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O que o autoconhecimento pode, de fato, te oferecer?
Aceitar que somos imperfeitos é um passo importante na busca pelo autoconhecimento e para a transformação do que, de fato, queremos transformar (Foto: Grace Madeline/Unsplash)
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Querido leitor sem tempo, por que você se ocupa com o autoconhecimento? A resposta pode parecer óbvia: você deseja aprender mais sobre si mesmo. Mas, para que exatamente você quer esse conhecimento?

Se for como a maioria dos seres humanos, sua resposta talvez seja o desejo de mudar, melhorar, se transformar em uma versão melhor do que você é hoje. O autoconhecimento, afinal, é frequentemente motivado pelo desejo de evoluir.

Mas permita-me fazer uma pergunta mais profunda: por que você deseja evoluir?

Se tivéssemos a oportunidade de conversar sobre isso, talvez você me dissesse que, no fundo, não está satisfeito com quem é agora — ou, pelo menos, com a forma como age, pensa ou sente.

Esse desejo de transformação, muitas vezes, parte de uma premissa fundamental: a crença de que algo em você está errado, inacabado, incompleto, e que precisa ser corrigido.

Acreditamos que existe uma versão melhor de nós mesmos em algum lugar, e que só nos sentiremos verdadeiramente satisfeitos quando nos transformarmos nessa versão idealizada.

Para isso, parece necessário superar defeitos, lidar com gatilhos emocionais, conseguir ser o seu melhor em todas as áreas da sua vida. Também parar de se preocupar com coisas triviais e, claro, alcançar uma serenidade quase inabalável diante da vida. Afinal, são esses aspectos que nos fazem sentir insatisfeitos, certo?

Mas, considere por um momento, uma outra hipótese. E se o problema real não for que você — ou sua mente — sejam limitados?

E se o verdadeiro problema, e aqui espero convencê-lo, for que vivemos sob a ilusão de que podemos enfrentar todos os desafios que nos são impostos?

A crença insidiosa que abala a busca pelo autoconhecimento

A sabedoria convencional nos incita a acreditar que a mente humana possui capacidades quase infinitas, que mal começamos a explorar. A literatura está repleta de exemplos que exaltam a mente como uma ferramenta quase mágica, capaz de feitos impressionantes, desde desvendar os mistérios do universo até moldar realidades à nossa vontade.

E esta ideia não é nova. William James, conhecido como fundador da psicologia, escreveu em 1907 sobre o “poder oculto” da mente, sugerindo que usamos apenas uma fração de nosso potencial mental.

Mas, por mais atraente que essa visão possa ser, ela negligencia uma verdade fundamental tão desagradável quanto libertadora: a mente humana é, na verdade, profundamente limitada. E talvez seja hora de encararmos essa limitação com a seriedade que ela merece.

O problema com a busca por uma versão idealizada de si mesmo é que ela se baseia em uma ideia insidiosa: a de que você ainda não é bom o suficiente.

Essa ideia carrega duas suposições. A primeira, desconfortável, é que você está deixando a desejar. A segunda, expressa pela pequena palavra ainda, traz a promessa de que você pode chegar lá, desde que se esforce o bastante.

E por mais que seja desconfortável pensar que você ainda não é bom o suficiente, esta é uma crença sedutora, pois carrega a ilusão de controle.

Afinal, se você se aplicar os 7 passos para o que quer que seja que te faça infeliz, poderá deixar de sentir esta insatisfação a cada vez que se depara com aquilo que você não aceita em si.

A armadilha da idealização é a falsa sensação de controle que ela oferece.

Idealização e autodepreciação: dois lados da mesma moeda

Que fique claro que não estou propondo que seja impossível evoluir. O ponto aqui é que precisamos ter objetivos realistas, coerentes com o que é de fato possível mudar, para não adoecermos na busca pelo inalcançável.

O problema de acreditar na potencialidade infinita da mente é que, mais cedo ou mais tarde, a realidade vai bater à sua porta.

Independente do quanto você evolua, eventualmente, vai ser ver preso em ciclos de procrastinação, dominado pela ansiedade, ou consumido pelo arrependimento por ter reagido inadequadamente em uma reunião de feedback.

E se você chegar nesta situação acreditando que é possível nunca cometer erros, afinal a mente é maravilhosa, concluirá que o problema é: você.

