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Mulher, você tem permissão para sentir raiva
Assim como todos os sentimentos, a raiva deve ser sentida e entendida (Foto: David Knox / Unsplash)
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Veja bem, eu não disse, chateada, irritada, eu disse: raiva. É isso mesmo que você ouviu. RAI-VA, com letras maiúsculas.

Apesar das emoções não terem idade, algumas delas ainda parecem ter gênero. Enquanto que o medo costuma caber melhor às donzelas e não aos cavalheiros, a raiva é mais frequentemente aceita vinda dos rapazes. Aliás, uma boa dose de raiva em um homem, é sinônimo de força, poder, liderança ou coragem.

Já em uma mulher, a raiva é interpretada como sinal de destempero, histeria e desequilíbrio. Quem nunca ouviu frases como: você está fora de si, com TPM, você é maluca ou desequilibrada. Frases que minimizam e invalidam a emoção sentida, deixando aquela que sente com a sensação de que agiu de forma descabida, inapropriada ou desmedida.

E quando alguém desqualifica uma emoção, não há espaço para percebê-la, elaborá-la ou entendê-la. Só resta, então, a descompensada, com a sua loucura. Loucura que se deve isolar.

Por isso, uma mulher com raiva é frequentemente ignorada ou deixada falando sozinha. “Você não está em condições, precisa se acalmar ou recompor”, vão dizer.

Não há palco ou plateia para ela, mesmo que sua fala esteja coberta de razão e carregada de sentido. E mesmo que o interlocutor permaneça à sua frente, é mais provável que fique para criticar o comportamento exaltado, do que para tentar entender o motivo de tamanha indignação. “Eu não vou falar com você assim”, dizem os guardiões das boas maneiras.

É impossível ignorar a raiva

Enquanto que um discurso mais inflamado em alguns é visto como símbolo de ímpeto e força positiva, em algumas é visto como descontrole. Descontrolada, por melhor dizer.

Mas, então, o que fazemos? Fingimos que não a sentimos? Ou a mastigamos e engolimos?

Nenhuma coisa, nem outra.

Toda emoção tem uma função. Portanto, toda emoção é benéfica e precisa ser sentida. Mesmo que sejam o arrependimento, a vergonha e a tristeza. Todas elas carregam uma mensagem que precisa ser entregue, mesmo que o conteúdo não seja tão bonito assim.

Não dá para ignorar ou abafar a raiva, sob o pretexto de abafar a própria vida. Há muita coisa fora do lugar nesse mundo e ao se indignar, nos mantemos combativas e despertas.

A raiva pequena e a raiva grande

Mas vamos colocar os pingos nos is. Este texto não é um manifesto a favor de qualquer raiva. Não é uma autorização para se espernear quando as coisas não acontecem da forma como a gente quer. Não é uma licença para se jogar no chão, gritar ou esmurrar a mesa.

Aliás, a raiva não pode ser uma justificativa para sermos pessoas mal-educadas ou mimadas. Essa é a raiva pequena. Aquela que transborda quando estamos frustrados, quando queremos impor a nossa vontade ou controlar os outros e acontecimentos.

Aquela que espalha brasa para tudo o que é lado e não carrega em si, nada de nobre. Trata-se apenas de uma conturbação sem um bom motivo. É aquela que ofende, agride, amedronta, constrange. É aquela que é a expressão da força-frágil. Do poder-pequeno, do drama sem nenhum enredo.

Já a raiva grande, é aquela que que constrói. Que diz um basta às injustiças, que impõe limites, que recupera a dignidade, que nos tira da zona de conforto. Uma raiva, portanto, que nos confronta com a nossa pequenez e que dói uma dor tão doída, que transforma o mundo e a nós.

Essa é a raiva necessária e que não devemos abrir mão. Uma raiva que incendeia uma situação que não pode mais ser mantida e que precisa ser modificada. Assim, como o fogo ilumina e transforma os elementos, a boa raiva também o faz.

Dessa forma, ela é a centelha que carrega uma força potente que motiva o fim das injustiças de toda a sorte, das relações abusivas, dos preconceitos, da opressão e da covardia.

Ah, santa raiva. Que bom que você existe. Quão necessária você é. Prima do instinto de preservação, irmã da justiça. Sem a sua quentura, não tínhamos lutado e conquistado tanta coisa.

O princípio e o fim da raiva

Que alívio! Então, temos permissão para sentir a raiva grande! Sim, temos. Mas, mas do que sentir, temos que usar. Saber usá-la. A raiva sentida, sem ação, vira mágoa, ressentimento e amargor.

Se não a usarmos no tempo certo, na medida certa, ela queima e destrói. O fogo pode iluminar, aquecer, cozinhar, esterilizar. Mas em demasia traz escuridão e devastação.

A raiva que chega pode servir de faísca para nos colocarmos em movimento, para expandir e crescer. Para sair de um lugar ruim e ir ao encontro de um lugar melhor. Isso porque ela traz consigo a energia de início, de start, da saída da inércia, de movimento.

Por outro lado, a raiva que permanece, que se estica, se cultiva e se enraíza, carboniza, deixando rastros cinzentos que te nos aprisionam e matam.

Por isso, a raiva precisa ser rapidamente canalizada, como uma energia que tem tempo certo para ser transformada em uma boa ação.

Aprendendo a diferenciar as duas

Saber distinguir a raiva grande da pequena nos ajuda a perceber se estamos abrindo a porta do céu ou do inferno. Enquanto que a primeira é uma emoção ativadora que nos impulsiona, que nos motiva, envolve e não nos deixa recuar, a segunda é uma emoção corrosiva, que nos aprisiona e impede de avançar.

Uma forma simples de diferenciar as duas é verificar os quatro aspectos de sua natureza:

  • Origem: minha raiva é fruto de um ataque pessoal ao meu ego ou é o um grito da minha alma e essência? De onde ela vem? É da princesa e do reizinho que acham que podem tudo ou do sábio que realmente sabe?
  • Extensão: a irritação que sinto refere-se apenas a mim e aos meus ou também é um grito que procura defender e proteger muitos outros? Minha frustração está aqui por que não fui aceito no emprego que queria ou porque ainda há trabalho escravo no mundo?
  • Impacto: minha indignação vai transformar positivamente minha vida e dos outros ou vai apenas me colocar em um lugar de reclamação, birra, conflito inócuo e vitimização?
  • Sentimento associado: com raiva, sinto-me capaz de transformar, determinado e corajoso ou com sede de vingança, explosivo, calculista e intoxicado?
  • Rastro: se eu fizer o que gostaria motivada(o) pela raiva, vou sentir orgulho ou vergonha? Que tipo de rastro minha emoção vai deixar?

Então, se ao observar esses pontos e perceber que sua raiva é do tipo grande, vá lá e enfrente o mundo, em muitos casos, também você. Além disso, não é raro nossos maiores algozes estarem dentro da gente.

Dessa forma, seja um bom guerreiro e quando perceber que a janela da raiva grande cessou, embainhe a sua espada e cesse o conflito. Acabe com a hostilidade e restaure a paz.

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