COMPARTILHE
Separados pelo WhatsApp: o paradoxo da hiperconveniência
(FOTO: UNSPLASH)
Siga-nos no Seguir no Google News

Sendo uma ativista autodeclarada da vida semi-analógica, reconheço que tenho meus vieses vingativos contra o excesso de conectividade. Como qualquer militância inflamada, há um certo ressentimento disfarçado de luta nobre. Mas, depois de anos interpretando o papel de Eremita Digital, acabei cedendo à inevitável adesão ao WhatsApp e à “WhatsApplândia”. Saí do Jurassic Park direto para a selva digital que sempre temi. E, para minha surpresa, precisei de um novo letramento social. Agora, com conhecimento de causa, meus preconceitos foram, em grande parte, revalidados.

O excesso de acesso e as respostas rápidas corroem o tempo, a profundidade e a autenticidade das interações.

Fugir da McComunicação? Impossível. E agora, Wi-FI?

Se você já abriu o WhatsApp e encontrou 357 mensagens em um grupo que deveria apenas organizar o rolê do final do ano, sabe do que estou falando. Se há uma virtude nesta ferramenta, é ter nos tornado democraticamente parte do mesmo proletariado: finalmente somos todos um, sem a liberdade da pausa, presos em um estado de permanente servidão. Estamos conectados, mas não presentes, despejando emojis, memes e correntes sem considerar o impacto, como o descarte de plástico nos oceanos.

Com a hiperconveniência, o hiperindividualismo. E a exaustão.

Estamos vivendo em “modo avião”, sem escuta para o que vem do outro ou energia para dedicar tempo ao que não é nosso. Ainda assim, paradoxalmente, exigimos imediatismo e disponibilidade alheia. Conveniência e velocidade passaram a valer mais do que cuidado e escuta. Nesse estado de existência “cronicamente online” (como bem descrevem os psicanalistas de Vibes em Análise), a ponderação parece uma espécie de mico-leão dourado: rara e em perigo de extinção. E, em meio à imposição da instantaneidade, transformamos nossas vidas em lojas de conveniência 24/7.

‘Não escuto áudios longos’

O que isso revela sobre nossa intolerância contemporânea?

As idiossincrasias do uso do WhatsApp – como a rejeição a áudios, a preferência por mensagens curtas ou o bloqueio imediato de contatos inconvenientes – são sintomas de um egoísmo naturalizado. Queremos conveniência, mas apenas para nós mesmos. O outro é – na melhor das hipóteses, um acessório descartável. O WhatsApp virou uma espécie de chupeta para adultos, mantendo-(n)os anestesiados, sob controle e distraídos do que realmente importa. Mas nem tudo é perda. Confesso que há algo de confortante em corações coloridos e emojis fofos, na vibe dos Ursinhos Carinhosos e dos cadernos de infância. Ruim não é.

Leia mais
Como evitar o vício em telas em um mundo hiperconectado
Vício em redes sociais: como usar o seu celular de maneira inteligente
Encantos e desencantos do avanço da tecnologia: para onde vamos?

O incômodo não é novo

Nosso desconforto com a velocidade da comunicação não é exclusividade do mundo digital. No século passado, o telegrama também causou estranhamento (jovens leitores, pesquisem no Google). Antes disso, as cartas manuscritas nos davam tempo para decantar ideias e revisar pensamentos. Havia o ritual de passar as palavras a limpo – e, com elas, os sentimentos. Hoje, quem ainda pede tempo para pensar antes de responder?

Assim como antes se fumava em aviões e consultórios médicos e se entupia crianças de açúcar, hoje nos intoxicamos com notificações e mensagens incessantes. De brigadeiro em brigadeiro, de mensagem em mensagem no WhatsApp, nos viciamos na hiperconveniência, sem refletir sobre o preço das coleiras digitais.

Em busca de uma vida menos heavy mental

Epicuro dizia que a filosofia deve ser prática e capaz de transformar o modo como vivemos. Para ele, uma vida boa é feita de prazeres moderados e tranquilidade (ataraxia). Nós, no entanto, confundimos prazer com velocidade e conexão com quantidade. A proximidade física ou digital não garante vínculos reais; muitas vezes, até os fragiliza.

O que realmente nos conecta?

A nostalgia excessiva é uma espécie de covardia que evita lidar com a complexidade do presente. Talvez seja hora de parar de romantizar o passado e enfrentar a urgência de um novo pacto com a contemporaneidade (estou tentando me convencer disso, apostando no que a Física Quântica diz sobre o observador alterar o objeto observado).

A verdadeira conexão não está em estar sempre online, mas em estar verdadeiramente lá — com o outro, com nós mesmos. Aprender a dizer ‘não’ ao WhatsApp pode ser um ato revolucionário, um pequeno grito de liberdade em meio à ditadura da hiperconveniência.

Que este ano seja realmente novo: um ano de silêncio mais eloquente, de pausas mais significativas e de conexões que importam. Que saibamos colocar no mudo não apenas os aparelhos, mas também a pressa, o excesso e o ruído. Afinal, a (r)evolução começa com escolhas simples — como abrir espaço para o que nos torna verdadeiramente humanos. Emojis podem esperar; a vida não.

➥ LEIA MAIS DE PATRICIA COTTON
Assumir que temos preconceito é o início de uma bela caminhada
Despertar para a essência exige tempo e dedicação
Estamos impregnados de futuro, mas de qual?


Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Vida Simples.

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário