Quem manda aqui?
Uma reflexão sobre o uso das redes sociais e seus riscos

Faz um tempo que escrevi um texto sobre o uso do álcool e a transformação de uma nova geração que parece ter menos inclinação para a bebida do que as mais velhas. Nele, também citei que a OMS (Organização Mundial da Saúde) não considera haver um nível seguro para a quantidade mínima de consumo álcool. Mas agora me pergunto: será que considerar que não há uso seguro para redes sociais seria um exagero? O tempo dirá, mas acho prudente encarar o excesso de telas como algo preocupante, como algo grave que assola a sociedade nos dias atuais.
Síndrome de ‘brain rot’
Tive meu tempo de leitura e minha frequência de escrita massacrados pelo uso do celular, além de minhas noites de sono perderem qualidade. Durante muito tempo, graças a técnicas de respiração, meditação e outras práticas que cultivo e ensino, desfrutei de uma mente repleta de insights, ideias e soluções para problemas. No entanto, para minha surpresa, vi minha mente começar a ser devorada pelo efeito nocivo das rolagens intermináveis dos feeds. Uma verdadeira lástima!
Vim a descobrir que não sou o único e há um termo para este fenômeno chamado de brain rot, termo de Henry David Thoreau do século 20 repaginado para atualmente para descrever a sensação de que o cérebro está sendo prejudicado ou “apodrecendo” devido ao consumo excessivo de conteúdo fraco. Como será que isso começou?
Algo que não conseguimos deixar de ver
Antes de entrar para a área de qualidade de vida e bem-estar como professor do DeRose Method, eu era da área de T.I. (tecnologia da informação), no tempo em que ainda se chamava de “informática”. Logo, desde muito novo, estive imerso no ambiente de tecnologia. Assisti ao surgimento da internet e sua utopia de mundo conectado onde “todos falariam com todos” em um mundo sem fronteiras. De uma cadeira privilegiada assisti ao que veio a se popularizar como globalização.
(Foto: Dall E) Redes sociais chegaram para impactar nossa vida
Chegaram as redes sociais ancoradas em corporações imensas apelidadas de “bigtechs”, que no seu surgimento nos prometiam uma internet livre com interação global no qual teríamos o mundo todo, onde todo mundo estaria a um só clique. Foi um período no qual acreditou-se que regimes autoritários cairiam, já que as pessoas estariam interconectadas e o fluxo de informações fluiria sem barreiras.
O antigo sistema global parece ruir, a aposta não se consolidou e o que manteve-se do que se chamava de “livre” hoje sofre com o uso manipulado dos anúncios, dos grandes interesses corporativos, das denúncias interferências em eleições, fake news… Criou-se um ambiente tóxico de persuasão e coerção.
O fato é que a internet daquela época não existe mais. Em uma busca desesperada por regulação, o mundo assiste, perplexo, aos governos tentando lidar com as gigantes da tecnologia e seu poder quase ilimitado sobre a mente de bilhões.
Trecho do post no instagram da professora do DeRose Method Alê Filippini:
“Quando alimentamos nossa mente com ‘fast food’ digital e deixamos de lado o que realmente nos nutre.”
O uso do “algoritmo”, que teria a inteligência de entregar o que o usuário quer, antes visto como algo inovador, hoje parece tomar ares de vilão. Há muita gente capacitada para aperfeiçoar sistemas de coleta de dados e seu processamento para satisfazer o mercado de anúncios e lhe entregar aquilo que você “quer ver” e como resultado engaje e consuma. Uma análise gigantesca de dados é feita por meio da investigação de suas buscas na internet, de suas preferências de consumo, do que você diz perto dos aparelhos captados pelo microfone, do que você digita em mensagens mesmo em chamadas privadas e muitas outras.
Como resultado, a rede social entrega mais daquilo que você quer, algo que parece bacana não é mesmo? Mais do que aquilo que queremos, o sistema trabalha para trazer algo que não conseguimos deixar de ver, impossível de largar, irresistível, algo extremamente viciante e aprisionante. E como resultado gera compulsão.
Mexo no celular o dia todo, mas nunca viciei…
No fundo, todos temos a sensação de que estamos no controle. Alguns dirão: “Calma, não é bem assim, não seria um tom meio apocalíptico? Eu estou no poder, basta não usar, não mexer, não ligar.” Mas quem o faz? Quem se dá conta e cessa? Quem nunca se viu ansioso ou estressado por não ter como carregar um aparelho? Por que ele é o último que vê o seu rosto antes de dormir e o primeiro ao acordar todos os dias? Até ao banheiro você o leva… não é mesmo? Um aluno me confessou que de vez em quando assiste vídeos em seu celular impermeável enquanto toma banho!
