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    Uma pessoa pode ser introvertida e também extrovertida?
    Viktor Kiryanov
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    Somos marcados por características e comportamentos que formam a nossa personalidade, a maneira como nos comunicamos em sociedade, além dos interesses e gostos, que variam em cada indivíduo. Há pessoas mais comunicativas, que adoram estar em público e, para estas, fazer discursos é tão natural quanto qualquer outra atividade diária, outras preferem estar mais conectadas consigo mesmas, costumam buscar os lugares menos visíveis e aparições em público podem até acontecer, mas não são seus momentos favoritos.

    Em um universo tão múltiplo de possibilidades e comportamentos, estranho seria se fôssemos todos iguais. Imagina o quão caótico seria se todos fossem extremamente comunicativos, com espírito de liderança, ansiosos para uma aparição pública, ou, uma sociedade em que todos são mais retraídos, preferem receber do que dar ordens e adoram se comunicar sem chamar tanta atenção. Pensando nesse cenário, talvez uma das nossas grandes qualidades seja justamente sermos diferentes uns dos outros, com vontades, interesses e gostos.

    A introversão

    Um pouco antes do século XX enfrentar duas grandes guerras e um conflito ideológico que durou décadas, o psiquiatra Carl Jung fundou o seu corpus teórico, chamado de psicologia analítica, em 1913. Jung foi quem popularizou os termos introversão e extroversão, além de ter contribuído para que diversas pessoas pudessem se compreender a partir desses traços de comportamento.

    Apesar disso, muitos tratam esses espectros de forma binária, logo, se sou introvertido, não há chance alguma de reproduzir algum comportamento típico de pessoas extrovertidas e vice-versa. “É esperado que uma pessoa apresente atitudes variadas, que vai desde uma mais introvertida até outra mais extrovertida, a depender do contexto e dos estímulos em que estiver inserida“, explica Elaine Macedo, psicóloga e mestre em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). A ideia de que somos uma espécie de robô programado com ações específicas é tão ultrapassada quanto o velho telefone à antena que existia na casa da minha avó. 

    Mesmo que façamos alguns testes de personalidade na internet, é importante saber que ela pode mudar ao longo do tempo e é influenciada por fatores ambientais, como a mudança de cidade, um novo relacionamento, novos amigos, ou interesses que vão surgindo. “Traços de personalidade são descrições de tendências, jeitos de agir, de padrões de comportamento que a pessoa apresenta ao longo da vida“, é o que diz Guilherme Spadini, psiquiatra e professor da The School of Life em São Paulo.

    Diferente da personalidade, o temperamento é algo intrínseco às pessoas e pode ser observado desde o nascimento. São, por assim dizer, características que praticamente herdamos geneticamente, “são traços muito primários que normalmente a gente observa nos primeiros meses de vida“, explica Spadini. O psiquiatra conta que isso pode ser observado em bebês. Alguns são mais sociáveis, outros não, mais adaptados em ambientes diferentes, enquanto outros preferem ficar onde já conhecem, e assim por diante. “Isso são traços de temperamento, tendem a ser mais persistentes ao longo da vida“, conclui.  

    “A nossa família, a nossa comunidade, a nossa geração reforçam ou enfraquecem certos tipos de atitudes em nós ao longo dos anos, mas isso não significa que não possamos aprender atitudes novas para nos tornarmos mais ajustados ou termos melhores resultados, caso sintamos necessidade”, sintetiza Elaine.

     

    Como saber se sou introvertido?

    Apesar de Jung ter popularizado o tema, diferentes linhas teóricas se apropriaram e desenvolveram estudos próprios da personalidade e do comportamento humano — alguns convergentes, outros divergentes, mas que exemplificam a diversidade da ciência e dos métodos de pesquisa. “Jung nem é o mais moderno hoje em dia, mas o que eu estou tentando dizer aqui é que a introversão se relaciona a alguns traços de temperamento, então talvez seja um traço que as pessoas associam como algo muito tipológico“, complementa Guilherme Spadini. 

    Entender que podemos reproduzir características de introversão e extroversão talvez seja o primeiro passo para eliminar a fronteira invisível da dualidade que se estabeleceu nesses traços.

    Há pessoas que precisam desse tempo e espaço consigo mesmo, mas costumam falar em público com naturalidade, como é o caso do ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Mesmo que não pareça, Obama é uma das pessoas que se encaixam no espectro da introversão, mas isso nunca o impediu de fazer aparições públicas e ser extremamente popular. Diferente da timidez, que pode representar uma certa predisposição para evitar determinados eventos do cotidiano, a introversão não é um fator limitador do que somos ou não capazes de fazer.

