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Nem tudo é para já
Roberto Nickson
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Neste artigo:

Há poucos dias, durante o café da manhã, minha filha mais velha, de 5 anos, sentou-se à mesa antes da mãe, de mim e da irmã do meio, e logo pediu, sem muita paciência, o leite morno com chocolate. Quando falamos que ela precisava aguardar um pouquinho, fez uma cara injuriada e respondeu que não gostava de esperar. Queria que fosse para aquela hora. “Nem tudo é para já”, disse ela.

O episódio me proporcionou uma semana inteira de reflexões sobre a paciência e como lidamos e vestimos a roupa dessa virtude. Ou será que ficamos mais desnudos do que com os trajes apropriados? Há quem goste de repetir que ser paciente é um dom exclusivo de poucas pessoas mais afortunadas. O que, obviamente, sabemos não ser verdade. Existe também quem goste de enaltecer a falta de paciência como um mérito pessoal. Frisa que é impaciente mesmo porque precisa agir em vez de ficar parado. Ou seja, toma essa posição por assimilar que ter paciência é aguardar, pelo tempo que for, algo acontecer. Desse ponto de vista, seria paciente aquele que assume uma postura complacente, com pouca ou nenhuma ação.

Mas será que é isso mesmo? Ou podemos analisar essa virtude por aspectos menos limitantes? Para a conversa, procurei, em primeiro lugar, aquele cuja figura é a mais associada à de uma pessoa paciente: um monge. Mais especificamente, conversei com Genshō Sensei, orientador da comunidade zen-budista Daissen, sediada em Florianópolis.

Conta ele que a paciência nos permite enfrentar os embates da vida com suficiente sensatez e clareza, mas que, para desenvolver essa virtude, devemos controlar nosso próprio ego. “Somos frequentemente arrastados por ele e por isso agimos de forma tempestuosa, reagindo às circunstâncias, quando poderíamos ser calmos, compassivos e compreendermos as pessoas não como perfeitas, mas como seres com muitas dificuldades. Enxergando-as dessa maneira irá nos inspirar a atitudes de maior paciência aos erros alheios e a ações não pautadas pela reação, pela força, pela tentativa de impor nossas próprias opiniões.”

Aliás, como consta no importante Sutra do Diamante, considerado o livro impresso mais antigo da história, a paciência é a terceira das Seis Perfeições (ou Seis Paramitas). E ela seria desenvolvida justamente diante dos obstáculos, a partir da convivência com pessoas que se opõem a nós, que têm personalidades diferentes ou atitudes que conflitam com nossos valores. Ainda na visão deles, seria fácil demais ser paciente apenas na companhia de pessoas amorosas e que escolhemos ter por perto. Tanto quanto ser em uma vida sem movimento, que não impulsiona a nenhum novo caminho.

“Como descrito neste sutra, trata-se de uma virtude que nos permite navegar em um mundo de altos e baixos, com acontecimentos que, por vezes, criam sentimentos de desconforto, de raiva e de indignação”, destaca Genshō, lembrando que em um mundo perfeito, livre de injustiças, a paciência não precisaria ser manifestada.

Resiliência sem passividade

Paciência tem a ver com aceitação, mas não com passividade. Sinto que diz mais sobre compreendermos que as coisas não se constroem em poucos minutos, aceitar que tudo é um processo, às vezes mais curto, às vezes mais longo, e que nem sempre nos erguemos com rapidez após um tombo. Tampouco é carregar aquilo que incomoda até não se aguentar mais, até sentir tudo explodir. Durante muitos anos, enquanto atuava exclusivamente como arquiteta de eventos, para clientes corporativos, Renata Rocha vivia de urgência em urgência, para dar conta de cada novo projeto que surgia. Passou a se sentir frustrada diante da impossibilidade de maturar melhor os processos e, depois dos 40 anos, após uma lenta transição, tornou o hobby de fazer pães sua profissão. Assim, no início deste ano, abriu as portas de sua Albertina Pães Especiais, em Belo Horizonte.

