A decisão de ter um filho, seja ele biológico ou adotivo, passa por diversas questões financeiras, comportamentais, além do alinhamento de expectativas do casal ou da pessoa, no caso de uma adoção solo ou inseminação artificial. A questão é que concretizar um desejo tão forte e latente é uma realização pessoal para muitas pessoas, especialmente quando dores emocionais e tentativas mal-sucedidas fizeram parte da trajetória. O bebê arco-íris, como é conhecido, traz leveza, alegria e a possibilidade de uma nova vida em muitos lares.
O próprio nome como são conhecidos mostram a chegada da luz e de um novo caminho a ser trilhado durante a maternidade. No entanto, as questões emocionais ligadas às tentativas passadas e à pressão pela educação e criação de um filho tão desejado exige muito cuidado e atenção dos pais.
O psicólogo Bruno Lanaro explica que as perdas e abortos prematuros são um desafio para muitos casais. “Desgasta muito o emocional, é devastador, tanto para a saúde mental quanto física. Então, essa tristeza, dor, raiva, culpa, medo, pode ser experienciada com muita intensidade“, explica o especialista, que é fundador do canal, Conhecimentos da Humanidade.
Misto de emoções
Apesar da persistência e das tentativas ao longo dos anos, Lanaro comenta que é comum muitos casais se sentirem sozinhos e isolados durante esse processo. Esses comportamentos, se prolongados, podem dar origem a doenças como depressão, ansiedade ou outras questões emocionais. “Além disso, esses momentos afetam a autoestima e a autoconfiança, justamente porque dar à luz a um filho, conceber um bebê saudável, é um símbolo muito importante”, destaca o psicólogo.
Nesse sentido, ter uma comunicação clara e compartilhar os sentimentos e frustrações é uma questão-chave na vida de um casal. Apesar da situação ser a mesma para ambos, a maneira como cada um lida e enfrenta esse luto é diferente. “Enquanto a vivência de um pode ser de culpa e sofrimento, muitas vezes, o outro se opõe de maneira pragmática à situação, para gerar um balanço”, justifica a médica psiquiatra Malu De Falco.
Ainda assim, além do respeito à individualidade, é importante existir um posicionamento do casal, envolvendo uma comunicação clara, empática, parceira e efetiva, conforme orienta a médica. “O casal precisa enfrentar a situação como uma questão a ser tratada e resolvida a dois. Caso contrário, atritos podem acontecer, dificultando a comunicação e gerando uma solidão bastante sofrida”, complementa a médica psiquiatra.
Como lidar
A maneira como os homens e mulheres lidam com o término de uma gestação de forma prematura é diferente e o apoio emocional precisa ser direcionado a ambos. Ana Luiza Tavares, Coordenadora de Saúde Mental da Conexa, explica que é preciso evitar termos que possam induzir a culpa, como “gravidez bem-sucedida” ou “malsucedida”.
“As pessoas orientam as mulheres com dicas de ‘faça isso, faça aquilo’ para indicar jeitos para lidar com esta vivência. Muitas vezes o que menos se oferta é espaço para elas falarem de suas emoções complexas de viver a dor de um luto“, destaca.
Nos homens, é comum que haja o incentivo de um comportamento mais duro e uma pressão para que as mágoas sejam guardadas. “Existe uma grande possibilidade de transferência destas emoções de maneira não madura, seja para a criança que nasce ou até para a relação de casal”, afirma a psicóloga.
Seguir em frente
Embora o desejo pela gravidez e à chegada do primeiro filho seja um desejo forte em muito casais, é fundamental que ambos estejam preparados para lidar com a situação em outras variáveis. Por exemplo, os abortos prematuros podem persistir e a gravidez se tornar inviável ou o desgaste emocional pode acabar trazendo muitos ônus para o relacionamento.
“Mais uma vez, é um ciclo enfrentado pelas duas partes em junção, quando ninguém precisa ou deve enfrentar a culpa sozinho (a), o que também envolve o perdão mútuo pelo padrão como cada um viveu sua dor e como isso afetou o outro”, destaca De Falco. Nesses casos, buscar ajuda profissional e apoio de uma rede de afetos é importante, além de avaliar outras possibilidades, como a adoção.
Para Bruno Lanaro, é importante que o casal se permita sentir as emoções que surgem nesse momento, sejam elas positivas ou não. Raiva, dor, frustração ou culpa são comuns durante esses episódios. “Ter um ouvido que ouça as pessoas com genuinidade é super importante, até mais do que aquelas que vão dar uma opinião, porque não é bem isso que as pessoas precisam no momento”, destaca.
O psicólogo recomenda ainda que, além de ajuda profissional, é interessante buscar grupos de apoio ou conversar com pessoas que passaram pela mesma situação.
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Bebê arco-íris a caminho
Com o término da gestação, a chegada do bebê arco-íris traz expectativa e ansiedade para o casal, a família e amigos. É comum que, no início, a sensação de alívio e desejo concretizado seja mais preponderante, mas a insegurança e o excesso de cuidado podem surgir ao longo do tempo.
“A percepção de que o filho ou filha que nasce é o sucesso das tentativas anteriores, ou seja, dos lutos anteriores, pode também ser desencadeador de comportamentos não saudáveis das mães, pais e família para com a criança”, explica Ana Luiza Tavares.
Isso é comum, segundo os especialistas, devido a traumas e tentativas que não se concretizaram no passado. Por isso, há um excesso de cuidado por parte dos pais em manter aquele bebê arco-íris no mais completo nível de segurança. Mas é importante lembrar que permitir o bebê a vivenciar situações com autonomia é fundamental para seu desenvolvimento.
“Os pais são e devem ser provedores de cuidado, afeto e segurança, mas, acima de tudo, devem estar conscientes de que a exposição à certas situações e cenários também ajuda a criança a desenvolver mecanismos de defesa e traços de personalidade”, explica Malu De Falco.
Bruno Lanaro comenta que a chegada do bebê arco-íris pode trazer esse sentimento de cuidado, mas é fundamental ter clareza sobre a necessidade de explorar o mundo. “O cuidador não precisa ser incrível e maravilhoso em 100% do tempo. Ele vai cometer falhas, mas precisa criar um espaço saudável para o crescimento, ser suficientemente bom.”
Saiba lidar com as emoções
Conviver com a chegada de um bebê não é a tarefa mais fácil do mundo, é preciso haver uma reorganização da rotina, novos acordos e preparação emocional. Além, é claro, de preparar adequar à casa para as atividades e convivência conjunta.
“A família pode se preparar para receber o novo integrante e esse preparo traz consigo escolhas e símbolos importantes. A compra do enxoval, a escolha do nome e padrinhos são exemplos”, explica Malu De Falco. Algumas atividades importantes a serem aplicadas são tentar reduzir o sentimento de culpa, ansiedade ou alinhar as expectativas com o parceiro.
Para Bruno Lanaro, isso pode ocorrer de diferentes formas e conforme a vivência de cada casal. “Poder vir uma mistura de alegria, alívio ou medo, então se expressar é muito importante, tanto quanto conversar com o parceiro, um amigo ou profissional de saúde mental”, contextualiza.
Ele sugere que você pode iniciar um diário, se gosta de escrever, ou imprimir suas emoções em atividades artísticas. Buscar práticas ligadas à música, dança, pintura ou artesanato são caminhos interessantes.
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