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Gestantes e puérperas: cuidados com saúde mental precisam ser redobrados
Alicia Petresc
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Natalie está no seu último dia como estudante universitária e decide, na noite da formatura, realizar um teste de gravidez que vai decidir seus próximos caminhos dali pra frente. “Como seria se…?” é uma comédia da Netflix que mostra duas realidades diferentes. Em uma, Natalie descobre a gravidez e precisa processar essa nova realidade. Na outra, o teste dá negativo e a noite de formatura segue sem grandes surpresas. Nas duas versões, a gravidez é encarada como um grande desafio.

E não é para menos. As apreensões, conflitos e questões emocionais que gestantes e puérperas costumam enfrentar levantam um alerta para os cuidados redobrados na área de saúde mental. Afinal, esse é um período de grande variação hormonal e de mudanças, tornando as emoções ainda mais intensas.

Não são raros os casos de depressão pós-parto. “Não tinha vontade de nada”, é o que afirmou a atriz Samara Felippo em um programa sobre saúde e bem-estar da TV Globo. Ela, que passava pelo processo de adaptação do nascimento da filha Lara, também enfrentava o luto com a separação do ex-companheiro, o que gerou um sentimento de culpa e frustração pelo fim do relacionamento.

Por causa de toda essa situação, a atriz chegou a ter sua amamentação afetada pelas questões emocionais e conseguiu amamentar a filha apenas por um mês, segundo o relato. Os sintomas da depressão em Samara foram especialmente choro constante, desânimo, vontade de se isolar e falta de cuidados pessoais.

A importância de uma rede de apoio

Nesses casos, uma rede de apoio que esteja junto de gestantes e puérperas é fundamental para que os sintomas sejam atenuados e a pressão da maternidade seja dissipada com os cuidados mútuos. Aí, vale desde avós, amigos próximos, tios ou parentes. Quanto mais pessoas dispostas a acompanharem esse processo, melhor será para a maternidade. Por isso, o cuidado das crianças precisa ser enxergado cada vez mais como uma tarefa coletiva, afinal, é responsabilidade de toda a sociedade o crescimento de uma nova geração.

É inquestionável a importância da rede de apoio, mas importante salientar que ser rede de apoio não significa fazer tudo sem perguntar o que a puérpera (ou a gestante) precisa“, lembra Patrícia Mekler, coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital e Maternidade Sepaco.

Segundo a profissional, adotar atitudes invasivas ou tomar decisões sobre sem a consulta dos pais pode gerar ainda mais insegurança e trazer problemas para o próprio crescimento do bebê, que passará a conviver com diferentes orientações. “Interessante antes sempre observar e buscar entender o que elas precisam e sempre respeitar a decisão ou opções da mãe”, justifica a psicóloga.

Patrícia lembra que, no Brasil, a rede de apoio é formada especialmente pelas avós dos bebês, que costumam acompanhar mais de perto as questões médicas e emocionais de gestantes e puérperas. Essa relação ficou desestabilizada há pouco tempo, durante a pandemia da Covid-19, quando as avós – enquadradas no grupo de risco – foram mais afetadas pelas regras de isolamentos e cuidados com a saúde. “Esse e todos os outros fatores como estresse, medo e isolamento gerados pela pandemia acabam se tornando mais exacerbados”, comenta Patrícia.

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Romantização da maternidade

O nascimento de um filho e até mesmo a própria gestação é um momento muito valorizado e esperado na nossa sociedade. É aí que começa o planejamento do enxoval do bebê, as surpresas positivas durante a gravidez e a própria expectativa para o nascimento da crianças. Ainda que esse momento seja repleto de alegria e felicidade, muitas mulheres passam por turbulências no meio do caminho e é importante não romantizar a gestação. É necessário trazer um pouco de realidade e entender que momentos de dor, tristeza e preocupação também podem vir à tona e coexistir com os episódios de alegria.

Ser acolhida, com suas necessidades emocionais compreendidas, é fundamental para o equilíbrio de gestantes e puérperas. “Temos situações e ocasiões em que o curso não é esse (de felicidade e plenitude) e até por uma pressão cultural e social as gestantes e puérperas não encontram espaço para expressar seus sentimentos como medos e ansiedade“, explica Patrícia Mekler. A profissional acrescenta que o medo do julgamento e das rotulações fazem com que muitas fiquem retraídas e não compartilhem o que sentem.

No livro Mãe fora da caixa, a escritora Thaís Vilarinho compartilha por meio de relatos e vivências da maternidade esse processo tão único e ao mesmo tempo turbulento na vida de uma mãe. Para ela, um filho exige também com que uma série de abdicações sejam feitas, já que precisamos destinar tempo, recursos (emocionais e financeiros) para a educação e criação de um novo ser. “Ser mãe é abrir mão de muita coisa. Do tempo, da tranquilidade, do sono. Muitas vezes, é abrir mão das próprias vontades. E deve ser, portanto, uma escolha. Não uma obrigação. Uma escolha“, defende a autora.

