Não queremos a felicidade
Nossas ações mais importantes nem sempre seguem as setas que sinalizam a felicidade. Algumas vão mesmo em sentido contrário.
Nossas ações mais importantes nem sempre seguem as setas que sinalizam a felicidade. Algumas vão mesmo em sentido contrário.
Um professor pergunta aos seus alunos: “quantos de vocês querem ser felizes?” Todos levantam a mão. A seguir, ele faz a segunda pergunta da aula: “quantos de vocês planejam ter filhos?” Todos levantam a mão. A cada semestre, esse é o início da aula sobre felicidade do professor de filosofia norte-americano, Sebastian Purcell.
Por fim, ele apresenta evidências de que ter filhos torna a maioria das pessoas mais infelizes. De acordo com ele — pesquisador de abordagens que envolvem história, globalização, filosofia e condições sociais — a sensação de bem-estar desaparece abruptamente assim que a criança nasce. Depois disso, os já pais, só retornam aos níveis de bem-estar depois que o último filho sai de casa.
Por último — após apresentar todas as evidências — o professor volta a perguntar: “Quantos de vocês ainda querem ter filhos?”. Bem… Os mesmos alunos que afirmaram querer a felicidade, continuaram a querer também os filhos. Qual é a explicação para isso? Por que diante das evidências ainda escolhemos os caminhos que vão em sentido contrário à felicidade?
Vida boa
Entretanto, uma possível resposta talvez venha de outra pergunta: será que desejamos realmente a felicidade? Tudo indica que não. Definitivamente, não queremos ser felizes. A filosofia mostra isso e os recentes estudos da neurociência e da biologia evolutiva vão pelo mesmo caminho.
Na verdade, tudo o que pensamos e fazemos está direcionado para uma vida que leve a satisfação, e não para estados emocionais “felizes”. E para essa vida que julgamos que nos convém, estamos dispostos a tudo: sacrifícios, escassez… e até a infelicidade.
Regresso aos gregos
Entretanto, numa leitura atenta da filosofia dos gregos antigos, verifica-se que eles recomendavam o cultivo das virtudes. Temperança, coragem, autodisciplina e, principalmente, uma mente clara — doutrinada pela razão — faziam parte das indicações.
E eles afirmavam que esse era o caminho para a felicidade? Não. Primeiro, porque não existe essa palavra em grego arcaico. A busca dessas virtudes tinha uma finalidade: a eudaimonia. Que pode ser traduzido para bem-estar, satisfação, estado de contentamento estável. Um estado de ausência de sofrimento e inquietude.
Sem vocação
Por outro lado, há estudos recentes da biologia evolutiva que revelam que não estarmos programados para a felicidade. Toda a nossa artilharia visa a sobrevivência. Muitos criticam o pessimismo rabugento de Schopenhauer, mas todos os dias surgem estudos que lhe dão razão. Segundo ele, a busca da felicidade era um dos maiores equívocos humanos. Em síntese: não fomos feitos para a felicidade e Schopenhauer explica isso com uma clareza irritante.
O pessimista alemão chegou a dois veredictos sobre a felicidade, que já são clássicos dentro da filosofia. O primeiro é que não somos simplesmente seres racionais que buscam conhecer e compreender o mundo. Somos máquinas geradoras de desejos que se esforçam para obter coisas. Diz o filósofo que por trás de cada esforço está uma dolorosa falta de algo. Ocorre que obter isso raramente nos deixam felizes. Pois, ainda que consigamos satisfazer um desejo, há sempre vários outros desejos prontos a tomar o lugar do desejo recém-atendido.
Não desejo!
E se, ciente disso, eu decido que hoje não vou desejar nada. A felicidade vem? Não. Vem é o tédio. Uma vida sem nada a desejar é monótona e vazia. Se temos a sorte de satisfazer as nossas necessidades básicas — fome, sede, conforto — para escaparmos ao tédio passamos a desejar itens de luxo, restaurantes caros, grifes famosas.
Entretanto, em nenhum momento chegamos a uma satisfação duradoura. Em outras palavras, temos aqui o famoso pêndulo de Schopenhauer: “a vida oscila entre o sofrimento e o tédio”. Sofre-se com aquilo que falta e entedia-se por aquilo que se tem.
Em outras palavras, temos tão pouca inclinação para a felicidade que quando desfrutamos de estados que poderiam ser classificados como “felizes”, não notamos. Raramente sentimos o benefício das coisas quando as temos. Só a posteriori, e na falta, damos conta do quanto elas eram valiosas e importantes. E isso estende-se a tudo, de posses materiais a pessoas.
Ah Falta-me!
Afinal, lembra Schopenhauer, só nos tornamos conscientes dos três maiores bens da vida — juventude, saúde e liberdade — quando os perdemos. Só nos damos conta de quanto um parceiro é maravilhoso quando ele já se foi. Qual é a mulher perfeita? Aquela que não se tem. Em muitas situações, você não sabe o que tem, só sabe depois que deixa de ter.
Em síntese, esse é só um exemplo. Schopenhauer tem uma lista enorme. Por exemplo, tendemos a não notar quando as coisas estão bem. Schopenhauer explica que “não sentimos a saúde de todo o nosso corpo, mas apenas a dor no pequeno dedo onde o sapato aperta”. Tiramos o sapato e experimentamos o êxtase do alívio? Não. Logo o nosso foco detecta outro problema. Quando temos um infortúnio pequeno, tendemos a ampliá-lo para que ele possa ocupar o trono da principal preocupação do dia. Geralmente, não notamos isso em nós, mas pense quantas vezes você não viu ao seu redor uma pessoa fazer um drama gigantesco de um problema ínfimo?
O cosmo contra mim
Mais do que isso, contamos ainda com uma espécie de conspiração do universo. Pense nas coisas mais prazerosas deste mundo e pense nas mais torturantes e veja quanto tempo cada uma delas dura.… Pensou? (Eu espero…)
Enfim, vou sugerir duas: enxaqueca e orgasmo. Mais conspirações? Quando temos sorte e algo maravilhoso nos acontece. E, dupla sorte: dura. Como resultado, qual é a nossa sensação? De fugacidade, de que não tivemos aquilo. A sensação é que aquilo durou um segundo. Piscamos o olho e já acabou. E, quando vem a má sorte e algo muito ruim nos acontece. Não importa que dure 10 minutos, para nós, parecerá uma eternidade.
Entretanto, a semelhança do que foi mencionado no início do texto, vamos continuar a levantar a mão para a felicidade e para os filhos. Porque a nossa inclinação, a nossa força vital mais profunda, estarão sempre contemplando a satisfação e o bem-estar. Esses, os verdadeiros atributos da vida que vale a pena.
Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e mestre em filosofia. Mora em Portugal há 18 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.
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