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Diversidade de alimentos garante sabores e o equilíbrio da vida na Terra
Nas prateleiras dos supermercados, encontramos muito menos opções do que existe na natureza, pois, na lógica de produção e distribuição, torna-se mais prático administrar menos variedades – o que empobrece, e muito, o nosso prato (FOTO: EDGAR CASTREJON/UNSPLASH)
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Desde pequenos, aprendemos que é preciso ter diversidade de alimentos no prato: pegar um pouco de cada coisa, misturar o arroz e feijão com um tantinho de salada, um pouco dos legumes e mais o que tiver na mesa para conseguir “co­mer saudável”.

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Pratos mais coloridos, como pregam os nutricionistas. Mas a realidade é que o nosso consumo alimentar é, na maioria das vezes, muito mais cinza do que supomos. O desenvolvimento da nossa sociedade mo­derna e a necessidade de uma produção em escala industrial para alimentar bilhões de pessoas no mundo ajudaram a diminuir sig­nificativamente o que colocamos no prato.

Das mais de 400 mil espécies de plantas que existem no planeta – das quais a ciência estima que metade, pelo menos, serve para o consu­mo – comemos apenas 200. Dessas, três cultu­ras (milho, arroz e trigo) são tão onipresentes nas nossas dietas que correspondem a mais da metade das calorias que comemos diaria­mente.

E a explicação para isso vai muito além de uma ideia de gosto adquirido – ainda que o sabor tenha, de fato, desempenhado o papel mais importante para definir nossos hábitos à mesa em séculos e séculos de história.

Monocultura versus diversidade de alimentos

O geógrafo e escritor científico Jared Dia­mond explica que, quando a agricultura ainda estava em desenvolvimento, nossos ancestrais foram eficientes em identificar as poucas es­pécies que eram adequadas para domesti­cação, o que relegou o padrão de cultivo que temos hoje.

Não queríamos mais ter de sair pelo planeta em busca de plantas que podía­mos (ou não, saberíamos depois) comer, como caçadores-coletores que sempre fomos. Que­ríamos mesmo usar as sementes para plantar, mais perto e em maior quantidade, os alimen­tos que nos serviriam depois como refeição.

À medida que os experimentos funciona­ram, nossos ancestrais focaram neles em prol de uma praticidade, e assim deixamos de lado vastas possibilidades de alimentos que poderiam ter entrado mais facilmente na nossa dieta.

Com os anos e anos, essas plan­tas também se adaptaram a essa relação que os animais (humanos inclusive) construíram com elas a partir de seus hábitos alimentares.

“As sementes de muitas espécies de plantas selvagens, na verdade, precisam passar pelo intestino de um animal para que possam ger­minar. Por exemplo, uma variedade de melão africano está tão bem adaptada a ser comida por um animal específico, cha­mado aardvark, que a maioria dos melões dessa espécie cresce justamente entre os excrementos dos aardvarks”, afirma Dia­mond, no seu livro Guns, Germs, and Steel (sem tradução no Brasil).

Diversidade de comida garante saúde e relação equilibrada com o planeta em que vivemos Ainda desconhecemos uma infinidade de espécies de alimentos disponíveis para o nosso consumo. Isso porque, ao longo dos séculos, passamos a nos alimentar com uma variedade de sabores cada vez menor (FOTO: ISTOCK)

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 A ponta do iceberg da diversidade de alimentos

Isso ajuda a explicar por que, na evolução, nossa dieta se restringiu tanto. Da nossa parte, também, a agricultura ajudou a ali­mentar mais pessoas de forma mais fácil, mas teve como efeito a escolha de algumas variedades em detrimento a outras.

Ainda que cremos que temos muitas opções ao nosso dispor quando vamos a um merca­do hoje, a verdade é que podemos comprar apenas uma “ponta do iceberg”, como diz David Ralitera, fundador da Fazenda Santa Adelaide, que produz alimentos orgânicos esquecidos e desconhecidos pelos brasi­leiros – como a cenoura roxa e o tomate coração-de-boi.

“Quantas variedades de to­mates, de rabanetes e de cenouras podemos encontrar em um hortifrúti?”, pergunta ele, para logo responder: “bem menos do que a natureza pode produzir”. No caso do toma­te, os tamanhos e formatos se diversifica­ram muito nas prateleiras, mas o vermelho predominante mostra apenas uma parte do que a natureza é capaz de proporcionar.

En­tre o que ele já produziu, há frutos em tons que variam do amarelo ao preto, passando pelo tomate tigre, que é rajado de verde. “Estamos tão distantes da produção de alimentos que muita gente acha que um to­mate escuro, por exemplo, não está próprio para o consumo”, ele afirma.

Para Ralitera, apenas uma pequena parte do público quer alimentos diferentes à mesa. A maioria re­siste em sair da zona de conforto. Não se trata, apenas, de estranhar algum legume diferente, por exemplo, mas sobretudo de não se permitir provar uma variedade dife­rente de fruta, de hortaliças.

