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Nem toda zona de conforto é ruim
Toa Heftiba | Unsplash
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Nesta coluna, Fernanda Gomes argumenta que nem toda zona de conforto paralisa as pessoas. Ela questiona a condenação do conforto como um estado negativo e apresenta uma nova perspectiva para uma “geração inteira de pessoas desconfortáveis”.

Um dia, não sei quando nem sei quem, alguém inventou em algum lugar que para conseguir qualquer coisa na vida é preciso “sair da zona de conforto”.

Evidente como constatar que para não morrer de sede é preciso beber água, a frase ganhou o mundo e se tornou um símbolo do anticonformismo, do esforço desmedido, da superação pessoal e profissional e até do empreendedorismo. Segundo sua lógica peculiar, só entra no reino dos céus quem sai da zona de conforto.

Como todo símbolo, esse clichê também caiu na armadilha de encerrar uma verdade. E você sabe. Verdades encerradas não se abrem para a saúde exuberante das dúvidas. Não são afeitas à liberdade infantil do pensamento. De tão óbvia, uma verdade absoluta não admite questionamentos.

A condenação do conforto

É óbvio que toda conquista requer algum tipo de esforço. Claro que todo sucesso é resultado do empenho de cada um, de sua capacidade de vencer dificuldades. Ninguém contesta que o movimento gera força e, com força, a gente cresce. Inegável que ficar parado, esperando cair do céu o que você deseja, nunca vai dar em nada.

Daí a condenar o conforto como algo de que se deve fugir, classificá-lo como uma zona fantasma onde se arrasta uma comunidade de preguiçosos… Isso sempre me pareceu um pouquinho demais. Porque o significado de conforto não pode ser reduzido àquele que vem do latim, da palavra cumfortare, vinda por sua vez de cum-fortis, de alívio da dor.

Essa tal zona de conforto, pegajosa e limitante, talvez traduza o que seja a suposta segurança da casa dos pais, de onde uma hora os filhos devem sair para construírem suas próprias vidas, suas histórias, suas carreiras, suas famílias.

É o tal emprego que já não oferece mais nada além de mera subsistência e, por isso, gera angústia e infelicidade. É o relacionamento amoroso que de amor já não tem mais nada.

O que se convencionou chamar de “zona de conforto” é todo canto físico e mental dos quais alguém não consegue sair por conveniência, por inércia, por falta de ambição, por medo ou por tudo isso junto. Isso é estar parado.

Acontece que nem todo conforto paralisa.

A volta para o conforto

Eu me sinto confortável em minha condição de mãe, de esposa, de profissional liberal, de alguém que estuda e trabalha muito porque esse é o único jeito de me manter em movimento e obter da vida tudo aquilo que eu desejo. Essa é a minha zona de conforto.

Mas eu garanto a você que não é nada confortável dormir às onze e meia da noite e acordar às duas horas da manhã com seu filho tossindo, precisando fazer inalação, quando os seus compromissos profissionais da manhã seguinte começam às sete e meia.

Compreendo o propósito de quem continua apregoando que é preciso sair da zona de conforto.
Mas acho que passou da hora de virar esse disco. A tão temida zona de conforto não é um lugar de onde se deve sair. É o lugar para onde todos devemos voltar!

Será que essa obrigação desmedida de escapar de um lugar que nem todo mundo sabe o que é, repetida sem filtro nem reflexão nas escolas, nas empresas, nas famílias, não formou uma geração inteira de pessoas desconfortáveis com o que fazem, com o que têm, com o que são?

MAIS DE FERNANDA GOMES:

– Quanto mais simples, mais bonito

– Caro mesmo é o que o dinheiro não compra

– Sou contra a expressão “anti-idade” 

O conforto merecido

Será que, em meio a tantas palestras, livros, filmes e cursos sobre sair da zona de conforto, não sobram três minutinhos para pensarmos com honestidade sobre o que queremos das nossas próprias vidas antes que alguém repita que é preciso sair da zona de conforto?

E será possível que toda pessoa boa desejando um cadinho de conforto nesse mundo, um pouquinho de aconchego e descanso, um mínimo percentual de tranquilidade em meio à rotina de trabalho intenso a que todos estamos sujeitos, seja gratuitamente eleita como simplesmente acomodada?

Eu acho que não. Honestamente, eu acho que pessoas motivadas a trabalhar duro para merecerem seu espaço no mundo, e que esse espaço seja bonito, aconchegante e espaçoso para todos os seus sonhos, são verdadeiras fábricas de felicidade e realização.

Não sei você, mas eu quero mesmo é voltar à minha zona de conforto.

Eu mereço e trabalho muito para me sentir confortável com minhas escolhas, com minha família, com meu jeito de estar no mundo, com todos os desafios que a vida me apresenta todos os dias. E com todo o trabalho intenso que tudo isso representa.


FERNANDA GOMES (@fernandagomesdermato) é médica formada pela Universidade Federal de Minas Gerais, com especializações em dermatologia e homeopatia. Acima de tudo, ela acredita na beleza externa como consequência do que cada um tem de bonito por dentro. Faz dos hábitos simples sua receita de saúde e, do trabalho amoroso e dedicado, sua filosofia de vida.

Leia todos os textos da coluna de Fernanda Gomes em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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