    Algumas características e ações, no entanto, são mais típicas de quem é mais introvertido, como uma disposição maior a atividades que podem ser feitas de forma mais solitária, a exemplo de ler um livro, passar um tempo consigo mesmo ou fazer um esporte individual.

    Preferir passar um tempo consigo mesmo e evitar um contato social excessivo são alguns dos exemplos de alguém introvertido (Imagem: Alessandro Fernandes/Vida Simples).

     

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    Líderes introvertidos?

    O psiquiatra Guilherme Spadini, antes de qualquer análise se somos ou não introvertidos, explica que é cada vez mais comum um movimento do campo da ciência para os diagnósticos dimensionais. Apesar da introversão e extroversão serem apenas características do nosso comportamento e não um transtorno em si, o professor explica que é comum que estejam presentes nas pessoas tanto atitudes introvertidas quanto de extroversão. “Essa ideia vem justamente do desenvolvimento de diagnósticos dimensionais. Você entender que as pessoas podem ter diferentes relações e intensidades com sintomas e características”, explica.

    “Há uma falsa impressão de que as pessoas introvertidas são, de duas uma: frágeis, porque tem medo de se colocar, ou perigosas, porque estão agindo às escondidas”, diz Elaine. “O cérebro humano funciona assim, ele gosta de ter certezas sobre o mundo, o futuro e as pessoas. E quando não tem dados, ele cria hipóteses“, complementa a psicóloga. Ainda assim, simplesmente categorizar alguém com base nas suas características psicológicas em uma entrevista de emprego ou em algum tipo de seleção pode sobrepor um julgamento às próprias habilidades profissionais ou acadêmicas de um indivíduo.

    “Se você tem um histórico de que a pessoa foi capaz de liderar equipes, de lidar com situações sociais, de extroversão super bem no passado, e você vê em um teste psicológico de RH que a pessoa tem traços de introversão e não contratar por isso, eu acho que é uma falta de visão, é ficar de novo estanque demais em categorias”, defende Guilherme Spadini.

    Albert Einstein, Charles Darwin, Rosa Parks, Al Gore, entre muitos outros, foram pessoas fundamentais para o avanço da sociedade, seja na ciência ou na luta contra o racismo e em defesa do meio ambiente, e nelas são encontrados traços de introversão em suas personalidades.

    Rosa Parks, uma das mais importantes ativistas contra a segregação racial nos EUA, era uma pessoa introvertida. Foto: Ebony Magazine/ Wikimedia Commons

     

    Saia da caixinha

    Entender que as pessoas podem ter diferentes relações com características e comportamentos humanos é um primeiro passo para compreender que a nossa vida é muito mais um oceano do que um lago, justamente por ser volátil, imprevisível em diversos momentos e muito mais aberta à experimentação e ao novo.

    “A gente tem que aprender a olhar essas questões comportamentais de forma mais complexa”, lembra Spadini, “às vezes as pessoas nos colocam em caixinhas e nós mesmos nos colocamos”, acrescenta o psiquiatra. O importante nisso tudo é saber que essas caixas podem ser muito úteis durante um tempo, mas ao longo dos anos podem não nos servir mais, e aí passamos para novas experimentações, comportamentos e atitudes.

    Rótulos nem sempre significam algo negativo, mas sim um pequeno lembrete de até onde nos sentimos à vontade em ir. “Tem a ver com a nossa autoimagem e com nossas expectativas sobre as pessoas. Estar preso a um rótulo é que pode ser prejudicial, contanto que nossa vida nos pede flexibilidade de atitudes e crenças“, defende Elaine. E, mesmo que ao longo do tempo não sejamos mais os mesmos, nossas características mais fortes, aquelas vindas do temperamento, ainda farão parte da nossa identidade e de quem somos. 

    E aí, você é introvertido ou extrovertido? Mesmo que pareça difícil categorizar quem somos, o essencial é entender que as características e traços estão muitos mais misturados do que imaginamos, como uma grande vitamina de emoções e comportamentos.

    Talvez você adore falar em público, mas não abra mão de um tempo precioso consigo mesmo, ou o contrário, e tudo bem, é quem nós somos e isso precisar ser respeitado, não podendo ser determinante quando buscamos espaço na sociedade.

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