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Arrisco, logo existo: quando arriscar nada é arriscar (quase) tudo
Samuel Ng
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Em momentos de mudança, somos assombrados por um risco percebido bem maior que o risco real. Silenciamos a ambição em prol do bom senso, acreditando que a inércia é um lugar seguro. Mas, e se não arriscar nada for o maior risco de todos?

Ambição não é ganância

A ambição é – ou deveria ser – flutuante. A busca por realizações, desde as mais superficiais até as mais profundas e autênticas, está ligada ao momento de vida, valores, crenças, necessidades emocionais e aspectos conscientes e inconscientes. A intensidade e a amplitude da ambição, em síntese, dependem diretamente das circunstâncias. Sendo frequentemente mal compreendida como ganância e um impulso egoísta em direção ao sucesso a qualquer custo, tem mais a ver, na verdade, com curiosidade, prazer, propósito e desejo de fazer algo impressionante. Uma vida sem sonhos, afinal, é uma vida estéril.

Roberto Assagioli, psiquiatra e fundador da Psicossíntese, propôs uma visão abrangente da vontade, que transcende a mera determinação ou desejo. Em sua abordagem, a vontade é vista como uma função psicológica capaz de integrar os aspectos mais elevados da mente humana. Ela não apenas direciona a ação, mas também coordena os impulsos, desejos e aspirações individuais em direção a um propósito maior. É como uma força que emerge da aceitação de todos os aspectos da personalidade. Assim, não é apenas uma questão de “eu quero”, mas também de “eu escolho conscientemente”, integrando motivação, intenção e ação de forma paciente, perseverante e benéfica.

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Nem sempre sabemos o que estamos buscando

Falando de escolhas, certa vez participei de um retiro de Vipássana no interior da Alemanha em busca de me interiorizar pela prática do silêncio e da meditação. Tudo acabou saindo bem diferente do esperado: detestei a rotina regrada da imersão, fiquei ressentida com a súbita perda de autonomia, e tive pensamentos persecutórios com todos que me cercavam – até das vacas soltas senti raiva. Nem sempre quem procura, acha. Após alguns dias infernais, fui convidada a me retirar devido à uma tosse incessante que, pelo visto, também estava provocando o inferno alheio. Fui para uma pensão num vilarejo próximo, derrotada e aliviada ao mesmo tempo. Lá, vencida pela realidade, fui convidada para participar de um funeral (!). E ali, no jantar dos enlutados, sem nenhuma palavra sendo dita, tive enfim a sensação de comunhão e paz que tanto ansiava. Por vezes, o que estamos buscando também sai para nos buscar.

Ter clareza dos nossos anseios mais genuínos, cultivando uma ambição saudável, pode nos tornar mais impermeáveis às frustrações temporárias, com capacidade de persistir diante dos desafios. Esse foi o caso de Saburo Kobayashi, japonês que conduziu a pesquisa para invenção do AirBag na Honda. Apesar de todos os seus colegas executivos serem contra o projeto, taxando-o de louco durante 16 anos (com a única exceção do fundador da Honda), Kobayashi permaneceu fiel ao seu chamado de buscar soluções para reduzir as mortes provocadas no trânsito. Seu vigor, propósito e compromisso com o serviço sustentaram a sua ambição idealista. A paixão com o nobre projeto o arrebatou de tal forma que se esqueceu de patentear a invenção. Após arriscar a carreira, a reputação e um longo tempo de vida investido no escuro, teve o seu trabalho reconhecido e copiado por toda a indústria automobilística.

Como arriscar e ter uma ambição saudável?

Nutrir uma ambição saudável é cultivar o risco inteligente. É desenvolver uma sabedoria estratégica, e até mesmo aprender a lidar com a inadequação social por um tempo – ou para sempre, em muitos casos. Ser verdadeiramente ambicioso requer tanto imaginar o que ainda não existe quanto criar caminhos nesta direção, para que então se torne realidade. É uma trajetória que pressupõe fé, coragem e disponibilidade para agir de forma menos domesticada. Evoca a visão de longo prazo e objetivos significativos no lugar de ganhos imediatos.

Em suma, arriscar (quase) tudo em prol da ambição convicta não oferece garantias. Pode nos falir, nos desiludir, nos envergonhar, nos isolar. Também é capaz de nos fazer regredir, nos inviabilizar, nos enlouquecer. É perigosíssimo. Contraindicado. Deveria ser ilegal. Proibido. Mas também é o que nos salva da estagnação, da obsolescência, e do tédio. Da morte em vida. Como dizem alguns cabalistas, primeiro a gente caminha e só depois, bem depois, o mar se abre. O resto é silêncio.

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