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Alguns achados da incrível gastronomia mexicana
Pavan Trikutam
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Em mais uma aventura culinária, tive o prazer de visitar um dos países com maior tradição gastronômica do mundo: o México. Poderiam ser infinitos os artigos focados na gastronomia mexicana, para preencher minhas saborosas colunas e, sem exagero, ficou claro para mim que estudar a fundo a sua riqueza alimentar é tarefa para toda uma vida.

Mas, longe disso, apontarei aqui algumas das pérolas que encontrei em minhas andanças.

Nas calles de Frida

Meu destino no México foi o Estado de Oaxaca, de onde eu já tinha ouvido falar maravilhas. Logo, o local em que ficaria na Ciudad de México, bastante distante de Oaxaca que era o foco dos meus estudos, precisava conversar de alguma forma com a tradição oaxaqueña, por isso, o bairro escolhido foi o charmoso Coyoacán. Em um passado não muito distante, Coyoacán era uma cidade fora da capital, que me lembrou, em um paralelo perigoso, a ligação no Brasil entre a antiga cidade de Santo Amaro e São Paulo. Hoje, Santo Amaro faz parte da capital paulistana, tendo sido absorvida por ela ao longo dos anos, e o mesmo se passou com Coyoacán, que foi engolida pela vigorosa CDMX, abreviação para Ciudad de México.

Foi em Coyoacán que a Frida Kahlo viveu e é nesse bairro que podemos visitar o precioso Museu Frida Kahlo, a charmosa casa azul onde ela e Diego viveram por 25 anos. Sua visita é obrigatória e, para ter êxito na empreitada de conseguir um ingresso (boleto por lá), tome a precaução de comprar antecipadamente, para não ser mais um dos milhares que não conseguem entrar. Após a emocionante visita, meu destino e estômago apontavam para o mercado local.

Fuente de los Coyotes em uma praça no bairro de Coyoacán, Ciudad de México, México, foto do autor

Fuente de los Coyotes em uma praça no bairro de Coyoacán, Ciudad de México, México, foto do autor

Um mercado local é espelho da alma de um povo

Visitar mercados e bazares pelo mundo é minha especialidade, um privilégio que me permite encontrar a mais pura manifestação daquela cultura visitada. Em um mercado não se disfarça, não se maqueia: é nele que exala o perfume, os maus e bons odores e este tipo de visita escancara onde verdadeiramente estamos e como realmente são os seus viventes. Após poucos metros de caminhada, minha intuição ou sorte me levou ao Antojitos Sandy (@antojitos_sandy), localizado em um ponto central, no qual muitas delícias são preparadas com rapidez pelo carismático e competente Christian Popotla, sob a gestão sua simpática esposa Sandra Vásquez.

Por todos os lados, praticamente em qualquer restaurante da Ciudad de México, havia cartazes anunciando um tal de “Festival de chile en nogada”, fato que aguçou minha curiosidade e fome também. O prato era lindo nas fotos e tratava-se de um chile recheado com carnes e frutas, cobertos por um creme de noz e decorados com salsinha e romã. Seu desenho remete à bandeira mexicana e atualmente os festivais ocorrem em setembro, quando se comemora o mês da independência do país. Interessante, não é mesmo?

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Tienda Antojitos Sandy no mercado de Coyoacán, Ciudad de México, México, foto do autor

Tienda Antojitos Sandy no mercado de Coyoacán, Ciudad de México, México, foto do autor

Gastronomia mexicana: bem-vindos ao chile en nogada

Para minha surpresa, Christian não refutou o meu desacreditado pedido em preparar uma versão sem carnes do tradicional chile en nogada: ele agitou aquela apertada cozinha para fazer o prato típico para o TIPMAP (turista-inconveniente-paulistano-mal acostumado-a-adaptar-pratos).

A apresentação estava belíssima, o gorducho chile era pouco picante e pude vê-lo desaparecer no banho de creme de nozes que recebeu, preparado com leite e creme de queijo adoçado com mel de agave e outros segredos. O recheio foi feito com cogumelos, flor de abóbora e o curioso milho huitlacoche que, diferente do milho que conhecemos, sofre a influência de um fungo chamado Ustiligo maydis, dando ao grão um sabor e presença marcantes.

Qual é a história do chile en nogada?

Sandra Vásquez, do Antojitos Sandy do Mercado de Coyoacán, me revelou que os chiles en nogada vieram da antiga cidade de Puebla e, como já mencionei, sua temporada é em setembro, quando se celebram as festas de independência frente aos espanhóis.

Puebla é uma cidade fundada pelos colonizadores, poucos anos depois da ocupação hispânica no século XVI e, como relata o arqueólogo Eduardo Merlo, foi construída para ser um local cujas tradições espanholas fossem vigentes, com pouco ou nenhum espaço para a cultura autóctone. Os primeiros escritos de chiles banhados em creme de noz datam de 1714, segundo o arqueólogo. Assim, o chile en nogada surgiu em um contexto de adaptação da cultura espanhola com uma inevitável influência indígena, mas também com alguns ingredientes vindos da Europa, como a noz ou nuez de castilla (fruto da nogueira), vindo daí o termo nogada em espanhol, além do queijo, do leite e das sementes de romã (granada) vindas do sul da Espanha.

Chile en nogada, mercado de Coyoacán, Ciudad de México, México, foto do autor

Chile en nogada, mercado de Coyoacán, Ciudad de México, México, foto do autor

Já os chiles, que segundo Eduardo Merlo, são originários do México, sofreram alterações, mesclando-se com versões de pimientos ou pimentões espanhóis menos picantes e que retornaram ao México, fazendo sucesso entre os paladares menos tolerantes ao picor, sendo assim rebatizados como tornachile. Atualmente, pode-se prepará-lo com chile poblano, chile de água ou mesmo o nada picante pimentão (chamado pimiento morrón em muitos países da América Central e do Sul, ou pimientos para os espanhóis). O recheio do chile en nogada é levemente doce e, curiosamente, em sua origem tratava-se de uma sobremesa (plato postrero) e não era recheado com carnes, mas sim com uma mistura de frutas frescas e outras desidratadas. Foi apenas após os levantes contra os espanhóis que surgiram as variações com carnes, fato que atenuou meu incômodo em pedir adaptações para chefes apurados em suas cozinhas.

Segundo relatos históricos, quando Puebla foi sitiada pelos rebeldes independentistas, liderados por Agustín Iturbide em agosto de 1821, proliferaram opções do prato fazendo se parecer com as cores da bandeira mexicana. Depois da fuga dos espanhóis, os vitoriosos ocupantes foram recebidos com o tradicional prato de chiles recheados e cobertos com creme de noz, adornados com folha de salsinha e sementes de romã.

Acesse aqui a receita do chile em nogada vegetariana

 

Menos tex-mex e mais gastronomia mexicana tradicional

Infelizmente, o que chega até nós no Brasil, quase sempre, é a adaptação texana da gastronomia mexicana: alguns tacos ou burritos acompanhados de doritos e guacamole.

E já que não temos chile en nogada no Brasil, que tal se aventurar a preparar a sua versão? Eu vou tentar fazer o meu. Depois, conte-me como foi do seu lado. Encara?

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