E então procurará evidências que justifiquem aquilo que você já decidiu. Concluirá que a sua insuficiência é consequência de defeitos importantes.

Afinal, às vezes você pode ser negativo, outras vezes reativo, e até autocentrado. E assim, iniciará um ciclo interminável de autorrecriminação, seguido pela ilusão de que, com esforço suficiente, conseguirá superar a sua natureza.

Afinal, aprendemos que “errar uma vez é humano, mas persistir no erro é burrice”. Até que, inevitavelmente, erramos de novo.

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O autoconhecimento depende da aceitação da imperfeição

Estou dizendo que se decepcionar com a realidade imperfeita é inevitável. E essa decepção seria menos frequente e dolorosa se entendêssemos a realidade como ela é.

Deixar de lado a fantasia de que um mundo perfeito exista, ou de que seja possível nunca prejudicar quem você ama, nunca falhar em uma dieta, nunca errar com os filhos, eliminar todas as crenças limitantes ou transcender a natureza humana. Rale o quanto quiser, você nunca deixará de ser imperfeito. E quando você errar, você vai se sentir decepcionado.

A decepção muitas vezes é o ponto de partida para mudanças significativas. Mas a capacidade de evolução depende de como você interpreta este sentimento.

Se você interpretar o desconforto como um sinal de que você é inferior e portanto inadequado, pode externalizar a culpa ou se chicotear até que a vergonha o paralise.

É isto o que fazemos quando, envergonhados da nossa agressividade, culpamos a desobediência da criança pelo nosso grito.

Outras vezes, é porque consideramos nossos defeitos inaceitáveis, que nos castigamos com um diálogo interno que mina a autoconfiança que precisamos para dar a volta por cima.

Por outro lado, se você aceitar que nunca será perfeito, e que errará de formas vergonhosas, às vezes, você poderá estender a mão para si mesmo e se ajudar levantar.

Afinal, se a intenção é realmente se levantar, melhorar e evoluir, não faz sentido destruir a sua autoconfiança no processo.

Fazendo as pazes consigo

O que não gostamos em nós são frequentemente defesas que erguemos para nos proteger quando nos sentimos ameaçados. Por exemplo, o perfeccionismo pode ser uma tentativa de ser admirado, de ganhar valor social. A agressividade pode ser uma tentativa de autoproteção. A ansiedade pode ser uma tentativa de controlar aquilo que é importante para você.

Para começar a desarmar estas defesas, é preciso primeiro cuidar deste sentimento de medo, seja o medo de não ser bom o suficiente, de não dar conta de tudo, de que as coisas saiam do trilho, de perder o valor social. Ou seja, para minimizar estas defesas é necessário encontrar um espaço seguro dentro de si.

A segurança interna é resultado da compreensão de que existem muitas imperfeições em você, mas elas não estão ali porque você é inadequado ou inferior, mas porque você é humano, como todos os outros.

Quando você aceita que o desconforto faz parte da jornada, independentemente do quanto tenha avançado, abre-se um espaço de acolhimento interno. E, ao aceitar suas falhas, paradoxalmente surge a autoconfiança que você precisa para evoluir.

Só assim você começar a melhorar o que pode ser melhorado, a transcender o que pode ser transcendido. É dessa forma que começamos a transformar os gatilhos que nos aprisionam, mesmo que talvez nunca completamente.

O autoconhecimento é uma jornada

Portanto, o caminho mais sensato é fazer as pazes consigo mesmo, reconhecendo o esforço de lidar com essa ferramenta extraordinária, mas profundamente imperfeita, que é a sua mente. E para isso, o autoconhecimento pode ajudar.

Quando você entende como funcionam o nossos comportamentos, pensamentos e emoções, você percebe quão absurdo é idealizar a capacidade de transcender completamente as limitações que fazem parte do seu próprio design.

A partir deste ponto, o autoconhecimento se torna uma jornada capaz de te ajudar em três grandes conquistas: a sabedoria para distinguir o que você pode e o que não pode mudar, a coragem para modificar aquilo que pode, e a serenidade para aceitar o que não está sob seu controle.

O autoconhecimento pode ser uma longa e bela jornada rumo à serenidade, coragem e sabedoria.

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