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Conheça a nova onda de gastronomia chinesa
Hiurich Granja
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Neste artigo:

É inútil tentar descrever esse país: ele pede para ser explicado.

Simone de Beauvoir falando sobre a China, em seu  livro 

A longa Marcha, de 1957.

Já faz um tempo que observo um movimento que parece ter vindo para ficar: a nova aparição do universo gastronômico chinês no ocidente. Se lhe peço para imaginar ou descrever um restaurante chinês e o que vem à sua mente é um lugar simples, com uma gastronomia genérica de pratos asiáticos, uma decoração duvidosa e uma sensação de higiene discreta, sinto muito, mas você pode estar apegado ao passado.

Goste ou não, a China e sua influência chegaram para ficar. Hoje em dia, convivemos com marcas e produtos chineses, cuja qualidade faz tempo que superou o período de cópias falsificadas de péssima qualidade.

Nas rodas de bares, já estão na “boca do povo” elogios a aplicativos e marcas chinesas que, longe de serem uma vergonha, servem atualmente como motivo de orgulho, funcionando como elemento de distinção social, típico de sociedades de consumo. De uma simples cópia, para um momento de criação de tendências, podemos dizer que o “made-in-china” se transfornou em design-by-china, como diz Ronaldo Lemos, um fã da cultura chinesa. 

Gastronomia chinesa

O tema “China” está mesmo em alta, seja nos balanços comerciais dos países, nos noticiários ou na geopolítica, por isso, acostume-se a tê-la mais perto em sua vida. E não estou falando apenas de negócios ou de eletroeletrônicos, mas também de comida

LETREIRO EM AMARELO COM LETRAS EM MADARIM EM EVIDÊNCIA.

Panda Cantina, Lisboa, junho de 2022. Foto: Arquivo pessoal/ André Mafra

Os velhos restaurantes chineses das china-towns das cidades europeias, estadunidenses ou mesmo de algumas capitais brasileiras já estão sendo superados por uma nova onda mais moderna, mais descolada e infinitamente mais autêntica. Pratos típicos como frango-xadrez, rolinho primavera, banana caramelizada e até mesmo o popular yakissoba (um nome claramente japonês que povoa os limitados cardápios chineses) vão dar lugar a muitos novos sabores.

Junto com um fluxo de famílias que imigram para outros países, em um momento histórico bem distinto dos tempos da revolução de 1949 na China, a nova onda traz uma classe social resultante do pujante boom econômico, com muito mais condições e acrescida de uma juventude que começa a empreender no ramo da gastronomia. O fato é que todos ganham com isso. 

Você gosta de panela quente?

Desde minhas viagens à China, descobri uma paixão: o hot pot (em chinês, huǒguō – 火锅), que significa literalmente panela quente. A capital da província de Sichuan, Chengdu, me iniciou na arte de comer um dos pratos mais populares da cozinha local, que tomou toda a China e se espalha pelo mundo.

Chamado pelo infeliz apelido de fondue chinês, o hot pot está chegando com força ao Brasil e um dos maiores restaurantes do tema (que tem o mesmo nome do prato) em nosso país, está no bairro da Liberdade, antigo reduto de múltiplas opções asiáticas. Por lá, serve-se apenas hot pot em um ambiente que, de início, focou na nova comunidade crescente da cidade, mas que cada vez mais apaixona brasileiros.

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Iniciação ao hot pot

Um desavisado entra no restaurante e, se não tiver experiência com o jeito de comer hot pot, é capaz de cometer uma gafe, pedindo um yakissoba ou até um sushi de salmão. Hot pot é uma forma de preparo, algo completamente diferente do que você já comeu. Tem que provar.

A experiência consiste em ter uma panela à sua mesa, com um caldo fervendo – que pode ser de legumes, cogumelos, tomates e/ou carnes – e onde você mesmo pode cozinhar uma infinidade de ingredientes, que vão de ovo de codorna, todo tipo de verduras, tofu, até carne de porco ou siri, entre outros. Mas o segredo está no molho que você pode montar para acompanhar.

No meu caso, um dos preferidos que preparo é com pasta de gergelim, óleo de pimenta sichuan, shoyu, coentro, cebolinha e um toque de vinagre preto. Basta retirar o ingrediente cozido no caldo, mergulhar no molho e deliciar-se com uma explosão de sabores.

O melhor é que se trata de uma atividade muito coletiva, pois todos compartilham uma mesma panela. Há muitas variedades de preparos, desde os mais tradicionais, em que se utiliza carvão para aquecer, até as moderninhas panelas para duas pessoas, embutidas na mesa. Recomendo.     

Conexão Brasil, Portugal e China

Muita gente não se dá conta da estreita relação histórica entre Brasil, Portugal e China. Para surpresa de muitos, Macau, na China, era colônia portuguesa e foi apenas em 1960 que se encerrou o extenso período de ocupação lusitana de mais de 400 anos, inaugurando uma nova fase.

Hoje, Macau é tida como uma Região Administrativa Especial. Como resultado, ao andar por lá com ouvido atento, pode-se ainda perceber o idioma de Camões ecoando em poucas ruelas com nomes portugueses ou, tão inusitado quanto, cruzar com sacerdotes chineses na catedral da Sé da cidade. Mas se os portugueses instalaram-se em Macau no meio do século XVI, hoje temos outro cenário em que a Europa vai receber os sabores da China como nunca na história.

vsta da cidade de Macau com árvores e prédios espalhados. O céu está claro com algumas nuvens

Macau, China. Foto: André Mafra/ Arquivo pessoal/ 2018

Pandas e cantinas

Neste último verão lusitano (2022), tive o prazer de conhecer, com meu amigo Telmo Nave, companheiro de muitas jornadas pelo mundo (inclusive a China), um novo restaurante chinês. Envolto em uma reforma gigante para uma nova escola do DeRose Method na Rua Augusta, centro de Lisboa, Telmo me garantiu que eu e os demais colegas iríamos gostar daquilo que o portal timeout.pt nos diz ser  “um pedaço da região de Sichuan, na China, plantado no centro de Lisboa.” E realmente era. Ao vencer a robusta fila que se forma da rua, entrei e senti um perfume autêntico e naquele momento soube que a experiência seria autêntica. E foi.

imagem de um panda em um teciso branco. ele tem cabeça branca, olhos pretos e orelhas pretas.

Panda Cantina, Lisboa, junho de 2022. Foto: André Mafra/ Arquivo pessoal

Mas afinal, onde se encaixa essa nova onda chinesa?

Ao entrar no Panda Cantina, tive a impressão clara de estar em uma cidade chinesa como Pequim ou Chengdu, em um ambiente moderno e descolado, com música de bom gosto, uma cozinha focada em um só estilo com muito sabor e tendo como prioridade o paladar.    

A experiência é simples e direta: antes de se sentar, você escolhe a opção de noodles, que são caseiros e feitos lá mesmo; podem ser acompanhados de porco, vaca ou tofu. O nível de picância pode ser escolhido, variando de 1 a 5, e este último fator também me mostrou que por lá há autenticidade de verdade e o compromisso é certamente com a origem, e não com a adaptação ao paladar do visitante. 

Para mim, o nível 2 foi suficiente para imaginar que o 5 deve ser algo próximo do que provei na China. Um espetáculo. 

Cabe a você abrir sua cabeça e papilas gustativas para surfar essa nova onda asiática, que vai varrer o ocidente com sabores e estilos gastronômicos que irão mudar sua cabeça quanto ao que é a culinária chinesa. Zàijiàn再见!

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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