade misturado com satisfação ao lembrar de um momento ou época marcante da vida. Um cheiro, uma música, um lugar. Algo te desperta um sentimento gostoso e difícil de descrever. Sem perceber, deixamos escapar um sorrisinho no rosto enquanto imagens de um tempo distante passeiam pela memória. No entanto, é uma sensação agridoce: no mesmo instante também sentimos falta de um passado inalcançável. Ah! Quem nunca foi pego desprevenido pela nostalgia?
De fato, outros momentos da nossa própria vida foram mais importantes, memoráveis e inesquecíveis. No entanto, há uma linha tênue entre lembrar de forma saudável e fazer da nostalgia uma fuga para um passado que, querendo ou não, já passou.
Psicólogo e CEO do Instituto Suassuna, Danilo Suassuna afirma que a nostalgia ativa regiões cerebrais associadas à memória autobiográfica, à regulação emocional e ao sistema de recompensa, como o córtex pré-frontal. “Isso significa que ao lembrar de momentos importantes da vida, nosso cérebro libera substâncias como a dopamina, que traz sensação de prazer, pertencimento e conforto”, diz.
Para o psicólogo, a nostalgia surge como um ponto de contato entre o que fomos e o que somos. “Ela pode emergir em momentos de mudança, solidão ou crise, como um recurso emocional de proteção e reafirmação do eu”, explica.
“A nostalgia pode aumentar sentimentos de autoestima, sentido de vida, otimismo e até reduzir a percepção de dor física. Isso porque ela não nos leva apenas a lembrar, mas a reviver emocionalmente momentos em que nos sentimos completos. Relembrar, nesse sentido, pode ser um remédio.”
Há, no entanto, um porém: desde que estejamos presentes no ato de lembrar. “É aí que entra o conceito de aqui e agora: a capacidade de estar inteiro na experiência atual, inclusive quando essa experiência é recordar.”
Psicoterapeuta e psicanalista, Elainne Ourives também ressalta que a nostalgia pode fazer bem, desde que “usada com consciência”, como um “GPS da alma”. Para ela, é importante lembrar de quem fomos, mas, principalmente, de quem ainda podemos ser. “É um refúgio emocional do ego ferido. Quando acessamos memórias do passado com amor e gratidão, ativamos neurotransmissores como a serotonina e a oxitocina. Um verdadeiro elixir quântico de bem-estar.”
A linha tênue entre nostalgia e melancolia
Agora vem aquela famosa frase: “Até aí, tudo bem!”. A nostalgia é um sentimento saudável e que nos ajuda em momentos delicados da vida: transições, dores e crises existenciais. O problema surge quando ela perde a leveza, atravessa uma linha e se transforma em melancolia. Quando não conseguimos mais viver o presente, ou planejar o futuro, porque a cabeça está presa no passado.
Suassuna afirma que a nostalgia deixa de ser um afeto reconfortante e passa a ser uma nuvem constante de tristeza. “Enquanto o sentimento saudável nos reconecta ao passado com carinho e saudade, a melancolia pode nos prender ao que já foi. Se toda lembrança traz dor e o passado se torna mais real que o presente, isso pode indicar quadros como depressão ou ansiedade. Nesses casos, o acompanhamento psicológico é fundamental.”
Elainne Ourives acrescenta que a “nostalgia em desequilíbrio” é uma forma de fuga do agora. “Ela nos impede de acessar a fonte da criação, que é sempre o presente. Ficar preso ao passado é como tentar dirigir um carro olhando só pelo retrovisor. Você vai bater.”
Dicas para lidar com esse sentimento
Ao identificar os sinais de que a nostalgia se transformou em melancolia, é possível seguir alguns caminhos para nutrir a saúde mental e o bem-estar emocional. Danilo Suassuna elenca algumas dicas para este processo:
- Pratique a atenção plena (mindfulness): concentre-se no momento presente. Se for recordar, esteja presente no ato de lembrar;
- Não idealize excessivamente o passado: toda memória tem um filtro. Lembre-se de que o passado foi real, com alegrias e dores;
- Compartilhe memórias: contar histórias a outras pessoas ajuda a integrar experiências e evitar o isolamento;
- Crie novos momentos importantes: viver novas experiências faz com que o presente se torne um futuro do qual também sentiremos saudade;
- Busque ajuda profissional se necessário: se a nostalgia vier sempre acompanhada de tristeza, apatia ou desesperança, é hora de conversar com um psicólogo.
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– Saiba equilibrar as emoções quando a nostalgia aparece
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