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Por que a culpa é inimiga de uma vida com propósito?
Smart | Unsplash
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Buscar um propósito para as nossas vidas é um dos temas mais abordados nos últimos anos em livros, TedTalks, palestras e conversas informais entre amigos. Estamos cada vez mais preocupados sobre os rumos de nossas vidas, carreiras e ocupações profissionais.

E está tudo bem se perder um pouco, voltar dois passos, mudar de carreira, ou de cidade se isso faz sentido para você e está mais alinhado aos seus propósitos de vida. Ainda assim, apesar desses movimentos serem naturais na dinâmica da vida, muitas vezes nos culpamos ou caímos em um autojulgamento pelas coisas que não deram certo ou não saíram da forma como havíamos planejado.

Lidar com a vida significa estar de frente com algo dinâmico, fluido, que por vezes pode ser imprevisível e muito influenciável por fatores externos, como as condições econômicas e culturais de um país ou uma determinada época histórica. A vida não é só algo a administrar, mas também um processo que inúmeras vezes foge do nosso controle e, para isso, precisamos estar prontos para segurar as pontas.

Lide com as frustrações

Se frustrar é uma ação natural dos seres humanos, já que frequentemente nos deparamos com situações que alcançaram resultados que não queríamos obter. É ruim e desconfortável receber uma carta de negação do processo seletivo para o emprego que você sempre quis ou ter uma ideia criticada de forma negativa durante uma reunião da empresa que você faz parte.

Apesar de ser um sentimento doloroso, Elaine Macedo (CRP 17/2439), psicóloga e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que “na verdade, a gente tem que aprender a lidar com a frustração. Essa é uma sensação normal do dia a dia dos seres humanos, pois nem sempre vamos ter nossas expectativas atendidas.”

Ainda assim, ela afirma que “o problema não é ter expectativas, mas tê-las de forma desajustada.” “Se tivermos expectativas mais ajustadas, positivas, mas condizentes com nossa realidade, aí nos frustraremos menos – mas ainda assim seremos frustrados vez ou outra. E daí precisamos repensar nosso planejamento e tentar de outra forma alcançar nossas realizações, sem carregar culpa sozinho, pois a culpa gasta nossa energia e nos faz olhar para trás e não para frente”, acrescenta.

Nesse caminho, é preciso identificar quando nos sentimos realizados profissionalmente e dissociar esse sentimento do que aprendemos ser o sucesso, ou o famoso “chegar lá”. Adriana Drulla, psicóloga e mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pensilvânia, nos conta que “em uma sociedade que premia o sucesso e o destaque, é comum confundirmos realização pessoal com conquistas extraordinárias. Mas, como a palavra sugere, lugares extraordinários são por definição lugares incomuns. Portanto, a maioria de nós não é e nunca será extraordinária. Aceitar isso pode ser difícil em um primeiro momento, afinal de contas, depositamos nestes ideais grandiosos as nossas fantasias ingênuas de felicidade eterna e onipotência.”

Andreína Moura (CRP 17/3304), psicóloga e professora universitária, cita o pensador indígena Ailton Krenak e nos lembra que a vida é feita de fluidez, “é fruição, não é necessariamente chegar a um objetivo. Quando a gente pensa em outros contextos de vida é que ela não deveria ter uma funcionalidade, deveria simplesmente fruir, que ela tem um fluxo”, diz.

De onde vem a ideia de fracasso?

O oposto de uma vida com propósito talvez seja o fracasso, a não realização dos nossos desejos e um sentimento profundo de melancolia associada à culpa. Mas, antes de processar essas emoções, deveríamos nos perguntar de onde elas vieram, porque nos sentimos assim e o que é, de fato, fracasso para a gente, porque talvez a culpa advinda disso possa, então, ser atenuada.

Andreína toca em um ponto que pode despertar questionamentos e reflexões, isso porque, segundo ela, “precisamos estudar de onde vem essa necessidade, porque não necessariamente é algo que a gente queira, é um sentimento que vem de fora, que é imposto.” Por que muitas vezes acreditamos que a vida dos sonhos é viver em uma grande metrópole, comprar o carro mais famoso e alcançar o posto mais alto da empresa em que trabalhamos? 

