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Por que é tão difícil para as mães pedirem ajuda?
Priscilla Du Preez | Unsplash
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Mulheres querem não precisar mais pedir ajuda, nem serem reconhecidas como guerreiras quando não a pedem. Queremos poder ser gente, cansar e descansar, contar com a aldeia de que tanto falam.


Gostaria que para essa leitura, você tentasse puxar da memória lá da tua infância as frases que ouvia dos pais e da família sobre pedir ajuda, sobre precisar das pessoas e sobre comunicar as necessidades. Podem vir coisas como “se eu quero bem-feito, faço eu mesmo”, “depender dos outros é terrível”, “só posso contar comigo mesma” ou algo assim.

Individualismo

Nossa sociedade valoriza o individualismo, que é bem diferente de individualidade. Esta última envolve a subjetividade, autenticidade, enquanto o primeiro tem a ver com se proteger fazendo exatamente o que os outros esperam de si. No individualismo não há a busca da singularidade. Somos valorizados enquanto crianças a performar certas qualidades para sermos aceitos, vistos e amados, em última instância. O apego é a principal necessidade da criança e se adaptar ao que os pais esperam, que é um resumo do que a sociedade espera, é um caminho para preservar esse vínculo.

Aprendemos muito cedo que meninas boazinhas não pedem ajuda, elas somente ajudam os outros, nem que seja existindo de maneira imperceptível, não trazendo mais problemas, sem incomodar, silenciando incômodos. E os meninos aprendem a ideia oposta e complementar, a de que bons meninos bons são independentes – de preferência o mais cedo possível – e de que ajudar e cuidar são coisas “de menina”. Esse conjunto de ideias se transforma no que chamamos de socialização.

Essa mesma sociedade que é patriarcal, violenta e castradora, ensina pais a adequarem suas crianças a papéis pré-definidos, com pouca chance de mergulharem em sua subjetividade para aos poucos irem construindo quem querem ser. Os moldes estão lá, prontos para serem preenchidos por figuras humanas.

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Dar conta de tudo

Na adultice, vemos esses meninos que cresceram para a liberdade e para o individualismo, já com seus próprios filhos e com sua própria família, dizendo coisas como “era só ter pedido que eu te ajudava”, e mulheres sendo incentivadas a “dar conta de tudo” sem contar com absolutamente ninguém. Esse “dar conta de tudo” envolve muitos trabalhos diferentes: planejar e executar os trabalhos domésticos, planejar e executar os cuidados com as crianças, pesquisar melhores práticas educacionais, se preocupar em dar exemplos de comportamentos para que a criança tenha boas referências, prepará-la para o futuro de N maneiras e fazer isso tudo cuidando de si (quem cuida de quem cuida?), sendo uma ótima companheira e uma sorridente amiga. A conta não fecha, e quando fecha traz junto depressão, pânico e burnout.

Existem sim ganhos secundários em dar conta de tudo, ou passar a vida tentando: migalhas de aceitação da sociedade, o rótulo de guerreira e um tapinha nas costas pra nos incentivar a continuar agindo da mesma maneira. O contrário também é verdadeiro, e por isso mesmo não é algo que a mulher possa escolher não fazer: a rejeição, as críticas a quem joga a toalha são reais. Mulheres não podem falar de suas opressões, de suas raivas e de seus problemas, sob a pena de serem consideradas “menos mãe” e “menos mulher”. A exaustão é conectada com o amor: quando falam sobre ela, significa que amam menos os filhos, e são julgadas pela “escolha” de tê-los.

Caminhar juntos

Mulheres têm buscado formas de ser assertivas e boazinhas ao falar de suas solidões e sobrecargas e não têm encontrado retorno. A divisão do trabalho doméstico continua muito injusta, é só olhar os números do IBGE ou dar um zoom no dia a dia de qualquer família por aí.

Mulheres querem não precisar mais pedir ajuda, nem serem reconhecidas como guerreiras quando não a pedem. Queremos poder ser gente, cansar e descansar, contar com a aldeia de que tanto falam. Queremos que os pais, os maridos, os namorados façam sua parte das tarefas que lhe cabem, que cuidem dos seus filhos pra além da provisão financeira. Que se responsabilizem.

Em última instância, queremos justamente poder ser humanas, não sobre-humanas, heroínas e afins. E só conseguiremos fazer isso educando crianças para fora das formas, dos moldes, e esperando que os adultos que estão nos moldes comecem a sair deles, querendo e desejando se expandir, se alargar. Ajuda é palavra pouca quando se espera companheirismo e divisão justa. Precisamos caminhar juntos de verdade.

Leia todos os textos da coluna de Thais Basile em Vida Simples.


THAIS BASILE é psicanalista, escritora, especialista em psicopedagogia institucional, palestrante, feminista pelos direitos das mulheres e crianças e mãe da Lorena. Compartilha um saber para uma educação mais respeitosa no @educacaoparaapaz.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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