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Jejum serve para quê?
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Neste artigo:

Provavelmente alguém já indicou o jejum intermitente para você, e todos os dias me perguntam se o jejum funciona mesmo, ou se seria apenas o novo modismo das dietas

Todos os anos vemos quais são os novos modismos que as pessoas aderem por motivos estéticos ou por promessas de fortalecer a saúde, ampliar o foco e a produtividade. Já passamos pela fase do bulletproof coffee, do goji berry, do chá verde, do kombucha, e de muitas outras coisas que podem fazer muito bem à saúde, mas estão longe de ser uma pílula mágica.

No caso do Jejum estamos falando do modismo mais antigo que a humanidade já praticou. Digo que é um modismo antigo porque as pessoas jejuam há milhares de anos por diversos motivos, e o jejum é previsto em praticamente todas as religiões com uma infinidade de objetivos.

Uma sociedade de excessos

A vida “normal” de hoje sempre pende para o hábito de comer demais, pois vivemos em uma sociedade pautada pelo excesso, principalmente depois que a indústria ampliou enormemente a oferta de produtos alimentícios – que estão longe de serem alimentos de fato.

Estamos tão pautados por essa lógica de consumo que padecemos de doenças de excesso, como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e até o câncer pode ser considerado uma doença de excesso na visão do Ayurveda.

Fomos ensinados a ter medo de passar mais de três horas sem comer, com ameaças de fraqueza, mal estar e metabolismo lento.

Então o jejum é parte do Ayurveda?

O Sushruta Samhita, um dos textos clássicos do Ayurveda, escrito há cerca de dois mil anos, recomenda que uma pessoa saudável deve comer, na maioria dos casos, duas refeições por dia, dentro de uma janela de cerca de seis horas, ficando por volta de dezoito horas sem comer entre essas refeições. Além disso, ela deve comer apenas quando está com fome, nunca porque é a hora da refeição ou porque alguém mandou.

Olha só que interessante: enquanto há algumas décadas, de acordo com a nutrição moderna, essa ideia de só comer duas vezes por dia seria considerada um absurdo completo, hoje em dia ela é defendida e até virou moda. Talvez você já tenha ouvido falar nela, mas com o nome de jejum intermitente.

Quem faz atividade física intensa e diária, provavelmente vai precisar comer mais do que as duas vezes recomendadas por dia – e não estou falando de atividade física como ir à academia quatro vezes por semana.

Quem faz atividade física intensa são os trabalhadores braçais, os atletas de alta performance, as pessoas que têm na atividade física a maior parte das horas úteis do dia. Essas pessoas precisam de mais combustível para funcionarem de forma adequada.

Além de naturalmente pregar o jejum intermitente para a maioria das pessoas (mas não para todas, porque as recomendações no Ayurveda dependem sempre das suas características pessoais), vemos indicações de jejum em diversos textos ayurvédicos, inclusive de tratamentos de jejum prolongado para uma grande variedade de doenças. Mas devo dizer que, mesmo tendo morado quase  sete anos na Índia, não vi esse tratamento sendo aplicado.

Isso me deixou tão intrigado que procurei uma clínica na Califórnia que é especialista em jejuns terapêuticos mais longos: a True North Health Clinic. Fui trabalhar lá durante um mês, para entender como o jejum afeta de fato o nosso corpo.

Durante esse estágio, vi muitas doenças que regrediram com a prática do jejum assistida por profissionais de saúde qualificados. Acho incrível quando vejo desenvolvimentos da medicina moderna que acabam por encontrar e validar princípios milenares do Ayurveda. Afinal, antes tarde do que nunca.

Jejum e detox

Acho interessante deixar claro que o jejum na verdade não gera limpeza e nem detox. O melhor jeito para não precisar limpar algo é simplesmente não sujar, e o jejum é exatamente isso: uma ausência de sujar. O nosso corpo é tão incrível que ele aproveita que você parou de sujar, para fazer uma auto limpeza e nós temos diversos mecanismos fisiológicos que promovem esse processo.

O que seu corpo precisa, normalmente, é de uma pausa na sequência de coisas jogadas lá dentro para ele limpar. Em uma analogia simples, você não precisa de detox para limpar o pulmão, você precisa mesmo é parar de fumar.

Jejum como ferramenta de consciência

Recomendo que as pessoas enxerguem o jejum como uma excelente ferramenta de autopercepção. Primeiro, para perceber que se pular o café da manhã você não vai morrer. Você vai perceber que não ficou tão mau-humorado como imaginava, ou tão fraco como temia.

Provavelmente, sentiu um pouco de fome, mas aí já chegou a hora de almoçar. E você sobreviveu à fome, como a maioria dos seus antepassados vêm fazendo há mais de duzentos mil anos. Você percebe como isso pode ser empoderador? Muitas pessoas passam anos comendo sem sentir fome.

O jejum pode ser visto como uma ferramenta de permissão para escutarmos os nossos corpos. A maioria das pessoas está comendo demais e pode ser libertador se dar conta de que você não precisa comer tanto assim. Você tem permissão de observar os sinais do seu corpo e agir de acordo com o que você precisa de verdade.

Parece quase bobo de tão simples, mas se você não está com fome, não coma. Confia no seu corpo. Talvez você passe pela comida, sinta o cheiro, e seu corpo mesmo assim não queira comer. Talvez isso signifique ficar sem almoçar, ou sem tomar café? Não tem problema.

O corpo quando não é alimentado em excesso começa a parar de alimentar excessos dentro do seu sistema. Em alguns casos, isso pode significar parar de alimentar células cancerígenas, parar de alimentar veias entupidas, parar de hiperestimular seu fígado.

Como começar a jejuar?

Como tudo no Ayurveda, depende muito da sua constituição física e do seu estilo de vida. Não farei recomendações médicas sem conhecer o seu histórico. A minha sugestão para você é ter uma conversa com o seu médico ou nutricionista, para entender a possibilidade de experimentar pequenos períodos de jejum, como pular o café da manhã, para aprender mais sobre o seu corpo e a sua fome.

Se você tiver a oportunidade de fazer isso, pode se surpreender positivamente com mais energia e menos fome do que achou que tinha. Você é um sistema complexo e maravilhoso, estude-se!


Sou Matheus Macêdo, primeiro brasileiro a se formar em medicina na Índia com especialidade em Ayurveda no curso chamado BAMS (Bachelor in Ayurveda, Medicine and Surgery). Vivi na Índia quase 7 anos e de lá tive a honra de criar o Vida Veda, um empresa social dedicada a divulgar o conhecimento ayurvédico em língua portuguesa.

Nasci no Rio de Janeiro e hoje moro em Guimarães, Portugal, e percorro o mundo dando palestras sobre Ayurveda e medicina integrativa.

Muito obrigado pela leitura e até a próxima semana!

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