Perceber que nossos dias podem nos levar para um outro caminho e futuro é mostrar que estamos abertos a nos arriscarmos, viver o novo e refutarmos os padrões sociais criados para categorizar o nosso sucesso.

Outro dia, me deparei com uma história pra lá de interessante. Entrevistei a dona de um restaurante acreano na cidade de São Paulo que saiu de Rio Branco para estudar arquitetura na capital paulista. Acontece que a saudade da comida de casa a levou a tentativas de cozinhar suas refeições, que atraíram a curiosidade de amigos, viu que tinha potencial para a cozinha e isso deu origem a um dos primeiros restaurantes acreanos da cidade. É claro que ela não abandonou o sonho de ser arquiteta, mas teve sua vida totalmente atravessada por uma situação que não havia sido planejada, pelo menos não naquele momento.

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A culpa é minha?

Propósito: qual é o seu?

Qual é o seu ritmo?

Para Andreína Moura, o passo inicial para se livrar da culpa na busca por uma vida com propósito é entender qual é o nosso ritmo. Tudo bem que o seu vizinho pratique três esportes, dois cursos de idiomas, foi promovido no trabalho e adora ir a festas aos fins de semana, mas e você? Quais são as atividades que despertam interesse, não geram cansaço extremo e te deixam satisfeito? “Eu sinto culpa porque eu acho que não estou fazendo o suficiente, ou porque o colega do lado parece que conseguiu, mas só parece. Isso são coisas bem importantes que eu diria”, defende a psicóloga.

Elaine Macedo considera essencial “planejar, em pequenas partes, o caminho até seu objetivo. Segundo, pensar de forma prática, com dados reais. Não adianta você dizer ‘quero emagrecer, então vou fazer um regime’, pois isso não é um objetivo palpável, nem um plano realista”. Se não respeitarmos nosso próprio tempo e nossas necessidades podemos facilmente nos tornar reféns de problemas como burnout, que esgotam toda a nossa energia.

Atitudes assim podem gerar um nível de exigência pessoal que pode, na maioria das vezes, ser danoso a nós mesmos. “A sobrecarga e autocobrança excessiva acontecem porque estamos tentando chegar em lugares difíceis demais, rápido demais. De certa forma, as pessoas esperam que o trabalho produza grandes – e rápidas – mudanças no mundo e no bolso e ainda que seja satisfatório o tempo inteiro”, lembra Adriana Drulla.

Ações para driblar a autocobrança

Ter uma relação saudável com a autocobrança é um passo importante para buscar uma vida com propósito, sem que isso gere em você sensações desconfortáveis com exigências pessoais em excesso. Por isso, Adriana Drulla enumera e descreve quatro ações para buscar um caminho com maior harmonia entre nossas vidas e objetivos.

Reescreva suas metas

Reescreva as suas metas, por exemplo estabelecendo objetivos intermediários entre onde você está hoje e onde quer chegar. Mirar um objetivo muito grande pode tornar insignificante as pequenas conquistas do dia a dia. Pelo contrário, quando você quebra seus objetivos em pequenas metas, a sensação de conquistá-las te ajudará a construir confiança no processo. As pequenas conquistas nos motivam a pensar criativamente, buscar novas rotas e persistir.

Faça planos sobre como poderá enfrentar obstáculos

Imagine quais obstáculos podem interferir no seu objetivo e faça um plano para lidar com eles. Ter um plano nos deixa mais seguros e aumenta as chances de sucesso.

Faça uma lista de coisas que você já conquistou

Deixe o papel ao lado da cama, ou carregue-o com você. Leia a lista com frequência e acrescente a elas novas memórias. Isto te ajudará a construir autoconfiança.

Reconheça o que já existe de bom hoje

Podemos ter objetivos desafiadores, mas é igualmente importante reconhecer o que já existe de bom hoje. É importante entender que não existem lugares perfeitos, em que não há problemas, desapontamentos ou desconforto. Nenhuma atividade profissional será satisfatória o tempo inteiro. Será difícil aproveitar a caminhada se o lugar em que estamos nunca for bom o suficiente. Portanto, abra-se para reconhecer o que já está bom. Isto te dará mais energia e abertura para perseguir seus objetivos.

Positividade tóxica

Mas será que a solução é sempre pensar positivo e que o melhor irá acontecer independentemente da situação e do momento de vida cujo qual estamos passando? Às vezes, parar, processar um sentimento e refletir sobre ele é mais importante do que tentar se sentir feliz a qualquer custo.

