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A grande jornada é para dentro
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Primeiramente gostaria de mencionar que medito por mais de 20 anos. Tenho fases mais disciplinadas, fases menos, fases mais conectadas e fases mais áridas, mas nunca vivi nada igual ou parecido com a experiência do retiro de Vipassana que realizei em janeiro. Vipassana é uma das mais antigas técnicas de meditação da Índia, redescoberta pelo Buda Gotama há mais de 2.500 anos e ensinada por ele como uma opção de cura para males universais por meio da autotransformação. Na prática, o retiro soma 10 dias inteiros, 10 horas de meditação por dia, sem falar, sem ler, sem escrever, sem se comunicar com o mundo externo, sem acesso ao celular, é claro, sem fazer qualquer exercício, incluindo yoga.

Por dois anos ouvia relatos de amigas sobre a experiência, por dois anos senti um chamado para ter essa vivência, mesmo sempre ouvindo que era muito difícil. Eu fui para o retiro sabendo que a escuta e a idealização não se comparam com a experiência na pele e da pele para dentro. Porque o Vipassana é sobre consciência e equanimidade. É uma técnica baseada na auto-observação, na respiração e nas sensações que aparecem no corpo e que não devem ser “respondidas”. Sim, durante a prática, você não reage, não se apega às sensações boas e nem tem aversão as ruins. A ideia é que você não se identifique com elas. O objetivo é observá-las, sem reagir. Tudo para que, com o tempo, você perceba que todas são impermanentes, inconstantes e passam, como tudo na vida.

A rotina no Vipassana

A rotina era assim: acordávamos às 4 da manhã, e às 4h30 se iniciava a primeira meditação de duas horas, às 6:30, café da manhã, a partir das oito da manhã, mais 8 horas de meditação, divididas em blocos até às nove da noite. Confesso que sofri. Várias vezes tive vontade de sair correndo de lá. Entrei com a cabeça a mil, desacelerar e me entregar ao processo parecia impossível. Durante os seis primeiros dias quase desisti.

Estava agitada, meu corpo queimava de dor, as lágrimas caiam sem parar. Era dor física e emocional. Na sexta noite, após 60 horas de meditação joguei a toalha. Decidi que iria embora na manhã seguinte. Não foi uma decisão fácil. Meu ego dizia: “Que vergonha, Ana! Você trabalha com desenvolvimento pessoal, medita por anos… mas não tem resiliência para ficar…você é uma fraude!”. Nem a vergonha me segurava. Entendi que tinha que aceitar minhas condições imperfeitas e que não ia morrer, nem perder o meu valor caso não cumprisse os dez dias.

Nessa noite, além de desesperada, com saudades dos meus filhos e exausta, eu estava morrendo de fome, (pois o jantar era às cinco da tarde e consistia em um copo de leite e duas frutas). Fui procurar a Alice, a gerente do retiro, a única pessoa com quem podia-se falar em caso de necessidade máxima. Estava em uma, não tinha dúvidas. Com muito carinho e gentileza, ela me levou à cozinha e preparou um chá de hortelã e dois pães na chapa com pasta de gergelim.

Gestos que fazem a diferença

Os gestos mais simples são mesmo os que fazem a maior diferença. Nunca vou esquecer esse encontro que fez eu pensar mais uma vez em desistir da minha desistência… e seguir. Confesso que antes de dormir, ainda queria ir embora, mas ao deitar resolvi sair do drama e me questionar sobre o motivo real de eu estar ali, e foi então que eu me conectei com o meu propósito, a razão pela qual eu decidi ir para essa experiência e que nesses primeiros dias se perdeu em minhas emoções.

O motivo reativo impera

Quando acordei, no dia 7, entrei em meditação e pedi um sinal, minhas costas ainda me torturavam e minha inclinação ainda era fugir. Entreguei e recebi. Ganhei insights e durante a prática tive experiências que não conseguiria traduzir em palavras. Ficou claro para mim o porquê de ficar. Nesse momento algo interno mudou. A dor nas costas sumiu. Finalmente eu me comprometi com o retiro e a experiência mudou. Ficou evidente: enquanto não há comprometimento com qualquer tipo de objetivo há o sofrimento e a dúvida, que nos enfraquecem e nos distraem.

