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Da cólica à menopausa: os segredos do Ayurveda para a saúde da mulher
Jason Briscoe | Unsplash O ayurveda pode ajudar a mulher na fase da menopausa. Foto: UNSPLASH
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Neste artigo:

Saiba como prevenir e tratar cólicas e desconfortos associados à menstruação. Aprenda também a lidar com a menopausa e a distinguir quando a reposição hormonal é apropriada.

Recebo muitas perguntas sobre saúde feminina. Aliás, a maioria dos meus pacientes, assim como alunos e seguidores do Vida Veda, são mulheres. Mas antes de explorar esse tema, eu preciso deixar claro qual é o meu lugar de fala a respeito desse assunto.

Obviamente que não falo sobre saúde feminina da posição de alguém que tenha vivido a experiência de uma cólica menstrual, por exemplo. Por isso, meu objetivo não é explicar para as mulheres o que é ser mulher ou o que é ser feminino. Não tenho legitimidade para isso.

No entanto, posso falar sobre saúde feminina como médico, isto é, como alguém que foi treinado para olhar para a saúde humana, inclusive a feminina, e que trata muitas pacientes mulheres.

Dito isso, gostaria de compartilhar um pouco do conhecimento ayurvédico a respeito desse universo. Entender os problemas relacionados à menstruação e à menopausa pela perspectiva da fisiologia ayurvédica e da dinâmica dos doshas é sem dúvida muito interessante. E, claro, pode ser bastante útil para as mulheres se cuidarem melhor e terem mais qualidade de vida. Então, vamos lá!

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Cólicas e menstruação

De acordo com a fisiologia ayurvédica, eliminar substâncias por baixo do corpo, como fezes, gases, urina e endométrio é a função de Vata dosha. Portanto, ele aumenta naturalmente durante esses processos, do qual a menstruação faz parte.

Se por acaso a mulher já estiver com o Vata aumentando por algum outro motivo, durante a menstruação esse dosha pode ficar ainda mais agravado. Um dos sintomas clássicos de Vata agravado é a dor, por isso cólicas menstruais são tão comuns.

É importante frisar que a dor não é natural da menstruação. Ela é um sinal de que o Vata agravou demais durante a liberação do endométrio. Dessa forma, o primeiro passo para tratar as cólicas é tentar entender (com a ajuda de um profissional) porque a paciente já estava com o Vata agravado antes de menstruar. Para isso, a observação dos hábitos e sintomas pela própria paciente é fundamental.

São vários os fatores que podem aumentar o Vata dosha. Os principais são: a perda de tecido corporal, o bloqueio do próprio Vata quando este se movimenta pelo corpo e o contato com atributos que são típicos de Vata, como o frio, a secura e o movimento.

Se você tivesse que adivinhar, qual dentre esses fatores você imagina que seja a principal causa de Vata aumentado entre as pacientes que eu atendo?

Se pensou no bloqueio nos caminhos de Vata, acertou.

E para encerrar a brincadeira de adivinhação, você tem alguma ideia do que é que causa esse bloqueio na maioria dos casos?

Alimentos mal digeridos

Quando uma pessoa está com a digestão ruim, seja porque come com muita frequência, ou porque come muita besteira (alimentos processados e ultraprocessados), parte do que ela come acaba não sendo digerido. Isto também pode acontecer quando se ingere alimentos pesados, como carnes, lácteos, ou até mesmo alguns vegetais crus.

Esse alimento não digerido dentro do corpo é chamado de “Ama no Ayurveda. É ele quem muitas vezes bloqueia e serve de causa para o aumento de Vata. Essa é a base de grande parte dos problemas de saúde que eu vejo, incluindo os de saúde reprodutiva feminina.

Não é por acaso que um dos livros clássicos milenares do Ayurveda afirma que todas as doenças femininas têm como base a alimentação inadequada.

Ou seja, existe uma relação muito forte entre a má alimentação e os problemas de saúde feminina.

É claro que não é porque você comeu uma bolacha recheada que você vai desenvolver endometriose. O que acontece é que muitas vezes as pessoas passam muito tempo se alimentando de maneira inadequada. E uma hora a conta chega.

Portanto, minha primeira dica para prevenção e tratamento de doenças que prejudicam a saúde feminina é: coma de forma saudável. Prefira os alimentos que lhe fazem bem e evite os que fazem mal. A verdade é que a maioria das pacientes que eu vejo na clínica, no fundo, sabem distinguir bem de forma geral os alimentos saudáveis dos insalubres, mesmo sem treinamento nutricional específico.

Se você tiver a habilidade de se observar e entender o próprio corpo, você mesma vai perceber quais são as suas necessidades.

Quando uma paciente me diz que seu corpo pede chocolate durante o período menstrual, eu acredito. O corpo é sábio. Mas na verdade, ele não está pedindo exatamente chocolate, ele está pedindo algum sabor doce. Isso porque sabemos pelo Ayurveda que esse sabor pode apaziguar o Vata, assim como os sabores azedo e salgado. Não é incrível essa sabedoria do corpo?

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Mas cabe a você lembrar que o sabor doce pode vir tanto de uma batata-doce quanto de um brownie com calda de chocolate. Se você come alimentos doces que são saudáveis, como frutas e tubérculos, isso pode apaziguar o Vata e seu corpo pode ficar mais equilibrado. Mas se você come um monte de guloseimas, você apazigua o Vata por um lado, mas pode estar criando vários outros problemas por outro.

