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Empreendedorismo Feminino: união e luta por espaço
Christina | Unsplash
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Desde os 15 anos de idade Alessa Germano trabalha na área de beleza e cosméticos, primeiro de forma experimental, ainda quando morava na casa de mãe, depois atuando profissionalmente a partir de 2017 em salões de beleza na cidade de Hortolândia, interior do estado de São Paulo. Por ser uma mulher trans, a jovem, hoje com 27 anos, passou por inúmeros preconceitos nos muitos lugares onde trabalhou, até que decidiu montar e administrar o próprio negócio.

Além dos desafios relacionados à sua identidade de gênero, as barreiras para se empreender sendo mulher no Brasil se somam a isso e muitas vezes são um impeditivo para o crescimento e desenvolvimento de empresas nos mais diferentes ramos. “O Brasil não facilita o empreendedorismo, é um país burocrático nesse ponto”, explica Beatriz Maluf, consultora financeira focada em estratégia, lucratividade e bem-estar. 

Além de fatores burocráticos, o espaço do empreendedorismo e dos cargos de chefia no Brasil – e no mundo – foram destinados historicamente aos homens, fortalecidos pelo discurso que o espaço das mulheres está reservado apenas ao cuidado da casa, educação dos filhos e administração do espaço doméstico. “As mulheres tinham esse papel de estar dentro de casa cuidado enquanto o homem ia pra fora“, lembra Maluf. Segundo ela, até pouco tempo atrás as mulheres sequer conseguiam acesso a contas bancárias em seus nomes, algo que só foi conquistado no ano de 1962. 

Embora isso pareça algo simbólico, Beatriz Maluf explica que gera consequências ainda presentes nos dias de hoje, como o fato das empresas fundadas por mulheres serem menos lucrativas e encontrarem maiores dificuldades para obtenção de linhas de crédito e potencialização de um crescimento financeiro. O estabelecimento de Alessa, por exemplo, só veio existir 17 anos depois de quando começou a trabalhar, momento em que já tinha uma clientela sólida que confiava no trabalho dela enquanto profissional. “Em meio a muita determinação e força de vontade cconsegui alugar um comércio mais adequado para atender minhas clientes“, conta.

São conquistas graduais a partir de muito trabalho pessoal, tempo, dedicação, investimento e determinação das mais diversas mulheres que decidem mergulhar no ramo dos negócios e investir em suas próprias empresas. Mas essas decisões nem sempre são escolhas visadas em um interesse em empreender, muitas mulheres chegam até aqui por necessidade de trabalho, como aponta Juliana de Mari, coach e colunista da Vida Simples.

“A pesquisa recente do Instituto Rede Mulher Empreendedora mostra que, apesar da porcentagem de empreendedoras por motivação (necessidade ou oportunidade) ser a mesma (46%), há uma importante diferença de perfil, já que as mulheres de classe D e E, negras e com ensino fundamental são a maioria que empreende por pura necessidade“, enfatiza.

Alessa usa cabelo preto liso, blusa branca e rosa, olhar sério e pele parda. empreendedorismo. Foto: Arquivo pessoal

Capacitação

Não só linhas de crédito, investimentos financeiros ou empréstimos bancários são fatores que potencializam a abertura de empresas por mulheres, há uma luta travada para obter melhores capacitações e apoios de consultorias na área, especialmente para empreendedoras que estão iniciando a carreira. “As mulheres não se sentem confortáveis porque não são capacitadas e a gente precisa muito de lugares que elas possam ser ouvidas“, defende Maluf. 

O estímulo à permanência no espaço doméstico e as influências do machismo e da misoginia no ambiente de trabalho permeiam o imaginário da sociedade brasileira e nos faz acreditar que o mercado financeiro, os cargos de liderança e chefia naturalmente devem ser destinados aos homens, por serem considerados mais preparados ou aptos. Por outro lado, a capacidade de assumir um cargo executivo deveria estar muito mais ligado à experiência profissional, formação acadêmica e um bom currículo do que aspactos biológicos ou sociais.

“Hoje, o principal ponto que eu vejo é que a mulher empreendedora precisa de lugares onde ela possa ser acolhida, possa ser ouvida” defende Maluf, que enfatiza o cárater de dupla ou tripla jornada de trabalho de muitas profissionais. Além de empregos formais, a maioria precisa se desdobrar dentro de casa em tarefas domésticas, na educação dos filhos ou outros empregos, e o que sobra de tempo acaba se tornando insuficiente para cursar um mestrado, MBA ou buscar apoio a iniciativas que promovem orientação para o público.

Para Alessa esse caminho também foi marcado por turbulência, já que praticamente tudo que ela possui hoje foi obtido a partir do próprio esforço pessoal para a compra, manutenção e administração do local, o que não é diferente da maioria das mulheres que decidem empreender no Brasil, que somam cerca de 10,1 milhão – 34% dos empreendimentos do país – de acordo com um levantamento do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) feito em março.

