Evitamos falar sobre a velhice, e só perdemos com a negação
A velhice é algo inevitável. Mesmo assim, evitamos ou até nos negamos a falar sobre o envelhecimento. Tais atitudes nos deixam em desvantagem
Duas sacolas de compras e um pensamento: o que iria fazer para o almoço? Era assim que me encontrava quando saí do mercado a pé. Na esquina, uma senhora se aproximou. O sol estava quase a pino. Ela usava um chapéu de sol de tecido. “Você poderia me ajudar a atravessar a rua?”, pediu com delicadeza.
Coloquei as sacolas no braço esquerdo e usei o direito para guiá-la. Ao longo da quadra seguinte, conversamos. O nome dela é Luciana, havia feito um exame nos olhos e dilatado as pupilas.
Como assim?, pensei. Dilatar a pupila é igual a não enxergar. Seus olhos praticamente não abriam por causa da claridade. E ela cambaleava e se apoiava nas paredes para não cair.
A velhice, o acúmulo de memórias e a solidão
Perguntei onde morava. Umas cinco quadras de onde estávamos. Perto, mas, para quem estava naquele estado, era como atravessar uma ponte com um desfiladeiro embaixo, de olhos vendados.
Ao longo do trajeto descobri que Luciana tem quase 70. É casada. O marido estava trabalhando e, por isso, não a acompanhou. Não tem filhos… quer dizer, já teve. Um menino. Morreu com 2 anos.
Ela era filha temporã. E teve a companhia da mãe por 26 anos. Os irmãos tinham, cada um, seus próprios problemas de saúde: Alzheimer, demência… Sobrinhos? Tem. Mas não gosta de incomodá-los.
Ou seja, não tinha mesmo quem pudesse acompanhá-la no exame e foi sozinha. “Cuidado com o degrau na calçada.” “Vamos esperar, agora não é seguro atravessar.”
Precisamos falar sobre envelhecer
De volta, contei a ela sobre meus pais. Disse que já estavam bem velhinhos. Mas que eu e minha irmã nos revezávamos para levá-los ao médico, ao dentista. Além de tentarmos ser presentes.
“Não temos uma cultura que olha para os velhos com generosidade, carinho. A sociedade os percebe mais como peso do que fonte de sabedoria”, comentei. Luciana concordou e disse que na cultura oriental era diferente.
“É este prédio.” Esperei Luciana entrar. “Que Deus lhe pague.” Enfim, fiquei parada, em frente ao portão, até perdê-la de vista. Provavelmente nunca mais a verei.
Fiquei pensando nos meus pais. Em mim, nos meus irmãos, amigos. Todos vamos envelhecer. Mas não conversamos sobre isso.
Falamos sobre como disfarçar a idade – gastamos bastante tempo e dinheiro com isso, aliás. Caminhei até a minha casa com um nó na garganta que comprime o grito: precisamos falar sobre os nossos velhos. Precisamos falar sobre nós.
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Conteúdo publicado originalmente na Edição 264 da Vida Simples
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