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Ter tempo para não fazer nada é revolucionário
Foto: Toa Heftiba
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Sempre (ou quase sempre) em que eu a atento, ela me pergunta, do outro lado da linha: “O que você está fazendo?”. Minha mãe é dessas pessoas que nunca param. Às vezes, eu estou sem fazer nada, mas conto uma mentirinha e digo que acabei de lavar uma louça ou varri a casa. Minha mãe é de uma geração de mulheres que estavam sempre prontas e disponíveis a cuidar da casa, da família, das refeições e a manter tudo em ordem e funcionando. Desfrutar de um tempo de descanso tinha outro nome: preguiça ou perda de tempo. 

Hoje, penso que a minha geração continua se ocupando, mas com uma nova roupagem. Estamos sempre “fazendo alguma coisa”. E até o tempo de descanso precisa ser preenchido de forma que tenha parecido útil: seja maratonando uma série, lendo um livro ou preenchendo as horas com uma lista de afazeres que nos torna escravos da “produtividade”. Nada contra livros, filmes e outras tarefas que eu igualmente adoro e faço. O ponto é o desconforto que toma cada um de nós quando sentimos que não estamos “aproveitando” o tempo, como se descanso fosse desperdício. 

Viver para além da produtividade

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han definiu bem esse comportamento no seu livro A Sociedade do Cansaço. Para ele, nós nos tornamos escravos de nós mesmos, sempre em busca de resultados. As consequências disso, ele diz, são autoexploração e aumento de transtornos como depressão, burnout, ansiedade e distúrbios de atenção. E tudo isso me é bem familiar.

Ler o que Han escreve me traz um certo alento e uma autorização para existir de outra maneira. Também gosto das ideias do indígena brasileiro Ailton Krenak, que diz algo parecido. Para ele, nossa sociedade mede o valor da existência humana com base na produtividade e no lucro. No livro A Vida Não É Útil, ele abre nosso olhar para vermos que a vida tem valor em si mesma, sem utilitarismos. Hoje, somos quase um “faço, logo existo”. 

Te contei tudo isso porque estive de folga nessa última semana. E tentei me comprometer com o exercício de não tornar esse tempo “útil” para além do descanso em si. Como jornalista, me autorizei a ficar um pouco “desinformada”, sem dar conta de sites de notícias. Mantive o despertador de lado e acordei quando o corpo estava pronto – ou quando meu filho de 6 anos pulou na minha cama. Percebi, em vários momentos, o meu desconforto em não tornar esse tempo produtivo – e me contive para não fazer uma lista de pendências que eu queria resolver. Não vou dizer que é fácil, mas é um bom exercício para ganhar mais consciência de como estamos no mundo. 

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Separe um tempo para não fazer nada

Han e Krenak dizem que alguns dos antídotos para esse nosso modus operandi é a contemplação, o ócio e o encantamento. Daí, de forma despretensiosa, observei mais o meu corpo e a natureza. Reparei que perto da hora do almoço, as nuvens começavam a ficar carregadas e o vento fazia o prenúncio da chuva vespertina. Bebi mais água (e fiz mais xixi). Vi que as bochechas do meu filho agora estão menores, porque ele está crescendo. A orquídea que ganhei do meu marido há alguns meses está florindo novamente – e notei cada flor desabrochar. Fiz uma sesta depois do almoço e cochilei escutando Gilberto Gil. (“O melhor lugar do mundo é aqui, e agora”). Observei Ben e meu enteado, Antônio, brincarem de lego e dinossauros. E sorri. Nada demais aconteceu, mas aconteceu tudo o que eu precisava. 

Sei que na rotina cotidiana e cheia de afazeres é difícil se permitir tempos assim. Mas encontrar brechas de respiro é romper com uma lógica de um eterno check list, que leva de nós a graça que é apenas viver e estar no mundo de vez em quando. Assim, talvez da próxima vez em que a minha mãe me ligar eu possa responder: “Não estou fazendo nada”. E isso é tudo. 

Uma ótima semana para você!

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Conteúdo publicado originalmente na newsletter da Vida Simples. Cadastre-se para receber semanalmente em seu email a newsletter Simplesmente Vida, com cartas exclusivas de Débora Zanelato, diretora de conteúdo de Vida Simples.

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