Isso acontece porque, na nossa sociedade, tendemos a acreditar que precisamos passar por um processo de sofrimento ou punição para que possamos conquistar algo. “A gente aprendeu que o sofrimento é necessário para o nosso crescimento”, defende Andreína Moura. 

Ela acrescenta também que “o sofrimento acontece, mas ao mesmo tempo eu não posso demonstrar que estou sofrendo, porque na nossa sociedade a gente encara felicidade como alegria constante.” É comum ter sentimentos que associam castigo a crescimento emocional – muitos de nós vivemos isso durante a infância -, mas “a gente aprende muito mais em espaços de afeto, conciliadores e acolhedores, é por isso que a terapia funciona. O afeto ensina muito mais do que a imposição do sofrimento”, afirma a professora. 

Acreditar em uma estabilidade emocional sempre centrada na felicidade, sem que isso abra brechas para momentos de tristeza é uma ilusão. Adriana Drulla explica que “a positividade tóxica é um problema porque, quando você acredita que é possível estar bem o tempo inteiro, o desconforto emocional passa a ser um sinal de que tem algo de errado com você.”

Elaine Macedo lembra que, quando estamos tristes, frequentemente somos levados a pensamentos negativos, mas podemos lidar com eles de forma muito mais eficiente por meio da autocompaixão do que pela positividade tóxica. “É compreensível, mas nem por isso vamos deixar que o negativo tome conta de nós, não é? Então sugiro que para cada pensamento negativo, a pessoa encontre um par saudável“, sugere.

Busque o autocuidado

A culpa e o autojulgamento são sentimentos que com frequência demandam muita energia emocional e geram desgaste e cansaço nas nossas vidas. Além de tentar não se comparar com outras pessoas e encontrar o seu ritmo, é preciso praticar algo muito simples, mas que dificilmente conseguimos encaixar na rotina: o descanso.

Embora o autocuidado tenha se tornado um guarda-chuva para muitas ações do dia a dia, ele foi pensado pela poeta e ativista negra estadunidense Audre Lorde justamente como uma necessidade de buscar ajuda, redes de apoio e estabelecer limites para si.

É nesse sentido que Andreína Moura defende o descanso como um bem necessário à vida, “o descanso é um direito, ponto, você tem o direito de sentar em frente à TV e curtir uma série, de conversar  com seus amigos, sua família, simplesmente porque você é um ser humano” e não um robô. “Descansar na sociedade de hoje é uma aprendizagem. O nosso direito ao ócio e ao descanso é absolutamente legítimo e isso é muito importante”, enfatiza. 

Como, então, buscar o equilíbrio no percurso para uma vida com propósito?

Primeiro, é preciso se respeitar e entender que às vezes é necessário estabelecer pausas, momentos de reflexão e planejamento de rota. Ou, simplesmente, passar “menos tempo nas redes sociais, mais tempo vivendo, mais tempo conversando com quem está do lado, mais tempo olhando o céu”, como afirma a professora Andreína Moura.

Para Elaine Macedo, “o ‘segredo’ é acreditar que se pode enfrentar as dificuldades, que elas não são fins em si mesmas, enxergar o futuro imaginando aquele problema resolvido.”

E, por último, compreender que você é um indivíduo único, com suas particularidades, desejos, vontades e sonhos. Seus propósitos, parâmetros de sucesso e satisfação podem ser absolutamente diferentes do de outras pessoas. A minha avó, por exemplo, é muito mais feliz e realizada cuidando de sua horta na zona rural do Rio Grande do Norte do que dirigindo uma multinacional em São Paulo, e isso não diz se ela alcançou sucesso ou não, mas que vive, na medida do possível, aquilo que ela acredita ser o seu propósito.

Como resume Adriana Drulla, “ter propósito no trabalho também não tem a ver com realizar grandes feitos, ou inspirar milhões de pessoas. Propósito é sobre usar as suas habilidades para adicionar valor para o mundo. Ou seja, você pode encontrar mais propósito ajudando o morador de rua que está na frente da sua casa, ajudando uma creche ou abrigo de animais, fazendo uma campanha em benefício de algo que você se importe, ou ainda na criação de seus filhos.”

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