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Sou menos consumista após diferenciar o querer e o precisar
Diferenciar querer e necessidade é uma forma de praticar o consumo de uma forma consciente. (Foto: arquivo pessoal)
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Uma vez ouvi de uma amiga uma frase que me marcou. Era mais ou menos assim: “depois que a gente vê algo, não dá para ‘desver’”. Interpreto o que ela disse da seguinte forma: quando tomo ciência de um fato, passa a ser de minha responsabilidade como vou lidar com o que passei a enxergar.

Posso ignorar, fingir que não vi e seguir em frente — sendo sempre uma opção mais cômoda. Por outro lado, é também um caminho sem evolução pessoal, a meu ver.

Ou, ao ter consciência de algo que antes não sabia ou não percebia, passo a enxergar as coisas sob uma perspectiva diferente. E é preciso lidar com esta mudança. E mudar nem sempre é fácil ou confortável.

Trago esse aprendizado antes de realmente entrar no que vim compartilhar aqui nesta coluna, pois foi bem isso que me aconteceu uma década atrás.

Entre um segundo e outro da minha vida, num dia qualquer, passei a ver a diferença entre “querer” e “precisar” no consumo. E, desde então, não pude mais “desver”.

A viagem que me levou a viver com uma mala

Fazia 365 dias exatos que eu havia embarcado numa volta ao mundo com meu marido. Um ano vivendo em diferentes cidades enquanto filmávamos nosso primeiro projeto juntos, A Volta ao Mundo em 80 Videoclipes. Ainda não conhece? Então venha assisti-la no nosso canal do Youtube.

A totalidade dos meus pertences cabia em uma mala de 23 kg, uma malinha de mão e uma mochila.

E, naquela altura da viagem, já estava mais que acostumada com aquela realidade — que era 100% diferente da que eu tinha antes de iniciar essa aventura.

Ao longo da viagem, havia descoberto em mim a capacidade de ser minimalista — algo que nunca havia almejado, mas que se mostrava uma forma extremamente viável e prática de se viver.

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Em estado de consumista

Após um intenso ano usando e abusando das mesmas roupas que carregava na bagagem e usando da minha criatividade para criar combinações diferentes entre as peças de sempre, o inevitável aconteceu: o meu único tênis cedeu, ganhando um buraco enorme que impossibilitava seu uso.

Por sorte, isso aconteceu bem na época em que estávamos em Nashville, nos Estados Unidos. Digo sorte, pois sabia que, para encontrar um novo par com custo acessível, bastava uma simples ida a um shopping norte-americano qualquer.

E lá fomos nós. Mal sabia eu que, uma hora depois daquela ida ao epicentro do consumo, minha visão de mundo mudaria.

Uma epifania me trouxe à realidade

Rapidamente encontrei meu calçado. No caminho para saída do shopping, fui seduzida pelo canto das sereias fashionistas e, quando dei por mim, estava dentro de uma loja de roupas escolhendo peças novas — ato que eu não fazia há muitos meses.

Meu corpo estava tão imóvel quanto os manequins que me cercavam enquanto eu contemplava aquele mar de possibilidades têxteis, sonhando em me dar um banho de loja imediatamente.

Mas minha cabeça estava a mil. Olhava uma blusa e pensava: “quero”. Uma jaqueta chamava a atenção e eu sentia: “quero”. Shorts, calças, saias, vestidos: “quero, quero, QUERO!”

Foi aí que, no meio deste frenesi consumista, uma pergunta surgiu na minha mente como um balde de água fria. Um questionamento que me fez ver o que aquela descarga de dopamina estava mascarando.

“Eu PRECISO de peças novas?”

O abismo entre querer e precisar

A resposta foi automática. “Não. Não preciso.”

Ao pensar nas peças que estavam na minha mala, de fato não precisava. Tinha três calças em ótimo estado, shorts que gostava, blusinhas lindas, jaqueta jeans, casaco para frio… Precisar mesmo, eu não precisava de nada.

O que estava batendo em mim naquele momento era desejo. A sedução por ter itens novos me fez ignorar totalmente o fato de que não havia necessidade real de tê-los.

Foi naquele instante que passei a ter consciência de que vontade e necessidade são coisas distintas e entendi o abismo que existe entre querer algo e realmente precisar. Para mim, foi uma constatação transformadora para o meu consumo.

Consciência para viver numa cultura consumista

Desde então, sempre que me pego numa loja ou site com promoções e estou quase fechando o carrinho para aproveitar os descontos, me pergunto: eu realmente preciso disso que estou querendo comprar?

Sinceridade é peça chave nesse diálogo interno, pois, como disse, mudar não é fácil nem confortável. E convenhamos: é muito mais gostoso ignorar nosso lado racional que nos diz que não precisamos de nada para se jogar nas coisas novas, gerando aquela sensação momentânea de prazer.

Mas é mais fácil do que parece ser realista. Basta parar um instante e pensar com franqueza: quero ou, de fato, preciso?

Mais consciência, menos impulso no consumo

Passei assim a ver que preciso de menos do que eu achava que precisava. Também comecei a dar mais valor ao que já tenho. E comprar algo novo se tornou um ato consciente, pontual e, de fato, especial.

Neste fim de ano, momento em que as promoções e os desejos de compra parecem nos impulsionar ainda mais a encher carrinhos sem pensar, te convido a parar para se questionar: você precisa mesmo ou apenas quer?

Espero que com a resposta você se sinta mais presente e repense o porquê da sua próxima compra. E, quem sabe, essa simples pergunta possa te trazer mais leveza e um consumo consciente.

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Diana Boccara compartilha mais sobre viver com menos em seu livro “Mínimo Essencial”. Há quase uma década vive na estrada com seu par de malas, acompanhada pelo seu marido Leo Longo, com quem divide seus dias e o trabalho no duo Couple of Things. Filmmaker e minimalista, vive pelo mundo filmando séries como “What If Collab” (disponível no Amazon Prime Video), ABITAH e “A Volta Ao Mundo em 80 Videoclipes” (ambas disponíveis na Globoplay). Suas histórias já foram contadas nos palcos do TEDx e SXSW. No instagram, o casal divide um pouco mais dos bastidores de uma vida itinerante. E aqui na Vida Simples, eles compartilham aprendizados que uma vida com menos excesso lhes trouxe.


Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Vida Simples.

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