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Sobre o tempo: uma carta de uma artesã a um padre nas redes sociais
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Neste artigo:

Abaixo, a artesã Lu Gastal escreve uma carta aberta direcionada a um padre com mais de 25 milhões de seguidores no Instagram. Após a leitura de um texto publicado na rede social, ela nos convida a refletir sobre a velocidade das relações em nosso tempo presente.

Querido Padre Fábio!

Meu nome é Luciana, mas todos (exceto a mãe) me chamam de Lu. Sou gaúcha de Cachoeira do Sul. Nessa readaptação de pandemia, entre trabalhos, desejos ou desculpas para visitar algo, algum lugar ou alguém, rodo muitos quilômetros por semana na estrada.

Por força das circunstâncias, os destinos mais distantes para onde um avião rapidamente nos desloca foram substituídos por longas horas de estrada, ora de asfalto, ora de terra, de carro ou ônibus. Quando são rolês demorados ou sem pressa, sigo para os compromissos numa kombi chamada Erva Mate (caso tenha curiosidade, adianto: escolhi este nome para o carro porque o chimarrão, ritual desprovido de traduções e extremamente presente por aqui, é composto de erva mate, uma espécie de chá de cor verde e sabor forte).

Não nos conhecemos, mas saiba que integro a legião de pessoas a quem tocas o coração e possibilitas genuínas risadas nas redes sociais. Considero-o um verdadeiro presente em tempos atuais, entre exacerbados índices de chatice, ira e escassos limites nas relações.

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Tocar corações

Procuro me alimentar de conteúdos que tragam boas sensações e é esse SENTIMENTO que me ajuda a enaltecer o amor em meus posts e fotos dentro do meu Instagram. Adoro contar histórias sem palavras e convidar quem por ali passa a imaginar a sua, exatamente como sentia quando criança ao ler gibi sem saber ler, permitindo que a imaginação conte todas as histórias do mundo!

Também adoro usar e abusar das palavras e delas entrego parte do meu trabalho: produzir conteúdos para clientes (leia-se publis) e para mim mesma, nessa segunda opção por livre vontade de compartilhar coisas, lugares, ideias e experiências.

Assim, contabilizo muitos corações conectados nas minhas redes (óbvio que em quantidade infinitamente menor do que nas suas) e penso que, se cada pessoa que por lá passar levar um pensamento gostoso e prazeroso, terá valido a pena!

Reflexões sobre o tempo

Não valorizo números e sim a oportunidade de proporcionar faíscas de bem-estar na vida de alguém. Imagino que sejam constantes suas reflexões sobre o poder que as palavras e o olhar possuem de reverberar coisas boas.

Essa escritora/tricoteira que agora lhe escreve facilmente perde o fio da meada, né? Então, voltando… Ontem “estacionada” na kombi Erva Mate num breve período de férias, postei nas minhas redes sociais uma legenda curta, que falava sobre “DEMORAS e tempos”. Dizia mais ou menos assim:

“Estacionar: parar num lugar, fazer estação, DEMORAR-SE. Cada vez mais o demorar-se faz todo sentido para mim, mas não apenas nessa pausa de final de ano. Demorar-me naquilo que me proporciona boas sensações, onde me sinto em casa, mesmo a 500km distante dela; demorar-me entre quem me recebe e acolhe, escutar o que está me sendo dito sem pedir um momento para responder o whats, demorar-me a curtir os caminhos, demorar-me a amar na vida que escolho viver diariamente. Parece clichezão, e verdadeiramente é, mas para mim faz total sentido”.

Sincronicidades

Algumas horas depois, leio seu post sobre nossas pressas e “não demoras”, sobre as pequenas frações de todos os inteiros que temos perdido pelo caminho. A coincidência mostra o maior e mais verdadeiro #tamujunto dos tempos.

“Não queremos a obra, queremos o resumo. O texto curto é longo demais e não sobrevive à nossa ansiedade de terminá-lo. Passamos por ele sem que ele passe por nós. Da música que achamos bonita, apenas trechos, nunca inteira. Enquanto alguns deseducam a paciência, outros nem chegarão a conhecê-la. Já nasceram sob as regras da abreviação. Estamos indispostos a tudo o que nos pede demora, foco e permanência. O nosso interesse pelas coisas e pelas pessoas dura cada vez menos. Estamos transformando o tempo num aglomerado de frações. A fragmentação nos escraviza, a pressa nos desumaniza. E o pior, sem ninguém para nos ajudar a problematizar a conduta, pois a maioria experimenta do mesmo veneno.” (Trecho de autoria do escritor e padre Fábio de Melo, publicado em seu perfil no Instagram, em 29 de dezembro de 2021)

Por essa exata e pertinente chacoalhada que me deu nos ombros, bem como em outros dias do ano, agradeço! Porque quero me demorar naquilo que fizer sentido e me proporcionar boas sensações, voltar ao hábito de saborear coisas, momentos e pessoas que sinto importante.

Nem sempre é fácil se despir das pressas arraigadas na nossa pele!

Beijos meus, e feliz entrada, que seja um ano repleto de DEMORAS!


LU GASTAL trocou o mundo das formalidades pelo das manualidades. É advogada por formação, artesã por convicção. Autora do livro Relicário de Afetos (Editora Satolep Press), participa de palestras por todos os cantos. Desde que escolheu tecer seus sonhos e compartilhar suas ideias criativas, não parou mais de colorir o mundo ao seu redor.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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