A filosofia por trás do eterno recomeço da vida
O "eterno retorno" é uma das leis do universo. Ciclos se repetem e, se tudo recomeça na vida, a prioridade máxima é cuidar para que o novo possa ser o melhor possível.
Os recomeços são revigorantes. Seja um novo trabalho, um relacionamento ou mesmo um novo ano. A sensação primeira é a de liberdade. Estamos diante de uma página em branco com todas as possibilidades. Há quem não consiga avançar exatamente por isso. O “tudo em aberto” assusta e muitos precisam de um plano. Outros, assim que avistam o vazio, partem logo para o primeiro passo.
Alguns percorrem o novo caminho com entusiasmo e nunca olham para trás. Outros avançam titubeantes e alternam a visão do amanhecer com o crepúsculo. Na genealogia dos começos, esses são alguns fragmentos possíveis.
Essa eterna recorrência — popularizada como o Eterno Retorno — é uma das leis do universo. Então, tal como uma roda do tempo, acabamos por repetir os ciclos. Toda existência e energia que existe no mundo são recorrentes e continuarão a acontecer, da mesma forma, um número infinito de vezes através do tempo e do espaço.
Os términos e começos são parte integrante da vida, a todo momento alguma coisa termina e outra recomeça. Porém, há infinitude no processo, mas não no repertório. O repertório tem limites. Essa reflexão que sempre intrigou o homem é encontrada desde os primórdios da humanidade. Consta na filosofia indiana e no Egito antigo, na sabedoria judaica (Eclesiastes) e na filosofia antiga, como o estoicismo.
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A eterna renovação na filosofia
Você já se perguntou por que nos museus de história antiga há uma infinidade de escaravelhos? Trata-se de um dos símbolos do Eterno Retorno. No Egito antigo, esse tipo de besouro era símbolo da eterna renovação, tal como hoje consideramos a borboleta.
O livro de Eclesiastes, conteúdo do Torá e também da bíblia cristã (Antigo Testamento) aponta que “o que foi voltará a ser, o que aconteceu, ocorrerá de novo, o que foi feito se fará outra vez. Não existe nada de novo debaixo do sol” (1:9)
Depois disso, vê-se o Eterno Retorno na obra de Platão e Aristóteles, na poesia de Virgílio. E permaneceu no mundo antigo durante centenas de anos como um enigma, um conhecimento místico.
Só no século XIX essa teoria foi retirada da poeira dos livros antigos pela mão do enorme Friedrich Nietzsche. O filósofo resgatou que “ (…) toda a sua vida, como uma ampulheta, sempre será revertida e se esgotará novamente. (…) E então você encontrará toda dor e todo prazer, todo amigo e todo inimigo, toda esperança e todo erro, toda folha de grama e todo raio de sol mais uma vez, e todo o tecido das coisas que compõem sua vida. (…) É o poderoso pensamento da eterna recorrência de todas as coisas: – e para a humanidade, essa é sempre a hora do Meio-dia”.
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Tudo de novo, mas melhor
Porém, o pensador alemão não fez apenas um resgate teórico modernizado. Nietzsche, um filósofo da vida na vida, foi mais além e mostrou o que isso significa para nós na prática. Ora, se tudo vai se repetir, a prioridade máxima é cuidar para que a repetição seja da melhor qualidade possível. Em Gaia Ciência, no Aforismo 341 que Nietzsche desafia para que você se imagine na seguinte situação:
“E se um dia, ou uma noite, um demônio te seguisse em tua suprema solidão e te dissesse: esta vida, tal como a vives atualmente, tal como a viveste, vai ser necessário que a revivas mais uma vez e inumeráveis vezes; e não haverá nela nada de novo, pelo contrário!
A menor dor e o menor prazer, o menor pensamento e o menor suspiro, o que há de infinitamente grande e de infinitamente pequeno em tua vida retornará e tudo retornará na mesma ordem — essa aranha também e esse luar entre as árvores e esse instante e eu mesmo.
A eterna ampulheta da vida será invertida sem cessar — e tu com ela, poeira das poeiras!” — Não te jogarias no chão, rangendo os dentes e amaldiçoando esse demónio que assim falasse?
Na sequência, Nietzsche apresenta uma outra hipótese: “se a sua vida fosse satisfatória e lúcida, você não pensaria que essa seria a voz de um Deus, e não de um demônio?
É essa a reflexão que Nietzsche pede de nós. Vigie. Analise muito bem as suas escolhas, os seus recomeços, os seus sonhos e pergunte-se: quero isso dezenas de vezes mais?
Se a reposta for sim, essa é a direção, a melhor escolha e o melhor caminho.
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