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    Alienação parental: o que você precisa saber sobre o tema
    Aaron Burden
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    Campanha de difamação. Presença de cenários emprestados. Ausência de culpa sobre a exploração do genitor alienado. Esses são três trechos dos sintomas da Síndrome de Alienação Parental (SAP), descrita pelo médico psiquiatra Richard Gardner na década de 1980. A SAP influenciou debates sobre parentalidade e Direito da Família, especialmente no Brasil, dando origem à Lei 12.318 em 2010, conhecida como Lei da Alienação Parental (LAP).

    Embora a LAP e os conhecimentos sobre a SAP na compreensão de conflitos familiares e domésticos sejam frequentes, especialistas, órgãos institucionais e pesquisadores divergem sobre sua efetividade. Hoje, mesmo após treze anos de aprovação da LAP, há ainda um intenso debate na sociedade que questiona a existência de uma legislação do tipo. 

    Críticos afirmam que a LAP não considera a pluralidade das relações familiares, além de – ao longo dos anos – ter adotado um caráter sexista em processos judiciais. Isso porque, embora a alienação parental não seja crime, entidades internacionais, como a ONU, defendem que há uma utilização indevida em processos judiciais que envolvem a guarda dos filhos.

    O que é alienação parental?

    Os estudos e pesquisas sobre conflitos e relações familiares representam um debate social longo. Autores já apontavam, nas décadas de 1950 e 1960, elementos do que hoje se considera a alienação parental, termo que nasceu no contexto jurídico estadunidense, embora tenha se popularizado com o médico psiquiatra Richard Gardner. 

    Para a mestre em Psicologia Social Camila Pires, a alienação parental vem sendo interpretada na legislação como o ato de “apresentar falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente.” 

    “Segundo Gardner, o genitor alienante programaria os circuitos cerebrais das ideias e atitudes da criança, que ficariam em absoluta dissonância das próprias experiências anteriores da criança”, explica a pesquisadora em sua dissertação de mestrado na Universidade de São Paulo (USP).

    A Síndrome de Alienação Parental (SAP) defendida pelo médico, por outro lado, é contestada por pesquisadores e organizações científicas. Isso porque o estudo não conta com uma revisão por pares, quando outros especialistas avaliam a veracidade de uma teoria. Além disso, a SAP tem pouco respaldo em entidades representativas. 

    “Ela foi rejeitada por associações médicas, psiquiátricas e psicológicas, e em 2020 foi removida da Classificação Internacional de Doenças pela Organização Mundial da Saúde”, explica um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU).

    A alienação parental, como está descrita em lei, mesmo que não gere punições, é acatada em casos e relatos que demonstram a desqualificação da conduta de um genitor. Isso ocorre quando o contato da criança ou do adolescente com este apresentar falsas denúncias relacionadas ao outro genitor. Ou, ainda, em casos em que a mãe ou pai com a guarda do filho realize mudança de domicílio sem aviso prévio. 

    “Já está comprovado por estudos psiquiátricos e psicológicos que as práticas de alienação parental causam consequências psicológicas para a vida adulta do menor. Compromete o livre desenvolvimento do ser humano, fragiliza a segurança e a formação na fase adulta”, explica Luciana Rodrigues Faria, especialista em Direito da Família. 

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    Críticas à Lei de Alienação Parental (LAP)

    Em outro caminho, os demais especialistas criticam a existência de uma legislação que, no Brasil, baseia-se em estudos contestados cientificamente. Um dos pontos é o caráter sexista de Richard Gardner e suas influências sobre a compreensão do tema. “Somente após muitas críticas foi que ele [Gardner] mudou o termo de ‘mãe alienadora’ para ‘genitor alienador’”, explica Luísa Brito, advogada e mestra em Ciências Sociais pela UFRN.

    “Para ele, a mãe ‘plantava’ na criança uma falsa memória de abuso, o que em nenhum momento foi comprovado por especialistas da área, sendo, pois, um argumento pseudocientífico”, lembra a pesquisadora. 

