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O que aprendi em um retiro de danças circulares?
Arquivo pessoal/ Juliana Reis
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Eu costumava desconfiar de que rir durante a turbulência pudesse resolver alguma coisa. Mas acredite ou não, foi exatamente o que aconteceu na minha última viagem. Passei por Israel, Grécia, Turquia, Espanha, Escócia, Letônia, Inglaterra, Havaí e países andinos. Foi uma jornada mágica que mexeu com as minhas ideias, me ensinando um bocado de coisas valiosas.

Nossa pequena equipe de sete viajantes, com idades e origens distintas, embarcou nessa aventura conduzida por uma guia experiente em equilibrar nossos ritmos individuais. Era algo super importante para garantir o sucesso da viagem.

No início, cada uma de nós estava seguindo o próprio ritmo, o que causava um desequilíbrio no grupo. Eu, pensando ser esperta e experiente, ficava frustrada com as apressadinhas, as lentas, as atrapalhadas também… Mas, em um momento, acabei me enrolando e fiquei para trás.

Em outro, me adiantei e precisei esperar. Tentando não cometer mais erros, acabei tropeçando. Alguém riu da minha falta de jeito. A risada contagiante se espalhou. Os sorrisos compassivos também. E foi aí que a viagem começou a ficar legal, porque a gente percebeu que se alguém saísse do compasso, era só continuar e se sincronizar de novo com as outras viajantes. Sem brigas, sem dramas, de mãos dadas e rindo, encontramos a harmonia no caminho.

Durante o trajeto, notamos que o problema não era cometer erros, mas sim julgá-los. Rir deles virou quebra-gelo, dissipando as tensões. E, assim como dizem, “as abóboras se ajeitam com o andar da carruagem“, nosso grupo viajante se ajeitou. E uma dança começou.

Guiadas pelos sons dos tambores, gaitas, palmas e cânticos em diferentes línguas, viajamos em círculos, imersas em um retiro de danças circulares sagradas.

Uma viagem sagrada

Nossa guia nessa incrível jornada foi a brasileira Cibele de Fátima Yacy, professora dedicada a conduzir danças circulares tanto no Brasil como em peregrinações por locais sagrados no exterior.

Cibele carrega o título de Líder Certificada em Danças da Paz Universal (veja abaixo) e descobriu as danças circulares sagradas no final dos anos 1990, quando o movimento já estava em pleno crescimento. Nessa época, várias pessoas de diferentes países, influenciadas por esse movimento, começaram a trazer as danças tradicionais de suas culturas para encontros no Brasil, o que contribuiu para a formação de um vasto repertório por aqui. Danças dos povos originários do Brasil e africanas também foram sendo incorporadas numa rica compilação.

Esse movimento das danças circulares tem origem nos passos do mestre alemão de balé, Bernhard Wosien (1908-1986), que, durante as décadas de 50 e 60, embarcou em uma jornada ao redor do mundo, coletando e resgatando danças de diversas tradições.

Inicialmente, Wosien as chamou de danças sagradas, reconhecendo o poder transformador de dançar em círculo. É que elas proporcionam não apenas um encontro consigo mesmo — por meio de movimentos harmoniosos e ritmados que induzem um estado de meditação ativa — mas também uma experiência em grupo não competitiva, onde todos são igualmente valorizados.

Uma mulher de pele branca, usando blusa branca e cabelos brancos sorri para a câmera.

Guia Cibele de Fátima Yacy, professora e formadora em Danças Circulares Sagradas. Foto: Divulgada

Corpo em movimento

Foi na comunidade escocesa de Findhorn, uma das pioneiras e mais significativas ecovilas do mundo, que Wosien ensinou as primeiras danças que havia pesquisado. Era 1976. Dali elas se propagaram pelo planeta com o nome de Danças Circulares Sagradas.

“O sagrado aqui não se trata de algo religioso”, afirma Cibele, enquanto começa a nos ensinar os passos da dança Jina Jina, proveniente de um povo andino. “Essas danças são sagradas porque celebram tudo o que dá sentido à vida: o nascimento de uma criança, a passagem de alguém para além deste plano, os ciclos da natureza e até mesmo nossa rotina diária“, explica Cibele, enfatizando a conexão profunda e a reverência à vida presente nessa atividade.

