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Vai resistir até quando? A dor é apenas mensageira
Nicolas Prieto/Unsplash
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Resistência é a luta que nasce da recusa em aceitar a realidade como ela é. Quando você entende que a dor atravessa todos os caminhos, você também compreende que o fato de ela atravessar o seu não significa que tenha algo de errado com você, ou com a sua forma de caminhar


Você vai se solidarizar com o que me aconteceu semana passada. Já atrasada para buscar a minha filha no ballet, resolvi trocar as lentes de contato que estavam embaçadas. Tirei as lentes e, como de costume, joguei-as fora. Em seguida, abri a nécessaire onde ficam as caixinhas para achar um novo par. Estava vazia. Com pressa, comecei a procurar em outros lugares possíveis: gavetas, prateleiras, outras nécessaires. Nada. Já era tarde e, enquanto rodava pela casa procurando as lentes em lugares menos óbvios, percebi que seria impossível dirigir sem elas — eu tenho 3 graus e meio de miopia, e qualquer objeto a mais de 50 cm é apenas um borrão.

Nervosa com o tempo que passava, retomei a busca pelos lugares óbvios: a nécessaire das lentes, as gavetas, as prateleiras, as outras nécessaires. Fiquei como uma barata tonta, procurando em lugares menos prováveis, e em seguida voltando a procurar nos mesmos lugares óbvios. A cada volta que eu completava, a ansiedade crescia em escala geométrica. Até que resolvi parar e respirar. Finalmente veio a lucidez: “Adriana, voltar nos lugares em que as lentes não estão é apenas uma perda de tempo. Elas não aparecerão onde você pensa que deveriam estar só porque você quer. Aceite e faça um plano”. Então, decidi chamar um uber.

Já aconteceu algo parecido com você? Se nunca voltou no mesmo lugar para procurar a chave perdida, pode atirar a primeira pedra. Aliás, a universalidade com que fazemos isso revela que a resistência não é privilégio de ninguém. Resistência é a luta que nasce da recusa em aceitar a realidade como ela é.

Voltamos para procurar as chaves nos mesmos lugares porque nos recusamos a aceitar que não estejam lá. Da mesma forma, insistimos em causas que não valem o esforço, porque nos recusamos a aceitar que são causas perdidas. Mas, o tempo passa, os dias viram meses. Acumulamos insatisfação e ansiedade enquanto esperamos que aquilo que não é um dia se torne o que não pode ser.

Os usos da resistência

Mas, veja, nem tudo sobre a resistência é ruim. Quem já teve problemas familiares no mesmo dia de uma reunião importante, sabe que a nossa habilidade de resistir pode ser uma dádiva. Reprimir emoções, evitar pensamentos, distrair-se com outra tarefa pode ser melhor do que chorar e contar ao cliente os seus problemas pessoais, ou cancelar a reunião que você precisa para pagar as contas. Resistir traz um alívio temporário, que é exatamente o que você precisa para funcionar apesar do que te aflige.

Para Steven Hayes, criador da Terapia de Aceitação e Compromisso, o alívio imediato associado à fuga de uma emoção, situação ou interação aversiva é um reforço tão poderoso que quase todos os seres humanos se esquivam destas experiências, em alguma medida.

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Sofrimento = resistência x dor

A questão é que no longo prazo, a resistência não ajuda. Shinzen Young, especialista em mindfulness e neurociência, expressou este conceito matematicamente com a seguinte fórmula: sofrimento = resistência x dor.

A equação simboliza que a luta contra aquilo que é dolorido, multiplica a dor e gera o sofrimento. Afinal de contas, se você não entender por que se sente desconfortável, não poderá agir de forma efetiva para resolver o que te aflige. Na verdade, você passa a ter dois problemas: primeiro, a dor que não vai embora; segundo, o sentimento de que a dor existe porque tem algo de errado com você ou com a sua vida.

 

A dor como mensageira

Para o escritor Allen Ginsberg, quando tentamos fugir da dor, criamos o ‘sofrimento do sofrimento’. Veja, a dor em si não é tão ruim. Afinal de contas, você pode se frustrar porque não acha as chaves – ou as lentes – e exatamente por isso, chamar um uber. Na volta, poderá procurá-las com calma e fazer um plano para que não as perca novamente. Mas, enquanto você resistir aceitar que as chaves não estão onde você gostaria, continuará voltando aos lugares que lhe parecem óbvios apenas para se decepcionar mais uma vez.

O ponto é que enquanto nos recusarmos a enfrentar a dor da decepção, continuaremos perdendo tempo insistindo em comportamentos, relacionamentos e escolhas que não poderão nos dar os frutos que desejamos.

