O que aprendi ao colher | Ouvindo Vida Simples
Neste episódio de Ouvindo Vida Simples, Sandra San faz a leitura do texto “O que aprendi ao colher”, de Nara Siqueira
Neste episódio de Ouvindo Vida Simples, Sandra San faz a leitura do texto “O que aprendi ao colher”, de Nara Siqueira
Produção de áudio: Ogro | Edição do portal: Margot Cardoso | Direção geral: Lu Pianaro e Isis de Almeida.
Retirar o próprio alimento da terra é uma experiência que envolve, além da comida, ensinamentos sobre como nos relacionamos e um resgate das nossas raízes
Lembro o dia em que minha mãe chegou em casa, depois de uma atividade culinária com as crianças para as quais dá aula, contando como tinha sido preparar uma sopa de legumes com 20 alunos de cerca de 3 anos de idade. A princípio, o intuito era apresentar diferentes texturas, formas e sabores daquilo que comemos todos os dias. Até que um dos pequenos agarrou uma berinjela, arregalou os olhos e, surpreso, disse: “tia, ela não é roxa por dentro!”.
Confesso que, logo que ouvi a história, a espontaneidade do menino me pareceu fofa e engraçada. Mas, depois, o episódio me fez revisitar uma fala do Mark Hyman, um médico norte-americano que se dedica a estudar as relações entre alimentação, saúde e qualidade de vida. Certa vez, ele disse que estamos criando uma geração de pessoas que não sabem cozinhar e se alimentar sozinhas. Sequer sabem como são os alimentos em seu estado natural.
Por a mão na massa
Na ausência de alguém que prepare suas refeições todos os dias, elas recorrem à enorme variedade de pacotes dispostos nas prateleiras dos supermercados. Seguimos desembrulhando demais e descascando de menos. E, por consequência, produzindo uma quantidade de lixo nunca antes vista no planeta. Eu mesma não tenho muitas memórias de infância na cozinha.
Minha mãe adorava sentar no chão comigo e com meu irmão para brincar de faz de conta, narrar histórias e cantar músicas. Mas, definitivamente, ela nunca foi fã do fogão. Fazia o jantar rapidinho, sem muitas invenções e variações de cardápio, e só nos chamava para sentar à mesa quando a comida já estava pronta. Talvez por isso, poucas vezes coloquei a mão na massa quando pequena.
Fora da rotina
Foi com essa bagagem que embarquei para Viamão, cidade próxima à capital do Rio Grande do Sul, em maio passado. O motivo da viagem foi a Colheita dos Chefs – um evento que reúne jornalistas, chefs de cozinha, nutricionistas, agrônomos e empreendedores ligados à alimentação para viverem uma experiência completa do campo à mesa. Gosto de pensar que, se queremos que nossas crianças tenham alguma familiaridade com o que nasce na terra, precisamos, enquanto adultos, passar por uma reeducação, buscar esse resgate, esse contato com a comida.
Era uma segunda-feira chuvosa e gelada. Estávamos em um grupo grande e todos ansiosos pelo que viveríamos naquele encontro. Calçar as galochas não fazia parte da rotina da maioria de nós. Pensávamos que aprenderíamos técnicas relacionadas ao plantar e ao colher, mas estar no campo ensina muito mais que isso. Entre diversidade de espécies e variabilidades genéticas, a vivência se deu em torno das raízes, do tempo e das relações com o outro.