(Foto: Dall E) Vício em celular afeta o bem-estar
Que tal pensar que sim, há riscos! Não há tempo seguro no uso do celular e das redes sociais. Sabe qual a média de rolagem do feed, segundo um artigo científico chamado Inside the funhouse mirror factory: How social media distorts perceptions of norms? Segure-se na cadeira: 300 pés, aproximadamente 100 metros! Isso mesmo, 100 metros de média por dia de scrolling na redes sociais. Já segundo Maria Alvarez, diretora da Common Sense Media, citando uma pesquisa do próprio google, o estadunidense em média checa seu celular em torno de 150 vezes por dia.
Mara Carneiro, professora no MBA na FIAP, me revela que o uso do celular é um grande empecilho para quem quer reduzir o hábito prejudicial da multi tarefa (multi tasking). Um aluno confessou a ela: “Professora, gasto em média 3 horas por dia um uma famosa rede social. Fico exausto mas não consigo reduzir!”
“É assustador ver profissionais, gestores e gestoras reféns do consumo de conteúdo desenfreado de redes sociais e hiperconectividade.”
Viajando pelo mundo o cenário é o mesmo, massas de cabeça baixa consumindo conteúdo em seus celulares, curiosamente em São Paulo, onde vivo, vejo a violência ser um atenuador do uso do mobile. Muitos evitam portar o aparelho em vias públicas, mas, em contrapartida, aumentou-se o uso de fones de ouvido. Pessoas caminham com seus fones bluetooth, alienadas do espaço ao redor, dos sons do ambiente, completamente fechadas em si mesmas.
Tudo isso não é à toa. Tenho uma lista aqui de vídeos no YouTube interessantes, podcasts imperdíveis, novas Inteligências Artificiais, publicações no Facebook e Instagram incríveis, vídeos curtos no TikTok que ensinam tanto em tão pouco tempo e perfis interessantes para seguir no LinkedIn, que podem impulsionar sua carreira. Quanta coisa ainda ficou de fora não é?
Não dá para negar que minha experiência gamificada no aplicativo para aprender idiomas é muito mais envolvente do que as velhas apostilas do meu curso de chinês, baseado em vídeos dos anos 90. Mas o fato é que, quando uso o aplicativo cheio de missões e recompensas antes de dormir, meu sono é pior do que quando faço meu treino de hanzis (caracteres chineses) com lápis e papel!
Não há dose de contato com redes sociais sem risco
É óbvio que os avanços tecnológicos são espetaculares, e viver sem eles seria, para muitos, inviável. No entanto, a tecnologia deve ser usada com responsabilidade e consciência dos riscos que traz. O desafio não é demonizar as redes sociais ou a tecnologia, mas reconhecer que elas carregam perigos reais. Assim como acender o primeiro cigarro ou tomar o primeiro gole de álcool, há riscos desde o início. O uso excessivo pode nos levar a perder o controle, mesmo que pareça inofensivo no começo. O ópio, por exemplo, é super prazeroso — se você provar, vai amar! (contém ironia).
Insisto, não há dose de contato com redes sociais sem risco. Hoje, os malefícios podem parecer sutis: uma noite mal dormida, a sensação de tempo perdido ou a dificuldade de encarar os próprios pensamentos. A dopamina e a fuga da realidade proporcionadas pelas redes podem até parecer compensadoras, mas o custo para a saúde mental é real. O tempo dirá se isso é exagero, mas fica o alerta: olhe para si mesmo. Regule-se com atividades ao ar livre, conversas offline, práticas de respiração, meditação ou ajuda profissional. Não subestime isso. Não banalize algo que pode ser mais sério do que imagina. Evite tornar-se parte das estatísticas que, no futuro, podem comprovar o quão prejudiciais essas ferramentas são.
O tempo que desaparece enquanto você “passa para cima” não volta mais
A chave está em responder a uma pergunta simples: Quem manda aqui? A tecnologia deve servir a você, e não o contrário. É essencial usá-la com consciência, autorregulação e, acima de tudo, sem perder de vista o que realmente importa — a conexão consigo mesmo e com o mundo ao seu redor. Como Thomas Levin, da Universidade de Princeton (citado no episódio Desconectar é Preciso, do Expresso Futuro com Ronaldo Lemos), questiona: como criar usuários adultos mais responsáveis e conscientes, que não se deixem manipular por ela? O futuro nos dirá o impacto dessas escolhas, mas, por enquanto, a responsabilidade é pessoal. Cuide-se, pois o tempo que desaparece enquanto você “passa para cima” não volta.
Na próxima coluna vou trazer ferramentas e dicas simples para ajudar você a trazer uma gestão melhor das redes sociais e uso de tela! Agora larga esse computador e vai fazer algo longe das telas!
No próximo artigo vou compartilhar ações que tomei para enfrentar essa batalha. Escreva nos comentários se as redes sociais também têm lhe afetado para além da conta.
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