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O homem e suas (circunstâncias) necessidades
(Foto: Kelly Sikkema/Unsplash)
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Desde que abrimos os olhos pela manhã travamos contato com o que necessitamos – ou com aquilo que nos faz falta. E como este estado produz desconforto e ansiedade – saímos a campo. E as necessidades são muitas. Vão desde as mais básicas – as que sustentam o corpo físico, como água e alimento – até as mais sofisticadas como a autorrealização.

No fim do século 18, Immanuel Kant fez um levantamento das demandas humanas. O filósofo alemão identificou as básicas – alimentação, bebida e sexo; as de segurança – física e psicológica; as sociais – de amizade, de amor e de relacionamento; as de autoestima – relevância e pertença; e, finalmente, as de desenvolvimento — autorrealização e comportamento ético.

Mais tarde, no século 20, o psicólogo norte-americano Abraham Maslow pegou as necessidades de Kant e fez uma hierarquia em forma de pirâmide. De acordo com Maslow, é necessário preencher uma necessidade de cada vez antes de subir o próximo degrau. Isso significa que a ordem importa. Só buscamos segurança quando temos o alimento assegurado. Um conhecimento dominado inclusive por outros seres vivos. O leão sabe que o melhor lugar para esperar a sua presa é à beira do rio – um animal com sede deixa a segurança em segundo plano. A Teoria de Maslow foi extensamente utilizada no mundo corporativo como fonte de motivação, o artifício de acenar com a cenoura para o homem perseguir e cumprir metas.

A verdade é que a natureza humana tem necessidades sem fim. Assim que uma necessidade é atendida, surge outra. É o que o filósofo alemão Peter Sloterdijk chama de “tensão vertical”: a força que está sempre puxando o homem para cima. Quando temos uma vida estabilizada, quando tudo parece perfeito, vem o tédio, o sentimento de estagnação… E se você não notar, a sociedade alertará você: os ditos populares dizem que “quem fica parado é poste”, os gurus ordenam que você saia da zona de conforto, e pobre do profissional que “não gosta de desafios”.

Se fizermos um raio-x da nossa personalidade, o que saltará em relevo são as nossas necessidades. Todas as ações e escolhas — da padaria onde compramos o pão à escolha de um parceiro amoroso – buscam suprir uma necessidade. Se você olhar para sua vida é detectar um vazio, um desconforto, uma ansiedade, um ponto de angústia; irá encontrar uma necessidade não satisfeita. E são únicas, são nossas. Dependem da personalidade, da idade, dos recursos e dos sonhos – e da percepção do mundo que se apresenta para cada necessitado.

Por isso, é urgente conhecê-las. São elas que embalam os nossos dias; que ajudam a entender por que fazemos o que fazemos e por que nem sempre alcançamos a satisfação ou nos sentimos felizes com as nossas conquistas. E quais são elas? Segurança – material e emocional – é uma necessidade importante. Precisamos da certeza de que temos um teto – conforto, família, ordenado ao final do mês – que estamos na direção certa, que vivemos de acordo com o que acreditamos. Não há como fugir. As certezas trazem segurança. Às vezes, essa necessidade é tão forte que se traduz em controle. O grau de preocupação – e neurose – varia. Algumas pessoas estão mais à vontade na vida – um nível pequeno de segurança é suficiente. Outras não conseguem estar num espaço sem a visão da porta, precisam controlar quem entra e quem sai. A necessidade de segurança pode vir de muitas fontes, desde uma reserva de dinheiro até o saber-se amado.

Segurança, pero no mucho

Incerteza? Novidade? Sim, também é uma necessidade humana. Fazer sempre a mesma coisa, comer sempre a mesma comida, enfrentar sempre os mesmos problemas provoca um aborrecimento profundo e, às vezes, até pode ser estressante. Precisamos quebrar a rotina, experimentar o novo. Apesar de parecer o oposto da segurança, é complementar. Os dois são necessários para o equilíbrio humano. Tanto quanto certezas, necessitamos de mudanças e desafios A certeza – apesar de confortável – em excesso, impede a evolução. Quanto mais você tiver certeza sobre algo, mais limitado você estará no crescimento. E quais são elas? Não há lista. Um mesmo acontecimento pode ser recebido com boas-vindas ou como uma ocorrência desconfortável e ameaçadora – depende da percepção de quem vê. Alguns têm necessidade de estar constantemente envolvidos em coisas novas, precisam de desafios; outras, basta uma pequena porção ocasional.

Somos únicos

Precisamos – para o nosso bem-estar – ser reconhecidos, aceitos e amados. Daí a razão para o sucesso absurdo das redes sociais. Precisamos do sentimento de pertença, de sentir que somos importantes, especiais e apreciados pelos outros. E aqui um alerta: neste campo a qualidade é fundamental. Essa necessidade devemos cultivar na família, o nosso núcleo duro, círculo de amigos – poucos e especiais. Quem é bem-sucedido na relação familiar, não tem como falhar na conquista externa. O oposto é que não funciona, pois aprendemos e carregamos o modelo de relações com a família. Se esta falhar, as relações extra-familiar provavelmente terão o mesmo caminho. A busca desta necessidade nas redes sociais também está fadada ao fracasso. Sem contar, que pode ter um efeito destrutivo e desolador. Quem é suscetível aos likes alheios, estará igualmente exposto e à mercê dos haters. E tenho que dizer: o número dos que odeiam – ou os reativos, como quer Nietzsche – é muito maior. Há pessoas – principalmente devido ao anonimato proporcionado pelo digital – que só estão à espera de alguma coisa para odiar.

O ser humano, em qualquer lugar do mundo, está empenhado em satisfazer suas próprias demandas. Porém, elas não são fáceis, é preciso caminhar com cuidado porque elas comportam riscos. As necessidades não podem ser supridas a qualquer custo. Para atender a necessidade de ser amado, não se pode fingir o que não se é. Sob pena de construir uma relação falsa. Fingir gosta do que não se gosta é uma fonte permanente de estresse e sofrimento. A relevância social não pode ser alcançada de forma ilícita e não ética. E mais: algumas necessidades são terrenos férteis para vícios destrutivos. Aditivos, como o álcool, podem trazer conforto e segurança; podem responder a necessidade de variedade: “quando bebo a minha vida parece um filme”; o sentimento de pertença pode ser alcançado com álcool: “Com um copo na mão, sinto-me importante, pertenço ao mundo do glamour”. Partir
para a aventura e experimentar altas doses de adrenalina exige estudo e preparo. Afinal, todos os cadáveres que pereceram a caminho do cume de montanhas famosas também saíram da zona de conforto.

À parte os perigos, você poderá pensar: espera! As minhas necessidades são bem diferentes dessas. Pode ser verdade. Porém, preste atenção: às vezes as necessidades não estão à vista, estão camufladas, disfarçadas de outras necessidades. A necessidade de se ter muitas coisas, das compras em acesso? O vazio que tentamos preencher com compras pode vir do não atendimento de aceitação e amor. A necessidade de que tudo seja perfeito e maravilhoso? Pode estar associada a uma personalidade insegura, a busca de fama e dinheiro, pode ser autoestima comprometida.

Quais as mais importantes? Todas. E devemos buscá-las sempre, porque a conquista delas não são permanentes, elas oscilam de acordo com as fases e os desafios da vida. De uma hora para outra, passamos de equilibrados para neuróticos, de assertivos para inseguros, de saudáveis para insanos. As necessidades, mais do que objetivos, são conquistas diárias.

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