Por vezes, o empreendedorismo se torna a única alternativa na trajetória de algumas mulheres, por motivos diversos, mas que se cruzam às suas marcas pessoais, seja no caso de Alessa, que sofreu transfobia pelos lugares onde passou e precisou abrir o próprio negócio para se sentir segura, ou de muitas mulheres negras nas periferias do país que não têm acesso ao mercado formal ou são limitadas por não haver uma rede de cuidado para com seus filhos ou dificultade em encontrar vagas em escolas e creches para se dedicar ao trabalho. “A gente não tem que romantizar isso, porque é algo muito duro para essa mulher, muitas vezes ela não tem com quem deixar o filho”, comenta Beatriz Maluf.

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Espaços de acolhimento e partilha

Quais de Mim Você Procura?” (Editora Gregory), questiona o título da coletânia que reúne 500 escritoras em diversas partes do mundo. Com onze volumes publicados, o projeto nasceu a partir da iniciativa de Katia Teixeira, uma empresária que passou a impulsionar iniciativas de inserção e inspiração de mulheres no mercado de trabalho e nos cargos de liderança.

A ideia nasceu em 2014, quando Katia foi selecionada para um programa de impulsionamento do banco Goldman Sachs com mais 10 mil mulheres em todo o mundo. Em seguida, passou a estudar e compreender questões ligadas ao machismo, misoginia e à violência sofrida por mulheres na sociedade, especialmente nos espaços formais de trabalho. “É um projeto social, não vai ser um best seller, os livros são doados para comunidades onde vivem mulheres carentes, para que elas se inspirem nessas histórias“, explica Cristina Moraes, que hoje mora na Espanha e foi uma das coautoras do oitavo volume da obra, onde pôde contar sua história e carreira no mercado financeiro quando morava no Brasil e a atuação como coach na área de finanças, trabalho que passou a exercer quando migrou de país.

Os livros buscam mostrar mulheres de sucessos nas mais diferentes áreas profissionais e deixar evidente que o mundo dos negócios, do empreendedorismo e dos cargos executivos também podem ser ocupados por mulheres, independentemente da raça ou condição social.  As inquietações que chegavam até Katia estavam especialmente relacionadas ao fato de que boa parte dos livros sobre a área empresarial, gestão financeira e carreiras corporativas eram escritas por homens ou dedicadas a eles, sendo reservado às mulheres um pequeno espaço de representação insuficiente para o que elas são em termos de força de trabalho.

Cristina, além de considerar a iniciativa relevante, pelo impacto social em outras empreendedoras, também pôde ver o quão fortalecedor a iniciativa é para as próprias coautoras do livro. Recentemente, o último volume foi lançado na cidade de Paris, com a presença de escritoras do mundo todo, além da idealizadora do projeto, Katia Teixeira, que busca trazer visibilidade internacional com a iniciativa, que é considerada a maior liga de escritoras em prol de mulheres vulneráveis do mundo.

“Nós sentimos lá em Paris que se formou uma irmandade”, conta Cristina, que defende a união das mulheres e a formação de grupos de apoio dentro das empresas. Uma palavra que resume o sentimento da escritora e coach é “sororidade”, a necessidade das mulheres protegerem umas às outras e servirem de pontes para que as próximas empresárias cheguem nos espaços onde elas estão hoje, uma força coletiva que move as estruturas da sociedade para a criação de outro mundo possível, mais aberto à diversidade e igualdade entre homens e mulheres

Escritoras reunidas no Museu do Louvre, em Paris. Escritoras do livro “Quais de mim você procura?” reunidas no Museu do Louvre, em Paris. Foto: Arquivo pessoal

É o que também defende Beatriz Maluf, que acredita na amplificação das vozes femininas e na criação de espaços de acolhimento, cuidado e compreensão. “Quando você cria esses núcleos que dão vozes a essas mulheres, onde elas estão ensinando umas às outras de forma genuína, acolhendo as dores, entendendo as necessidades, a gente tá fortalecendo o empreendedorismo feminino“, afirma. Um desses espaços é o B2Mamy, uma socialtech focada em tornar mães e mulheres líderes e livres economicamente por meio de comunidade, educação e empregabilidade.

Para ela, é fundamental que se crie um ‘ecossistema’ de mulheres que debatam sobre empreendedorismo, negócios e finanças. “Quando a mulher empreende, ela tem esse senso de comunidade, por isso que ela é um agente de transformação muito potente.” Além disso, Maluf visluma espaços que sejam cada vez mais acolhedores às mulheres negras e periféricas, “a gente precisa fazer com que esses movimentos de mulheres negras e da periferia se cruzem com mulheres de uma classe mais alta que já estão no mercado”, finaliza. 

Já Cristina, que agora é coordenadora de mulheres brasileiras que moram no exterior do projeto “Quais de Mim Você Procura?”, tem a tarefa de reunir diferentes histórias, trajetórias de vida e fortalecimento de mulheres que trabalham com empreendedorismo no mundo. Para ela, uma das chaves de mudança das questões sociais no Brasil – e também no mundo – são os investimentos na educação, que diretamente proporcionam a capacitação de mais mulheres, a mudança de mentalidade na sociedade e a igualdade de gênero nas empresas e profissões.

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