Repouso e oleação

Outra recomendação geral ayurvédica sobre menstruação é de que a mulher menstruada deveria repousar o máximo possível. Isso porque o movimento físico tende a agravar o Vata, lembra?

Recordando ainda que o frio e a secura são outros atributos que aumentam o Vata, podemos considerar que os seus opostos diminuem esse dosha. Este é um princípio fundamental do Ayurveda: substâncias de qualidades opostas se compensam. Portanto, minha outra dica para controlar as cólicas e desconfortos da menstruação é oleação.

Aqueça uma colher de sopa de óleo de gergelim em banho-maria e aplique esse óleo morno em toda a região entre o umbigo e os joelhos. Inclua barriga, coxas e glúteos. Não estou falando em massagem. Trata-se apenas de passar o óleo com carinho, por cerca de cinco minutos nessa região. Depois disso, mantenha o óleo aquecido no corpo por mais 15 ou 20 minutos (para isso você pode se vestir ou se cobrir) e depois retire o óleo no banho.

Esse procedimento de oleação é chamado de abhyanga e pode ser considerado uma das melhores ferramentas ayurvédicas para equilibrar o Vata dosha agravado.

Menopausa

A menopausa corresponde à terceira fase da vida da mulher. A primeira vai até a menarca (primeira menstruação) e a segunda é entre esta e a última menstruação.

De acordo com os textos clássicos milenares do Ayurveda, uma pessoa saudável, que se alimenta de maneira adequada, pode viver 100 anos livre de doenças. Considerando que a menopausa ocorre normalmente por volta dos 50 anos, significa que ela marcaria a metade da vida da mulher e não o seu fim.

O problema é que nossa sociedade, que é machista e patriarcal, lida muito mal com o feminino e lida muito mal com a velhice. Cria-se então um ideário de que a menopausa marca a decadência da mulher. A verdade é muito longe disso, mas observe como alienar e estigmatizar podem ser ferramentas poderosas de domínio e de controle.

Pessoalmente, eu entendo que as mulheres deveriam encarar a menopausa como uma fase de transição fisiológica, da mesma forma que a menarca, ou seja, como um processo natural.

É claro que existem sintomas potencialmente patológicos nesse tipo de transição. Provavelmente eles ocorrem porque a pessoa não se cuidou direito em algum momento – não se alimentou bem, dormiu mal, foi sedentária etc.

Mas quando o indivíduo está saudável, as transições hormonais não precisam gerar desequilíbrios graves. É natural que ocorram mudanças no corpo após a menopausa, como a queda da libido, por exemplo. Isso porque, do ponto de vista biológico, a fase de reprodução já passou e a urgência biológica para procriar diminuiu. Mas isso não anula o aspecto prazeroso e até social das interações sexuais.

Uma mulher de 60 anos não tem o mesmo corpo que essa mesma mulher aos 20 anos. Isso é óbvio. O que não parece tão óbvio na nossa sociedade é que essas diferenças não são necessariamente negativas. E mais: o esforço por manter a juventude de forma artificial pode vir acompanhado de um preço caro para a saúde feminina.

Diante disso, por que fazer reposição hormonal, por exemplo? Qual é a doença que se está querendo tratar? Existe de fato um desequilíbrio a ser tratado ou estamos apenas lidando com uma transição natural do corpo feminino que a mulher quer evitar por conta de uma pressão social?

Se existe de fato um problema e o corpo não está produzindo os hormônios que precisa para ser saudável, então a reposição hormonal pode ser um recurso incrível. Porém, acho problemático lançar mão dessa terapia apenas porque o corpo não está mais produzindo os hormônios para suprir uma expectativa que a sociedade tem a respeito do corpo feminino e de sua beleza.

Isso faz tão pouco sentido quanto querer tratar uma adolescente que entrou na menarca para que ela não desenvolva seu ciclo menstrual e para que seu corpo não passe por mudanças… Enfim, não faz sentido reprimir uma transição fisiológica que é natural.

Há muitos casos de pacientes que sofrem com problemas menstruais ou de menopausa e que melhoram com auto-observação e alimentação.

Se você não está cuidando do seu corpo, você precisa começar por aí. O problema não é a menopausa, é a saúde. Então você não precisa se preocupar em tratar a menopausa, mas sim em ser saudável, em cuidar amorosamente de si.

Converse com outras mulheres. Veja como é possível passar por transições fisiológicas de maneira tranquila, seja o ciclo menstrual ou a menopausa. Você pode ser o que você quiser e não necessariamente o que a sociedade ou os outros querem que você seja.

Espero que nossa sociedade possa desenvolver uma atitude mais respeitosa e amorosa em relação ao feminino e toda a sua potência.

Espero ter lhe ajudado com essas dicas.

Um grande abraço e lembre-se sempre: SAÚDE É LIBERDADE!

Veja também: todos os textos da coluna de Matheus Macêdo em Vida Simples.


MATHEUS MACÊDO (@vidaveda_) é o primeiro brasileiro a se formar em medicina na Índia com especialidade em Ayurveda no curso BAMS (Bachelor of Ayurveda, Medicine and Surgery). Viveu na Índia quase 7 anos e de lá criou a Vida Veda, uma empresa social dedicada a divulgar o conhecimento ayurvédico em língua portuguesa. Carioca, percorre o mundo dando palestras sobre Ayurveda e Medicina Integrativa.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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