Apesar de você, covid-19…
Não, por favor, não dá para agradecer por algo que trouxe tanta dor e tristeza a tantos; mas ainda há belezas em meio a esta espera de dias melhores!
Logo no início do isolamento, em março, circulou nas redes sociais um vídeo que foi compartilhado à exaustão (e adorado) por muitos e detestado por tantos outros – me incluo aí neste segundo grupo. Com o título “Thank You, Corona” (Obrigado, Corona). As imagens mostravam rios mais limpos, céus menos poluídos, pessoas mais conectadas. Entendo e respeito o ponto de vista de quem só queria focar no copo meio cheio, mas sempre achei ofensivo agradecer a um vírus que trouxe (e segue trazendo) tanta dor, tanta tristeza, tantas dificuldades em todo o mundo. Dito isso, é de certa forma reconfortante ver como – não por causa dele e sim apesar dele – tantos estão se reinventando e renascendo mais fortes e mais preparados para o futuro novo normal.
Autossuficiência coletiva
Os limites estão sendo ultrapassados. Aquele que mal sabia usar internet hoje dá aulas via Zoom; médicos que sempre foram analógicos passaram a fazer lives no Instagram para nos trazer informações de qualidade; produtores que nunca cogitaram um e-commerce mudaram seus balcões para as janelinhas do Whatsapp. O apoio ao pequeno negócio entrou em pauta e (quase) todo mundo passou a questionar suas formas de consumo. A reinvenção da autossuficiência é mérito de quem se reinventou, claro, mas há também um bonito apoio mútuo entre os que sabem mais e os que sabem menos. Nunca houve tanta gente disposta a ensinar, a compartilhar conteúdo e aprendizados.
O novo êxodo urbano
Durante décadas, famílias se estabeleciam na rotina aceleradas das grandes cidades, sem nem mesmo parar para questionar se aquela realidade era a que mais fazia sentido para si. Pós-pandemia, há cada vez mais pessoas deixando para trás os centros urbanos e os velhos hábitos em busca de mais qualidade de vida. Acontece em São Paulo, acontece em Nova York – é alto o número de moradores que saíram de Manhattan para passar a quarentena no interior e não pretendem mais voltar. No Brasil, matérias dão conta de que muitos dos que perderam os empregos na capital paulista voltaram para suas cidades para trabalhar no campo – ideia diretamente ligada ao aumento do consumo de comida de verdade, um tréplica à alta dos industrializados das últimas décadas. Sim, há um caminho de retorno às origens. De casa, de comida, de hábitos.
A habilidade do desconforto
A quarentena trouxe verdades à tona. A principal delas? Estar bem internamente é o que nos permite lidar com os desconfortos. Com a saúde mental cada vez mais em alta, tem crescido a força da meditação e a demanda por conteúdos e produtos ligados ao autoconhecimento. Mesmo pessoas que nunca tinham cogitado estes universos começaram a praticar yoga e a estudar alimentação. O autocuidado integral corpo-mente-alma é um caminho sem volta depois de um ano em que saúde foi pauta oficial.
Exercício de empatia e não-julgamento
Quase todo mundo começou a quarentena em um clima meio Fla x Flu: quem respeitava o isolamento atacava os que saíam e os que precisavam trabalhar duelavam com os que pregavam o “fique em casa”. Claro que ainda há brigas e desentendimentos, mas cada vez mais as pessoas começam a entender que todos temos realidades, possibilidades e crenças distintas. Ninguém convence ninguém no grito, ao contrário. Quanto mais praticamos o não-julgamento e a empatia ao diferente, mais crescemos como pessoas e como comunidade.
“Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”, diz o refrão da famosa música de Chico Buarque que sempre vem a minha mente quando penso nestes últimos quatro meses. Nem todo mundo vai sair melhor desta pandemia, mas a reinvenção a fórceps pela qual estamos passando com certeza abrirá novos horizontes e novas possibilidades.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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