    O psiquiatra passou a sugerir que mulheres eram mais propensas a se tornarem alienadoras após o término de relacionamentos que envolvessem conflitos sobre a guarda dos filhos. E isso tem sido um argumento contra elas.

    Assim, segundo um estudo de Ana Paula Hachich, mestre em Serviço Social e Políticas Públicas pela Unifesp, em 63% dos casos o pai foi o autor de um pedido judicial envolvendo a LAP. Por outro lado, apenas 19% das alegações de alienação parental partiram de mães. O estudo levou em consideração 404 acórdãos dos tribunais da Bahia, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo entre 2010 e 2016. 

    O que diz a Lei 12.318/10?

    Apesar do debate internacional ser majoritariamente contrário ao tema, no Brasil, há um conjunto de profissionais e defensores da alienação parental enquanto instrumento jurídico. Hoje, a SAP, embora não seja citada diretamente, é respaldada por meio da Lei 12.318/10, que judicializa o assunto e trata questões relacionadas a conflitos familiares que envolvem o que o texto chama de “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores”.

    Ainda assim, críticos à legislação atestam que há brechas e questões contextuais importantes que o texto da lei não leva em consideração. “É uma síndrome que inspirou uma lei, e isso é um absurdo por si só. Mesmo como síndrome nos Estados Unidos, a SAP vem sendo questionada. Mas isso não ocorre no Brasil, um país que ainda demoniza as mulheres”, explica o psicanalista Guilherme Facci. 

    Para o especialista, a lei universaliza questões que são psicológicas, sociais e culturais, algo que varia de acordo com cada contexto familiar, social e emocional. “Ele [Richard Gardner] embalou de uma maneira simplista, maniqueísta e criminosa. Há muitas questões ricas que estiveram em consideração, como a alteridade, a diferença e o conflito familiar que gera o debate”, acrescenta Facci. 

    Uma das críticas à Lei de Alienação Parental é que ela tende a simplificar a complexidade dos relacionamentos familiares e corre o risco de não refletir nuances e fatores contextuais que fazem parte do cenário. Pelo menos é o que acredita a psicoterapeuta Helen Mavichian. 

    “A aplicação da legislação pode passar pela influência de fatores subjetivos, como visões pessoais dos profissionais, falta de capacitação adequada ou até mesmo interesses pessoais dos envolvidos no processo”, defende Helen, que é especialista em crianças e adolescentes e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento. 

    O que é necessário para provar alienação parental?

    Para Luciana Rodrigues Faria, especialista em Direito da Família, além das características de comportamento comuns que demonstram haver um caso de alienação parental, é fundamental que isso passe por avaliações de especialistas. “As práticas de alienação parental passam por uma perícia judicial. Além disso, há estudos psicossociais e psicológicos realizados por ordem judicial junto à criança, adolescente e os genitores”, esclarece. 

    Mais recentemente, uma nova lei, n° 14.340/22, modificou regras e atribuições em casos que envolvem a LAP. Segundo Luciana, isso contribuiu para que os casos de comprovação da alienação parental tenham maior eficiência e agilidade no julgamento. Ainda assim, há casos e denúncias de mulheres e coletivos organizados de mães que tiveram a legislação voltada contra si mesmas, o que as levou à perda da guarda dos filhos. 

    “Isso tem resultados catastróficos, tanto para as crianças e adolescentes como para as mulheres vítimas de abuso e violências”, explica Luísa Brito. Para ela, outros mecanismos como terapia familiar, rodas de conversa sobre os papéis de gênero, acompanhamento psicossocial efetivo, educação de qualidade – inclusive educação sexual para crianças e adolescentes – são exemplos de possibilidades mais eficazes.