Wosien foi ainda mais longe sugerindo que, quando uma dança em roda começa, campos energéticos se movem trazendo uma vibração positiva ao ambiente. De fato, em seus estudos, ele se deparou com a visão dos celtas sobre o tema: na tradição e na crença desse povo antigo, o movimento era uma expressão divina, e a proximidade dos participantes durante uma dança de roda impedia energias negativas de se aproximarem e adentrarem.

mulheres se organizam em círculo para uma dança sagrada.

Foto: Arquivo pessoal/ Juliana Reis

Um roteiro dançante pelo mundo

Nossa jornada pelo mundo começou com a dança dos povos andinos e sua paixão pela terra. No percurso, descobrimos que muitas das danças circulares sagradas trazem elementos simbólicos de cada cultura com ensinamentos profundos.

Em Israel nos encantamos com uma dança que une crianças e adultos, e é ideal para a inclusão de pessoas com deficiência ou neurodivergentes.

Numa dança da Grécia, observamos que os anciãos mantêm o padrão da roda, enquanto gradualmente abrem espaço para os mais jovens até deixarem entrar as crianças, que se divertem ao errar e aprender os passos. Essa experiência nos fez compreender a importância de abraçar o novo com a alegria de uma criança, acreditando que tudo dará certo, sem julgamentos. A dança circular se tornou nossa própria viagem.

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Ensinamentos das danças circulares

Enquanto uma dança africana celebrava o espírito de confraternização, outra dança movida por uma oração havaiana trazia a mensagem do perdão. A dança celta destinada a mulheres jovens, simbolizava a entrega às preocupações da vida adulta no movimento de elevar os braços. E nossa guia Cibele lembrou bem que ao dançarmos uma tradição, mergulhamos na cultura de um povo e desenvolvemos respeito por ela.

Ao atravessarmos países dançando, acabamos elegendo a experiência na Letônia como a nossa favorita. Lá, nos entregamos à dança Ozoliņi — Carvalho, em português — , em que os passos imitavam os movimentos dessa árvore que é um poderoso símbolo de força moral, resistência, sabedoria e longevidade na cultura dos países bálticos.

Conforme entregamos o corpo aos movimentos ritmados, os pensamentos desapareciam no transe proporcionando uma sensação de plenitude e liberdade mental. Entrávamos em meditação ativa.

mulheres dançam em círculo em um ambiente aberto em uma casa.

Foto: Arquivo pessoal/ Juliana Reis

O centro e a roda: metáfora poderosa

O centro da dança circular — sinalizado por algum objeto, como uma vela, flor, pedra ou cristal — é uma metáfora poderosa que nos ajuda a encontrar equilíbrio: é o ponto de referência, uma origem comum que nos une como grupo.

Assim como na roda de dança, na vida também podemos buscar esse ponto de referência interno para nos realinhar, encontrar estabilidade e recuperar a harmonia. É um lembrete de que sempre podemos encontrar nosso caminho de volta ao jogo.

Já a roda em si, composta por pessoas com ritmos e histórias diferentes, representa a diversidade. Durante a dança, ora incluímos os outros, ora somos incluídos por eles. É incrível como a harmonia da roda afetada pelo passo errado de alguém é rapidamente ajustada pelos colegas de dança: com os passos certos eles dissolvem o erro e a roda volta a girar em perfeita sincronia. Essa lição profunda nos mostra que quando alguém do grupo não está bem, todo mundo é afetado.

É um lembrete de como nós estamos todos conectados e de como o bem-estar de cada um influencia o coletivo.

Danças circulares

O final dessa viagem introspectiva não foi um lugar, mas um tempo diferente: um baile celta em círculos, embalado pelas melodias do brasileiro Carlos Simas, multi-instrumentista e pesquisador de música céltica, nórdica e medieval e da dupla Awallonia, que apresenta música tradicional das regiões dos descendentes dos celtas Irlanda, Galícia e Bretanha Francesa.