Para Ginsberg, o problema não é a dor, mas o fato que ressentimos o sofrimento e recusamos a senti-lo. Pensando bem, se você está vivendo situações que não podem te levar onde você quer, é o desconforto – a decepção, a frustração e a tristeza – que te sinalizam este fato e te motivam a sair deste lugar. Mas, se você silenciar o mensageiro… Pois é, continuará sofrendo em doses homeopáticas. A dor é apenas uma mensageira, chame-a para um café. 

Como sei se estou resistindo: superidentificação e fuga

A preocupação, a tensão física e a raiva sem motivo aparente podem ser sinais de que estamos resistindo. E costumamos fazer isto de duas formas.

A primeira é quando nos identificamos excessivamente com o sofrimento. Por exemplo, quando nos agarramos àquilo que nos aflige, ruminando problemas ou imaginando cenários catastróficos. Em resumo, fazer-se pequeno diante dos desafios nos convence que somos incapazes de enfrentá-los, portanto permanecemos inertes.

A segunda forma que costumamos usar para resistir é quando fingimos que não é nada. Colocamos para debaixo do tapete, evitamos ou nos distraímos de situações, eventos e pensamentos que causam o desconforto. Neste cenário, é comum adotarmos estratégias de fuga, como trabalhar em excesso, comer demais, buscar desesperadamente a distração. Na verdade, algumas formas de fuga – como por exemplo o celular, a bebida, a Netflix ou o açúcar – podem até virar vícios. Ou seja, acabamos criando outro problema na tentativa de não resolver o primeiro.

MAIS SOBRE O ASSUNTO:

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Um exemplo prático

Se você não entendeu como a resistência funciona na prática, pense no exemplo de uma pessoa que foi traída. É natural que a ideia de aprofundar novos laços traga a essa pessoa memórias antigas de traição seguidas por sentimentos de dúvida, insegurança e desconfiança. Mas, veja, o desconforto em si não é necessariamente ruim, pelo contrário. O desconforto comunica a essa pessoa que confiança e respeito são valores muito importantes para ela. É o desconforto que faz com que ela escolha conhecer melhor seus parceiros antes de se envolver.

No entanto, se esta pessoa reprimir o desconforto fingindo que ele não existe, ela poderá se envolver muito rapidamente, aumentando as chances de uma nova traição. Ou, então, se ela se agarrar ao desconforto, por exemplo imaginando cenários catastróficos, ela dificilmente terá coragem para se envolver novamente. Ou seja, ela não terá a chance de construir relacionamentos de confiança e respeito que são tão importantes para ela. Aliás, isso pode acontecer até de forma inconsciente. Por exemplo, encontrando sempre uma justificativa para mostrar que essa nova pessoa, amigo ou amante não lhe parecem bons o suficiente.

A dor é parte do caminho

Veja, a pessoa traída que decide se relacionar novamente irá sentir certo desconforto mesmo que escolha um novo parceiro íntegro e confiável. Isso acontece porque o ato de relacionar-se pode trazer memórias desagradáveis do passado. E o passado não é algo que conseguimos mudar. Neste caso, sentimentos, pensamentos, memórias e sensações associadas ao fato de relacionar-se podem mudar, porém apenas gradualmente e à medida que essa pessoa vive bons relacionamentos. E isso vale para qualquer mudança. Portanto, para seguir em frente com aquilo que é importante, é necessário aceitar o desconforto.

A dor não é opcional, e saber disto pode ser paradoxalmente libertador.

Quando você entende que a dor atravessa todos os caminhos, você também compreende que o fato de ela atravessar o seu não significa que tenha algo de errado com você, ou com a sua forma de caminhar.

Entenda, aceitar não é o mesmo que gostar de sofrer, mas simplesmente estar disposto a entrar em contato com experiências ou situações que possam acionar o desconforto.

Apoio

É claro que aceitar, tolerar e entender o sofrimento não é nada fácil. Até porque, seres humanos sentem-se seguros para enfrentar o que é difícil quando se sentem conectados, apoiados e compreendidos. Temos mais coragem quando alguém acredita em nós. Esta é uma das grandes razões pelas quais a terapia, por exemplo, pode ser uma excelente aliada no processo de entender e transformar as suas dores.

Para além da terapia, é também muito importante ter o apoio e cuidado de pessoas que você ama e confia. E isso inclui o apoio daquela pessoa com quem você mais se relaciona: você mesmo.

Pratique apoiar-se e encorajar-se diante do sofrimento. Para saber como fazer isso, não perca meu próximo texto. Será sobre autocompaixão.

Leia todos os textos da coluna de Adriana Drulla em Vida Simples


ADRIANA DRULLA (@adrianadrulla) é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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