A palavra paciência, que antes era compreendida por ela como certa passividade diante da vida, com os pães passou a significar amadurecimento e humildade. Em suas palavras, entendemos que o mundo não gira em torno do nosso desejo, mas que é preciso agir para transformá-lo, ainda que não aconteça de uma hora para a outra. “Hoje tenho um trabalho inexoravelmente ligado ao tempo, mas quem dita essa toada é o próprio alimento, suas fases de produção e seu ritmo de fermentação. É inútil querer acelerar os processos, e a única forma de ficar mais perto de um certo controle é por meio da observação, da resiliência, da humildade”, conta Renata, cuja panificação é com fermentação natural, com pães que se desenvolvem por até 30 horas antes de ir ao forno.

Ela explica que, em determinado momento, havia a absoluta certeza de que seu prazer e amor estavam na cozinha e no ofício de padeira. E a única forma de fazer seria fazendo. Foi preciso ser obstinada e praticar. “Não existe escola para isso, é preciso viver. Mais uma vez me envolvi em um processo lento para que esta transição ocorresse de forma definitiva, produzindo por dois anos dentro da minha casa para depois finalmente abrir minha padaria. Hoje, meu estilo de vida é muito diferente. Sem sombra de dúvidas, eu trabalho infinitas horas a mais do que antes. Toda nossa produção é feita com 24 horas de antecedência, e, muitas vezes, alguns processos precisam acontecer no início da semana (como germinar grãos, preparar recheios, etc.). E todos os dias eu atendo clientes na porta me pedindo pães que não tenho, pois ainda serão assados no dia seguinte. É um exercício constante de espera, observação, resiliência e humildade. Isso se estende aos meus clientes, mas acredito que estão aprendendo comigo a ter paciência e aguardar um pouco, pois, se voltarem no dia seguinte, terão uma recompensa feliz”, reflete.

Percepção semelhante para essa virtude tem o artista plástico Rafael Piffer, que se prepara para apresentar no segundo semestre a mostra de pinturas intitulada Made in Brasil. “Percebi que paciência caminha junto com resiliência, que é a capacidade de personalidade como problemas e mudanças, de resistir às pressões, às situações menos agradáveis. Podemos comparar com o fluxo de um rio, que tem seu objetivo, seu destino e não importa qual seja o obstáculo pela frente, ele vai chegar lá, pois está predestinado a isso. Acho parecido com a vida do ser humano, pois temos muitas adversidades, tribulações. Mas, se exercitamos a paciência, criamos maneiras mais inteligentes, mais humanas, com mais amor, de transformar as situações e conseguir o que queremos. A paciência é uma chave muito poderosa para o ser humano”, enfatiza.

Inclusive, como artista, Rafael percebeu desde muito cedo a necessidade de respeitar o tempo de cada criação. Geralmente cria quando sente seu corpo transbordar, após observar e absorver os sentimentos, seus e do mundo. “Muitas coisas que já fiz acabei por rasgar, destruir, pois não as entendi. E hoje compreendo que era falta de paciência, pois não respeitei o processo e ele demanda tempo, o que é essencial para a criação.”

Como sabemos bem, escrever esse texto – ou, no meu caso, falar sobre a importância da paciência para a minha filha – é mais fácil do que nutrir essa virtude no dia a dia. Se aceitam que eu compartilhe o que venho compreendendo entre um passo e outro, às vezes sôfrego, posso dizer que paciência é um estado de contemplação que deve andar paralelamente ao de ação, de movimento.

A pessoa consciente de onde se deseja chegar coloca-se a andar na direção de seu objetivo. Entretanto, desenvolve a paciência mediante a compreensão de que tudo é um processo, ora mais curto, ora mais longo. E que nem sempre é possível se levantar com rapidez após um tombo. O que digo com isso é que nada se constrói em minutos. Se levamos dias, meses, anos ou décadas para decidir o que queremos, como imaginar que a concretização será em meros segundos? Portanto, para ser paciente, é necessário que cada um se questione sobre o que está fazendo para alcançar o que se espera. É preciso refletir sobre a estrada que vem sendo trilhada e como cada passo já dado influencia o presente. Não é momento de julgamentos e autopunições. É hora de olhar com mais beleza e complacência para o que se é e agradecer. A paciência mora no estado de gratidão.