Enquanto nos despedíamos dançando, nossa guia já estava pronta para novas aventuras no exterior, liderando danças sem medo de não ser entendida. É porque a linguagem das danças circulares é universal e vai além das barreiras linguísticas. Não importa onde estejamos, sempre podemos nos juntar a uma dança circular.

Dança circular da paz universal: mantras, orações e movimento

Na mesma época em que Bernhard Wosien deu início ao movimento das danças circulares sagradas, nos Estados Unidos um ativista da paz chamado Samuel Lewis, com profundo conhecimento das tradições indianas e do Oriente Médio, trouxe a ideia de transformar em canto e dança palavras sagradas, como mantras e orações, de diversas tradições.

Assim, nasceu o movimento das Danças da Paz Universal. Daí surgiu o Pai Nosso em passos de dança, entoado em aramaico, língua possivelmente falada por Jesus Cristo. Em um círculo de Danças da Paz Universal, músicos se posicionam no centro com seus instrumentos. O grupo começa a dançar ao redor deles, entoando as palavras sagradas, guiados por um líder certificado nessa prática.

A proposta é que, ao “dançar a oração”, as palavras ressoem em cada célula dos participantes, possibilitando que eles não apenas mentalizem os versos, mas os sintam verdadeiramente. O resultado é uma poderosa energia de amor e harmonia que se espalha pelo ambiente.

Participar de uma roda de danças da paz universal pode proporcionar uma experiência de presença e comunhão, permitindo que se transcenda barreiras culturais e tradições espirituais diferentes.

Seis coisas que você pode aprender com danças circulares

1. Resgatar a coragem de criança

Muitos de nós perdemos a coragem natural de criança ao longo do caminho para a vida adulta, mas numa roda de dança ganhamos a chance de resgatar o espírito brincalhão que não se deixa parar pelo que é novo ou desconhecido.

2. Que errar não é o problema, mas julgar o erro sim

O erro não é o problema, mas sim o duro julgamento que fazemos dele e de quem erra. Por isso, a dança circular nos ensina a deixar de lado o julgamento e abraçar a mentalidade de aprendizagem, onde os erros são apenas parte do processo.

3. Que rir de si mesmo ou do erro é uma delícia

Na dança circular, descobrimos que o riso diante dos erros é uma fonte de prazer e conexão. Além disso, ao abraçar a capacidade de rir de si mesmo, a pessoa começa a se libertar do perfeccionismo. O riso ajuda a desarmar barreiras internas, dissipar tensões e a nos conectar uns aos outros de um jeito gostoso.

4. O poder transformador da inclusão

Na dança circular, embarcamos em uma jornada de movimento, ritmo e conexão. Nesse contexto, é inevitável que, em algum momento, erremos os passos ou testemunhemos os erros dos outros. Mas o legal é que na roda não há espaço para julgamento ou crítica. É como se a gente aprendesse a se colocar no lugar do outro e a entender que errar faz parte. Quando a roda dá certo, percebemos como acolher e encorajar alguém que está com dificuldades pode levar a resultados incríveis.

5. Encontrar um equilíbrio entre o respeito e a expressão de alegria

Muitas vezes somos levados a acreditar que as práticas sagradas devem ser conduzidas com seriedade absoluta, sem espaço para a alegria e a leveza. No entanto, essa noção limitada pode nos afastar da verdadeira essência dessas práticas e nos privar de experiências enriquecedoras. Ao permitir que a alegria se manifeste, abrimos espaço para uma conexão profunda com o sagrado e com nós mesmos.

6. Reconhecer a importância de cada indivíduo e como isso afeta o todo

Cada pessoa tem um papel importante para o círculo continuar se movendo e dançando. E isso nos ensina que cada indivíduo faz diferença no sistema do qual faz parte. Ou seja, quando um não está bem, o todo ainda não está bem.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.


Terapias integrativas e o SUS: as Danças Circulares Sagradas estão inseridas nas Práticas Integrativas e Complementares do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo incentivadas e reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

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