Muitas pessoas imaginam que meditar é ligar o aplicativo, fechar os olhos e não pensar em nada. Pode até ser um dos métodos, fato é que em todas as suas versões, a meditação não é tarefa fácil. Você mergulha no silêncio e sem ruídos externos escuta tudo o que acontece em seu mundo interno. No Vipassana, o corpo dói na mesma potência que emoções de todos os tipos vem à superfície, não sobra nada camuflado em você, tudo vem à tona. E quando o incômodo vinha só havia uma opção: respirar, respirar e observar sem julgar, sem se apegar e esperar tudo ir. Foi difícil suportar a mim mesma, os meus pensamentos agitados, o foco no futuro e minhas emoções, mas eu consegui e aprendi.

O dia a dia é o oposto do Vipassana. No dia a dia o modo reativo impera. De maneira geral, reagimos imediatamente ao que a vida nos trás, ao que sentimos, de forma animal e instintiva, muitas vezes de forma impulsiva e descontrolada. Ou, então, usamos distrações para aliviar emoções desconfortáveis.

O modo de sobrevivência

No dia a dia recorremos à distrações, ainda que inconscientemente, para desviar o foco no sentir. Talvez você também já tenha percebido que toda vez que sente algum tipo de incomodo, físico ou emocional, busca por alivio imediato ao se distrair com algo. Pode ser um cafezinho, em um telefonema com um amigo (a), aquela espiada no insta, uma indulgência de comida, o excesso de trabalho, a série da Netflix, ou ainda, vícios mais sérios como o álcool ou as drogas. Qualquer um desses movimentos é uma fuga que te direciona a olhar para o lado errado, que é o de fora e que te leva a se perder de si. Por isso, nenhuma distração erradica o sofrer.

Essa constatação é quase despercebida em estresse, estado normal da vida moderna, em que entramos no modo sobrevivência e não exercemos o que nos diferencia como seres humanos, ou seja, a capacidade de avaliar nossos pensamentos e escolher reagir com empatia, compaixão e sabedoria.

A desconexão

Antes de ir para o retiro eu estava desconectada mas não percebia. Meu olhar era muito mais para fora do que para dentro. Nesses 10 dias transformadores me aproximei de quem realmente sou, deixei de ser uma estranha no meu mundo interior, aprendi a não fugir das emoções ruins e a não me apegar às boas porque, em ambos os casos, o sofrimento é inevitável.

Depois de sentir na pele, posso afirmar que é impossível sair dessa experiência no mesmo modo e mood em que entrou. Sinto os benefícios no dia a dia, em diferentes momentos e situações. Sou grata a mim mesma por não ter desistido. Agradeço às minhas companheiras de quarto Luciana e Celeste. Luciana me inspirou com sua disciplina e Celeste por ter me dado alguns sorrisos de canto de boca, que eu recebi como empatia e sororidade. Talvez ela nem saiba disso…foi espontâneo e incondicional.

Eu saí diferente. Motivada, mais centrada e com a ideia de que quando eu conquisto a mim, sou capaz de conquistar o mundo. E se você estiver se perguntando seu eu cheguei lá? Se eu conquistei a mim mesma, a minha resposta é: não. Mas estou mais próxima de mim do que quando entrei. Caminhei. Estou em movimento evoluindo e isso me faz feliz. Estou comprometida com a minha felicidade e acredito (mais do que sempre acreditei) que o olhar para dentro é o caminho. Em nós mesmos, encontraremos o equilíbrio, a harmonia e as ferramentas para uma vida feliz. Sócrates já dizia: “Conhece-te a ti mesmo e conhecerá o universo e os Deuses”

Sinta

Caso tenha interesse em um take away, digo: faça pausas diárias, medite, observe dentro e fora sem reagir, aprenda a curtir sua companhia e o silêncio. Faça tudo mais devagar e com presença. Sinta mais. Limpe o excesso e fique só com a essência. Tenha coragem de mergulhar sem salva vidas em seu mundo interior. Garanto que você irá sobreviver e iniciar uma nova vida, com consciência, equanimidade e felicidade. Topa experimentar? O retiro é um intensivo muito especial, mas com comprometimento você pode exercitar essa ideia agora já, no seu dia a dia. Que tal?

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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