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O tempo das coisas está desalinhado com o tempo das pessoas
O tempo das pessoas está tomado pelo tempo das coisas; a colunista Ana Holanda questiona: "será que não seria hora de desacelerar?"(Foto: Luis Villasmil/Unsplash)
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Neste artigo:

Mamãe fez uma cirurgia. Catarata. É algo simples. Mas entre chegar ao centro cirúr­gico e ter alta são cerca de três horas.

A sala de espera era grande. Havia muita gente aguardando o retorno de alguém da cirur­gia. Da poltrona, podia ver algumas pessoas trabalhando, muitas entretidas com o celu­lar e algumas conversando. Entretanto, vez ou outra, alguém fazia uma reunião online.

Esse era o caso de um homem de cerca de 40 anos, cabelos curtos e castanhos, ca­misa polo, calça jeans e notebook no colo.

Mesmo sem querer, enfim, acabei participando da conversa, por conta da proximidade. Pare­cia um plano para lançar uma candidatura para alguma organização.

Em um determi­nado momento, a recepcionista anunciou em tom alto: “acompanhante da senhora xis”. Silêncio, todavia, seguido de uma nova tenta­tiva, agora como um grito. “Acompanhante da senhora xis!!!!!!”.

Foi quando o homem da reunião online respondeu aos berros: “Sou eu, já vou!!!!”. Volta para a reunião. Si­lêncio na tela. E segue, num tom de quem foi perturbado por alguma inconveniência: “Retorno em no máximo meia hora. Vou re­solver isso e já volto”.

Quem controla o tempo são as pessoas

“Isso” era a pessoa que ele estava acompanhando. O homem fechou a tela do computador exasperado, enfiou-o na mochila e saiu irritado.

Pensei nele falando apressado com a se­nhora xis, forçando um ritmo rápido e difí­cil para quem acabou de fazer uma cirurgia nos olhos, chegando em casa e a largando no sofá porque precisava terminar a reu­nião sobre a formação da chapa.

Senhora xis está em um dia de fragili­dade. Dia de aquietar. De entender que a gente não tem toda a força que supõe. Quebramos. Nosso corpo dá sinais de fa­lhas.

Consertamos, mas o organismo não funciona na lógica do trabalho, e sim em um tempo que é só dele. Entretanto, aqui­lo que fazemos para sobreviver ganhou um peso maior do que viver.

Aprendendo a valorizar o ritmo das pessoas

Finalmente, cheguei em casa já de tardezinha. Pre­parei para mamãe um prato de comida, pinguei a medicação em seus olhos e a deixei deitada.

Estou, aos poucos, apren­dendo a realinhar a lógica da vida em mim. As reuniões podem esperar, os textos, as obrigações. Mas as pessoas que amo, não.

Mamãe, naquele dia, precisava de uma mãe. Ela tinha a mim, sua filha.

Lidar com o cuidar não só da minha mãe, mas também do meu pai, tem me ajudado a reposicionar urgências.

A do momento é ser para eles o que sempre foram para mim. Amor.

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Conteúdo publicado originalmente na edição 273 da Vida Simples

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