    Ainda segundo a dissertação de Camila Pires, “as denúncias se centravam na reversão da guarda para pais que estavam em processo de acusação, pelas mães, de abuso sexual e na suspensão parental dessas mães, impedidas de conviverem com os/as filhos/as”. Casos como esse têm gerado angústia, pânico e medo em mães que perderam a guarda das crianças. 

    Nesse sentido, Luciana Faria orienta que o melhor caminho são avaliações médicas, psicológicas e psiquiátricas que possam ser úteis em provas judiciais. Mas, mesmo nestes casos, os trâmites ainda são complexos. “Há um despreparo dos operadores da Justiça na condução das causas envolvendo denúncias de abuso ou maus tratos”, explica Luísa Brito. 

    Organizações se dividem na interpretação da Lei de Alienação Parental (LAP)

    Segundo o relatório da ONU, citado no início da reportagem, os casos de denúncia contra abusos sexuais praticados pelos pais têm sido ignorados. “As mães que fazem tais alegações [de abuso dos pais contra os filhos] têm sido penalizadas pelas autoridades policiais e/ou pelo judiciário responsável por determinar casos de custódia”. O próprio Richard Gardner, que influenciou a construção do texto da Lei de Alienação Parental no Brasil, foi acusado de defender e orientar pais pedófilos

    Para Gardner, a mãe deveria dizer ao adolescente entre 11 e 14 anos, por exemplo, que “olhe, você é totalmente responsável e se não for (verídico o abuso), você poderá ir ao Tribunal e o juiz poderá colocá-lo no centro de detenção juvenil.” O psiquiatra acredita que colocar o adolescente em um centro de detenção pode fazer com que ele pare de acusar falsamente o pai. “Uma tarde, uma semana, pode curar a criança. Estou convencido disso”, afirmou. Essas falas estão documentadas em vídeo durante uma declaração feita pelo médico. 

    Segundo o Conselho Federal de Psicologia, “na LAP ou na SAP não estavam inclusas categorias clínicas no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria (APA), nem na Classificação Internacional de Doenças (CID), situação que perdura até os dias atuais”.

    Para a pesquisa de Camila Pires, a lei não considera “estudos da Psicologia no que tange a aspectos emocionais e psicológicos de crianças e jovens em famílias pós divórcio”.

    Em um sentido diferente, de apoio à LAP, outras organizações médicas e jurídicas da sociedade orientam a aplicação da lei e elaboraram materiais sobre o tema. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por exemplo, tem orientações claras e, inclusive, um manual elaborado sobre alienação parental

    Além disso, outros documentos incluem a Cartilha Alienação Parental, da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (2017), Vidas em Preto e Branco, da OAB/RS (2012) e a Cartilha Divórcio para Pais, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). 

    ONGs e coletivos de mães que apoiam vítimas da LAP

    No Brasil, embora a Lei de Alienação Parental (LAP) ainda esteja em vigor, coletivos e grupos formados por mães se unem para proteger mulheres que perderam a guarda dos filhos. A justificativa é de que ex-companheiros e pais das crianças têm utilizado artifícios falsos ou questionáveis para comprovar casos de SAP por parte das mães. O Instituto Três Marias, por exemplo, presta apoio a mulheres, pessoas LGBTQIAP+ e jovens vítimas de violência.

    Já o Coletivo Mães na Luta é formado por mulheres que passaram ou passam por processos de litígio da guarda, quando apenas um dos genitores toma as decisões acerca da vida dos filhos. O grupo recentemente divulgou uma nota de apoio ao relatório da ONU, citado na reportagem. Além disso, reúne casos, conteúdos com especialistas e denúncias de má aplicação da LAP em situações de conflito familiar.

    Acusada de alienação parental, Jane Silva Luma perdeu a guarda dos filhos para o ex-companheiro, um caso extremo que envolveu o assassinato das crianças pelo genitor. O episódio impulsionou Jane a criar um perfil no Instagram de promoção ao acolhimento de mães em luto por violência doméstica. Desde então, tem relatado casos e debatido a LAP em suas publicações.

     

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