Comida variada garante saúde e relação equilibrada com a sociobiodiversidade do planeta

Valorizar a riqueza que existe também é fator essencial para garantir o abastecimento de comida para a população, já que, diante de mudanças climáticas, depender de pouca variedade não é nada seguro (FOTO: ISTOCK)

Ele diz que sua produção se tornou menos diversa depois da pandemia, quando mudou o foco do seu negócio para atender mais supermercados e menos restaurantes (que pediam por coi­sas mais específicas). Hoje, dos cem produ­tos que cultiva, tem quatro ou cinco varie­dades de cada – já chegou a mais de dez em alguns casos.

“Pouca gente sabe que há cen­tenas de tipos de mandiocas no Brasil, por exemplo”, ele afirma. “E o varejo está preocupado apenas com preço e constância. Ou seja, para supermercados e distribuidoras, que cuidam de 90% do escoamento dos ali­mentos, não é um bom negócio ter muito de cada coisa, para não complicar a operação. Resolve-se melhor com dois tipos de toma­te, três de banana e pronto”, conta.

Além disso, o produtor também está liga­do a um papel mais passivo do consumidor, que continua a querer brócolis em dezembro, nem que tenha de pagar 35 reais por isso. “Falta uma conscientização em toda a cadeia, inclusive sobre sazonalidade”, diz.

América Latina: a despensa do mundo

O Peru, por exemplo, é um país que pro­duz mais de 4 mil espécies de batatas na região andina. O tubérculo, que hoje res­ponde pela produção de alimentos em mais de 20 milhões de hectares, em mais de 150 países pelo mundo, teve sua origem ali.

Domesticada há cerca de oito mil anos nos Andes, a batata ajudou a salvar popu­lações da guerra e se alastrou pelo planeta. Mas hoje existe um esforço muito grande por parte de governos e associações pe­ruanas para preservar o alimento que diz tanto sobre a história do país.

E apostar na diversidade, além de um resgate cultural, é também um importan­te motor econômico. Desde que abriram o MIL, em Moray, cercado pela Cordilheira dos Andes, em Machu Picchu, a chef Pía León e o marido Virgílio Martínez decidi­ram encabeçar um projeto com as comuni­dades locais de resgate de variedades que só foram mantidas graças a famílias ainda ligadas ao campo, produzindo alimentos que brotam a 1.300 metros de altitude.

“Há uma conexão muito forte entre as pesso­as e os ecossistemas de altura, uma adap­tação que evoluiu como uma tradição à mesa”, explica Martínez.

O restaurante foi erguido em um pre­servado complexo arqueológico inca a 3.500 metros com seus famosos terraços redondos, os “muyus”, onde povos locais puderam se aproveitar dos diferentes mi­croclimas para seus testes no decorrer dos séculos, dando origem a espécies e variedades distintas.

Ali, há um centro de experimentação agrícola que ajuda a criar sementes desses alimentos. “Nossa res­ponsabilidade como chefs é ajudar quem visita o nosso restaurante a ter acesso a esses produtos, valorizá-los e ajudar com que continuem a ser produzidos”, ele diz. “A América Latina sempre foi uma despen­sa para o mundo. Depois, aprendemos a consumir nossos próprios alimentos, re­duzidos a poucas espécies adaptadas ao clima europeu, por exemplo”.

Diversidade de alimentos é questão de so­brevivência

A diretora geral da Biodiversity Internatio­nal, Ann Tutwiler, alerta para o que chama de um eminente desaparecimento de nos­sa agrobiodiversidade. Em um artigo pu­blicado no jornal inglês The Guardian, ela diz que não podemos permitir que se ex­tingam espécies que fornecem os alimen­tos que sustentam os 7 bilhões de pessoas em nosso planeta.

Os resultados dos estu­dos feitos pela organização sugerem que três quartos do suprimento de alimentos da Terra se baseia em apenas 12 culturas de plantas – e cinco espécies de gado.

“A dependência excessiva de poucas varie­dades e espécies está deixando o sistema alimentar desnecessariamente exposto a choques e estresses, além de negligenciar uma solução de alto impacto para grandes desafios de saúde, meio ambiente e segu­rança alimentar”, afirma a organização em comunicado.

Subordinar-se a apenas pou­cas espécies pode causar um desabasteci­mento preocupante em certas regiões, se algumas delas sofrem com pragas ou outro fator externo – algo que tem maiores chan­ces de acontecer com o acirramento das mudanças climáticas, inclusive.

Os efeitos já podem ser percebidos em muitas partes do mundo, como uma que­da do café na Tanzânia (antes um país com grande produção) ou a insegurança alimen­tar causada na Irlanda com a morte de uma espécie de batata cultivada no país.

Planta­ções de cacau e chá, assim como vinho, que alimentam as economias de muitas nações em desenvolvimento, estão à beira de se­rem dizimadas pelo aquecimento global. Variar a nossa dieta é uma questão de so­brevivência. Quando falamos de diversida­de de alimentos, “menos” definitivamente não nos vai ajudar a chegar mais longe.

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RAFAEL TONON é escritor e jornalista de gastronomia e tenta variar sua dieta não apenas em cores e sabores, mas também em espécies.


Conteúdo publicado originalmente na Edição 247 da Vida Simples

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