O poder da poesia de cordel
Ainda adolescente, o cordelista cearense Bráulio Bessa sonhava em levar a poesia para além das feiras populares do sertão nordestino para mantê-la viva por todo o país. E assim tem sido desde então
Foi na escola, aos 14 anos, onde Bráulio Bessa conheceu a poesia de Patativa do Assaré, um dos principais representantes da cultura popular nordestina, que acabou se tornando sua principal referência para escrever os primeiros versos – e transformar sua vida.
Os textos motivacionais de Bráulio sobre a vida, o cotidiano e as relações, declamados de forma delicada, afetuosa e com muito bom humor, começaram a ganhar visibilidade em 2014, no programa Encontro com Fátima Bernardes, na TV Globo.
A partir daí, suas poesias começaram a render grandes frutos. Ele virou poeta best-seller, fenômeno nas redes sociais com mais de 1 bilhão de visualizações, destaque da série documental Poesia que Transforma na Globoplay, além de ser considerado um verdadeiro ativista da cultura nordestina. Hoje, o escritor e cordelista da pequena cidade do interior do Ceará, em Alto Santo, viaja também por todo o Brasil para falar sobre empreendedorismo cultural.
Diante de tantas conquistas alcançadas ao longo desses anos, o poeta cearense realizou um dos seus maiores sonhos: resgatar o Cordel e transformar a vida das pessoas por meio da arte.
O POETA PATATIVA DO ASSARÉ É SUA PRINCIPAL REFERÊNCIA. O QUE ELE REPRESENTA PARA VOCÊ?
Fiquei apaixonado pelo poder da palavra, da simplicidade e de como Patativa era capaz de falar de assuntos complexos por meio de uma linguagem simples, acessível e também democrática. Isso me encantou. Hoje, tendo uma maior maturidade humana e literária, admiro ainda mais a sua obra pelo fato de, num país onde se lê tão pouco, onde a poesia durante muito tempo era associada às elites, Patativa sempre fez poesia para o povo e sobre o povo.
COMO ABORDAR TEMAS IMPORTANTES DE MANEIRA SIMPLES, SENSÍVEL E HUMANA?
Acredito muito numa poesia democrática, numa poesia popular, numa poesia de pertencimento das massas. Escrever sobre assuntos profundos e complexos por meio de uma linguagem simples talvez seja mais do que genialidade, seja uma generosidade. É você ser generoso e entregar o que tem de melhor, que no caso do escritor é a escrita, é o seu sentimento. É ser democrático, é escrever uma poesia que, embora temperada com as minhas raízes, com o meu sotaque, é uma poesia humana, que quando traduzida possa ser compreendida e sentida por todos.
JÁ LEU POESIA PARA AJUDÁ-LO EM ALGUM MOMENTO DIFÍCIL?
Sim, poesia para mim é uma vitamina. Eu leio muitas poesias e tenho até um caso interessante para contar. Quando eu tive Covid, fiquei em estado grave, cheguei à UTI muito abalado, desanimado, eu não queria me alimentar, não tinha apetite nenhum. Fiquei muito mal, me vi ali perdido. E aí chegou uma marmita para mim e a pessoa da cozinha escreveu um poema de Allan Dias Castro na tampa, que falava sobre esperança. Quando terminei de ler, eu comi tudo que tinha na marmita, me deu fome. Isso foi decisivo para a minha recuperação. A poesia tem um poder curativo muito grande na minha vida também.
POR QUE PRESERVAR A LITERATURA?
As nossas raízes são muito resistentes. A cultura popular não pode ser “engolida” pela modernidade. Ela tem que se misturar, se fundir e se atualizar. O Cordel tradicionalmente ganha força nas feiras populares das pequenas cidades. O poeta vai à feira para declamar poesia, para vender os folhetos. E no meu caso, isso dez anos atrás, numa cidade pequena, de 18 mil habitantes, achei que a feira era muito pequena para o tamanho da poesia. Eu olhei para um computador e entendi que a maior feira do mundo era a Internet, para onde eu levaria a poesia popular. Uma poesia que para o próprio mercado literário e para algumas pessoas ainda continua sendo coisa de “matuto”, rural, ultrapassada, mofada. E hoje meus poemas já têm mais de 1 bilhão de visualizações. É a literatura de Cordel chegando cada vez mais longe.
COMO SURGIU A INICIATIVA INSTITUTO BELEZA INTERIOR?
Alto Santo é uma cidade pequena, no interior do Ceará, com 18 mil habitantes. Na minha cidade nunca teve um projeto social que abraçasse muitas crianças e eu sempre quis fazer algo por elas. Hoje, o Instituto atende 220 crianças e suas famílias, com atividades culturais, atendimento psicológico e merenda escolar. A instituição possui uma Orquestra Jovem, aulas de canto e de instrumentos musicais, como percussão, bateria, piano, violão e violino. Esse projeto é o meu grande sonho, é algo que eu luto muito para que não pare. E vamos continuar fortes nessa luta.
VOCÊ ACHA QUE TRANSFORMOU A POESIA EM PROPÓSITO DE VIDA?
Sim. Eu tinha 14 anos de idade, não queria ser nada e de repente, por causa de um livro de poesia nas minhas mãos, coloco na cabeça que quero ser escritor, quero ser poeta. Ainda menino, eu dizia “um dia um livro meu vai fazer por alguém o que esse livro de Patativa fez por mim”, que era transformar, era dar esperança. Então eu acho que a poesia se torna um propósito de vida desde quando ela era só minha e agora passa a ser de todo mundo.
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