No Instagram, a hashtag #maternidadereal conta com mais de 10 milhões de publicações de fotos, vídeos e reflexões. Essa é uma utilização positiva da rede social que mobiliza mães e pais para um olhar mais afetuoso e realista sobre a criação dos filhos, que é sim repleta de prazeres e gratidão, mas também de cansaço e preocupações. “Acredito que movimentos como esses, onde se propõe a desconstrução da maternidade perfeita, vão abrindo possibilidades de se falar sobre as necessidades e dificuldades“, explica Patrícia.

Transtornos psicológicos em gestantes e puérperas

Por ser um momento de maior fragilidade emocional, gestantes e puérperas costumam passar por problemas emocionais mais frequentes durante a gestação ou o período pós-parto. Entre as situações mais comuns estão o baby blues e a depressão pós-parto, que costumam afetar uma quantidade expressiva de mulheres que passam a vivenciar a maternidade.

As estimativas mostram que cerca de 50% a 80% das mulheres podem conviver com o transtorno chamado baby blues após a gestação. O problema é um estado mental de instabilidade emocional, de curta duração e de remissão espontânea, com início geralmente após o terceiro ou quarto dia do parto e término em aproximadamente duas semanas.

“No baby blues estamos diante de uma mulher que está lidando com uma nova situação e que apresenta sintomas como choro fácil, irritabilidade, tristeza (de forma flutuante e não persistente) e dificuldade de concentração, que estão relacionados principalmente à privação de sono e às alterações hormonais da mulher no puerpério”, explica Patrícia Mekler. A psicóloga conta que a situação não é considerada uma doença e pode até mesmo ser enfrentada como um problema natural, já que costuma acometer um número expressivo de mulheres e tem sintomas passageiros.

Na depressão pós-parto, que costuma ser mais duradoura e exige um acompanhamento de profissionais da saúde mental mais presentes, pode incluir sintomas como tristeza mais permanente, perda de apetite, abatimento, insônia, perda de interesse sexual, ideação suicida, entre os mais importantes. São fatores de risco os conflitos conjugais, solidão, histórico familiar de doenças mentais, antecedente pessoal de depressão, uso de drogas/álcool, gravidez não planejada, gestação na adolescência, risco obstétrico, entre outros.

“A depressão pós-parto (DPP) é um problema de saúde pública, por vezes subestimada e julgada. Porém, pode acometer mulheres de todas as classes sociais, de diferentes faixas etárias. Além disso, pode afetar as primeiras interações entre mãe e bebê – na capacidade de perceber os sinais do filho, de protegê-lo, acolhê-lo e estimulá-lo -, tão importantes para o desenvolvimento infantil e, em especial, para o desenvolvimento psíquico da criança. Quanto antes a depressão for identificada, e os tratamentos iniciados, menor as sequelas emocionais”, ressalta Patrícia.

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Cuidados e desafios com a maternidade de homens trans

Por muito tempo os programas de saúde e atendimento hospitalar foram majoritariamente dedicados à gravidez e ao acompanhamento pós-parto de mulheres, por ser o maior público e pelas questões de gênero impostas nesse processo. Mas só mulheres engravidam? A resposta é não, homens trans com útero e desejo de se tornarem pais podem se submeter a uma gestação, mas para isso precisam de um sistema de saúde mais preparado para atender à diversidade e às necessidades específicas que o corpo de uma pessoa trans durante uma gestação exige.

Patrícia Mekler, que cita o estudo Evidências científicas sobre experiências de homens transexuais grávidos, a gravidez de homens transexuais geralmente é acompanhada por questões psicológicas inesperadas. “Os estudos evidenciaram o despreparo dos profissionais da saúde no reconhecimento das demandas dos homens transexuais durante todo o ciclo gravídicopuerperal“, explica a psicóloga.

Para a profissional, a existência de um padrão cisheteronormativo influencia em um sistema de saúde ainda despreparado para atender o público. “Evidenciaram-se estratégias mais comuns utilizadas durante a ocultação da gestação entre homens transexuais, sendo elas passar-se por uma mulher cisgênera ou agir de forma com que as pessoas pudessem reconhecê-lo como homem cisgênero“, comenta Patrícia. Apesar das estatísticas não serem claras sobre o número de homens grávidos no sistema de saúde brasileiro, a necessidade um cuidado mais integral e aberto à diversidade de gênero é considerada imprescindível para um atendimento de qualidade.

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