Viajar pode abrir uma porta para a empatia
Viajar pode ser um ponto de partida para aceitar melhor as diferenças culturais e desenvolver a empatia, tão necessária em tempos de guerra
A mídia nos enche as vistas com cenas dos conflitos mais recentes pelo mundo. Parte de mim quer se blindar, de alguma forma, para não ser contaminado por essa onda de notícias que intoxicam nossas emoções. Em meio às informações, tento manter um filtro do que é real e do que é exagero.
Medidas que muitos concordam ser fundamentais para a saúde mental. A questão é que, para mim, não deu para fugir do conflito no Oriente médio, que ocorre há muito tempo e que se agravou após o 7 de outubro de 2023, uma vez que o Hamas atacou civis israelenses, executando 1,2 mil pessoas.
Desde então, o estado de Israel tem bombardeado a Palestina, matando 42 mil pessoas em um ano de guerra. Não há previsão de cessar-fogo na região.
Viajar nos aproxima das diferenças
Quando estava nas pesquisas para a escrita do livro Sabores & Destinos, uma viagem pela história das especiarias, tive o privilégio de visitar muitas nações e culturas fascinantes, distintas do padrão turístico da maioria dos viajantes.
Entre as “trips”, tive o prazer de visitar Israel no ano de 2015, e o Irã em 2017. Foram viagens marcantes que me fizeram entender, ou pelo menos vislumbrar, a complexidade das relações geopolíticas no Oriente Médio.
Sinto que voltei com mais dúvidas do que certezas, por isso desconfio quando alguém, soberbamente, aponta soluções fáceis para a região.
Já adianto não será aqui que vou arranhar opiniões ou achismos. Mas indico os profissionais, como o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre o Oriente Médio (GEPOM), que produz conteúdo com profundidade sobre aquelas difíceis questões.
O que quero tratar é sobre o tema de viajar e, conhecer um povo, uma cultura, in loco. Para os grupos que viajam comigo, sempre comento que mais do que lugares, estamos indo para conhecer pessoas.
Isso porque viajar de um jeito menos turístico nos aproxima de seres humanos e de culturas que estão vivas. Muitas vezes, elas são mais antigas e importantes do que seus governos ou ideologias políticas.
Insisto: um povo e uma cultura não podem ser reduzidos a uma pecha de direita ou de esquerda. Tampouco, embolados em uma massa em que todos os cidadãos são vistos como uno, radicais, violentos, isto ou aquilo.
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Viajar oferecendo caronas
Estava de carro com minha parceira à época e avistei um jovem de roupas largas pedindo uma carona. Sem pestanejar encostei o carrinho alugado.
Foi assim o começo de uma amizade com um israelense simpático que havia acabado de sair de seu treino de uma arte marcial, que coincidentemente, era a capoeira!
Ficamos amigos e foi no kibutz, onde havíamos o levado, que fiz minha primeira aula de capoeira. Sim, em Israel, já perto da fronteira com o Líbano.
Habitualmente, levo entre minhas roupas, pequenas lembranças e comidinhas do Brasil, que ao longo da viagem tornam-se presentes para amigos que ainda não conheço.
Um dos pacotes que havia trazido na época era de tapioca. Você não imagina a cara deles quando receberam aquele pacote de comidinha da Bahia, a terra da paixão deles! Logo depois que voltei, recebi um vídeo dos “gringos” aventurando-se a preparar a tapioca em solo israelense.
Ganhei um amigo. Poderia aqui contar um monte de muitas outras histórias divertidas de sua visita ao Brasil e sua paixão pelo Pará, mas, hoje, me preocupo.
Para além das notícias, é um amigo que, certamente, foi ao front, mesmo não sendo perguntado se queria ou não.
Quantas outras histórias poderia ter escrito aqui de pessoas que encontrei por todo o país israelense? Quando será que poderei voltar?
“Não somos homens bomba”
Fui ao Irã, um dos países mais incríveis que conheci e de um povo extraordinariamente gentil. Sim, é o Irã de verdade, não aqueles dos noticiários.
Minha surpresa já começou com quem nos recebeu no aeroporto, um guia muito gente boa que, por fim, virou um amigo também.
Chegamos pela cidade de Shiraz, sul do país, região da famosa uva que foi levada pelos europeus para fazer os caros vinhos de uva Shiraz, já que com o regime atual o álcool está proibido.
Desde lá, seguimos cruzando o país, paramos na charmosa vila de Abyaneh, onde conhecemos uma família que morava em Tehran.
Ao final do nosso breve encontro, nos prometeram um jantar na capital onde eles moravam e para onde daqui a poucos dias estaríamos também.
Quando em Tehran, chegamos mandamos uma mensagem, já descrentes de um novo encontro. Mas não, o convite estava de pé.
Então, fomos a um bairro chique e, para nossa surpresa, não nos deixaram pagar nada, e ainda nos estenderam um convite para outro jantar, agora na casa deles.
O dia seguinte foi uma experiência única para nós, mas algo super comum na tradição iraniana: convidar amigos ou recém conhecidos para jantar em casa.
Me emociono quando me lembro daquelas interações e do caminho de volta para o nosso hotel. Enquanto estávamos com as barrigas ainda cheias das delícias da culinária persa, cantávamos músicas dos Beatles nas avenidas de Tehran no carro de um senhor que havíamos conhecido há poucos dias.
O peso humano dos conflitos
Vidas inocentes serão sacrificadas. O que para muitos é apenas mais uma notícia, para mim, talvez seja uma perda de um conhecido ou amigo.
Minhas lembranças são especiais, mas reconheço que são de um vínculo superficial. Não consigo imaginar como é para pessoas aqui no Brasil que tem parentes em regiões de conflitos.
Ainda ecoa na minha mente, algumas das pessoas que em Shiraz, Isfahan, Abyaneh ou Tehran que me pediram para contar no meu país que o seu povo é um povo pacífico, que não são terroristas, e eu sei disso.
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