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Há um antigo provérbio chinês que alerta: “Seja paciente em um momento de raiva e escapará de cem dias de tristeza”. Não restam dúvidas de que a paciência ensina a humanidade continuamente, mas, pelo que parece, acabamos por não ser bons alunos. Na visão do monge Genshō Sensei, teimamos por demais em aprender, por exemplo, a não praticar ações agressivas, de ódio. Conta ele que, se tivéssemos a capacidade de olhar as nossas dificuldades e as dos outros e tratá-las por meio do emprego da compaixão e da amorosidade, então teríamos a chance de construir um mundo realmente pacífico, como costumamos dizer ser nosso desejo. Mas, lembre-se: nem os monges estão livres de situações que os desestabilizam e os afastam do exercício da paciência.

“Se os monges fossem pessoas perfeitas, jamais perderam a paciência, mas são pessoas como todas as outras; apenas assumiram o trabalho de tentar aperfeiçoar-se mais fortemente, determinadamente, por meio de uma atuação no mundo como monge, abdicando de muitas coisas em favor de um crescimento espiritual. Só vive a paciência em toda sua plenitude se atingiu um altíssimo grau de realização espiritual”, ele observa.

Se posso aqui elencar os inimigos da manutenção da paciência, assinalo que ela não se sustenta quando o estado é de permanente aflição. O mais letal, no entanto, é querer se comparar a alguém. Se olharmos para outra pessoa e acharmos que ela está mais rápida do que nós, a crença de incapacidade pode colocar tudo a perder.

Cada um deve respeitar e admirar sua própria jornada e suas escolhas, até as menos acertadas, mas que igualmente promoveram aprendizados e evolução.

Genshō fornece uma dica importante para desenvolver essa virtude: não se deixar levar prontamente pelos impulsos, paixões ou sentimentos ainda não compreendidos com maior profundidade. Devemos, segundo ele, colocar em funcionamento os ensinamentos de parar, inspirar e expirar, e aguardar algum tempo até que os anseios estejam mais compreendidos. Somente assim poderemos saber a maneira mais correta de agir em diferentes momentos e situações. “É preciso agir de maneira adequada às circunstâncias do que simplesmente reagir. Esse, sim, é o pior problema, pois as reações humanas são sempre potencializadas. Uma ação não responde a uma ação de igual força e direção contrária; geralmente, nos relacionamentos humanos, há uma reação dez vezes mais forte, portanto é essencial dominarmos a tendência às reações em favor de uma atuação mais ponderada e elaborada à luz de pensamentos elevados.”

Em meio a tudo isso, devemos também aprender a lidar melhor com a ultravelocidade tão presente com os avanços da tecnologia, mas que acaba por cobrar seu preço. Quando tudo é urgente e cada um se sente obrigado a produzir, a competir e a criar em ritmo acelerado, a paciência perde consequentemente seu valor.

No contrafluxo disso, a padeira Renata Rocha vivencia, a cada fornada, os cuidados conscientes para a prática da paciência, acrescida de uma dose de obsessão. “Existe uma busca constante por uma perfeição utópica. Eu tenho um pão ideal na minha imaginação, o que quero comer um dia, e sigo perseguindo esse miolo, essa casca, esse sabor. Não sei exatamente se um dia ele sai, mas a jornada é o que interessa. É preciso ser incansável e ter bastante paciência”, completa. Certa vez li um texto do frei Jaime Bettega, no qual escreveu: “Viver supõe cultivo. As virtudes não nascem do nada, aguardam por investimento e convicção”. Como se fosse uma horta, os cuidados com a paciência não se encerram com uma rega esporádica. Pedem, pelo contrário, atenção plena e dedicação.

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