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O melhor bife à milanesa da vida
Nikolay_Donetsk | iStock
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Minha mãe faz o bife à milanesa mais gostoso que já comi. Eu cresci a vendo fazê-lo, passo a passo: a maneira como misturava os ovos, como empanava os bifes. Fatias finas de filé de frango ou de mignon.

De vez em quando, ela me permitia misturar os ovos, ou empaná-los. Mas nunca fritá-los. Quando ela estava distraída, roubava algum, bem pequenino, da travessa – e antes de irem para a mesa.

Enquanto escrevo este texto chego a me sentir novamente na cozinha da minha infância, da efervescência do lugar, dos cheiros e dos barulhos. Da minha mãe sempre nervosa, aflita, dizendo que estava atrasada e que, de alguma maneira e de alguma forma, eu a estava atrapalhando.

Minha mãe nunca foi de palavras doces, generosas ou acolhedoras. Se um bife queimava, eu sentia que, talvez, a culpa tivesse sido minha. Talvez eu a tivesse distraído com minhas perguntas, com minha presença.

E ela, por sua vez, não tentava amenizar meu sentimento. Me olhava sempre duro, tinha sempre uma crítica na ponta da língua direcionada para mim. Demorei muito tempo para entender que, ao cozinhar, minha mãe demonstrava amor, um sentimento que ela não sabia como expressar.

Mas, claro, para mim, era difícil viver isso, esperar por um abraço, um afago, um carinho, que muitas vezes não vinha.

Anos depois, com meus 30 e poucos anos, minha mãe teve um aneurisma e, de certa forma, flertou com a finitude da vida. Depois disso – e durante seu período de recuperação – algo nela mudou.

Ela começou a falar e não parou mais. Começou a falar que me amava. Só que eu, estranhamente, não sabia como receber o carinho. Ficava parada, ouvindo, esperando que em algum momento ela iria me jogar aquele olhar de repreensão e crítica com o qual eu já estava tão acostumada.

O tempo passou e os netos chegaram. Clara e Lucas, hoje com 10 anos, vieram como uma força de vida para minha mãe e para o meu pai. Lucas adora o bife à milanesa da avó. Então, toda vez que vai almoçar na casa dela (o que acontece umas duas a três vezes por semana), ela o faz para ele.

No começo, todo esse mimo me irritou: “mãe, para de fazer bife à milanesa pra ele. Vai mimá-lo”. Mas ela sempre teve a resposta pronta: “Ah, filha, ele gosta tanto”.

Só que aquela atitude foi me incomodando cada vez mais. Até que entendi que estava com ciúmes: do amor, da atenção, do mimo. Eu queria aquilo para mim. Queria chegar em casa – sempre quis – e encontrá-la sorrindo para mim.

Num primeiro momento, fiquei tão mal por me sentir assim, enciumada. Até que me dei conta de que ela estava, do jeito dela, se refazendo, encontrando novos caminhos e maneiras de amar.

Uma segunda chance de vivenciar o amor de uma criança. E então percebi que não era só ela quem precisava se dar uma nova chance. Eu também. Por ela e por mim.

Na semana passada, ao ir com meus filhos almoçar na casa dela, vi os bifes a milanesa na mesa e, ao invés de reclamar, elogiei: “que bom que você fez esse bife, mãe. Eu adoro. São deliciosos”. Ela sorriu. Eu sorri. E nos sentamos para saborear o melhor bife a milanesa da vida.

Juntas.  Nos dando a oportunidade de aprender uma nova forma de se relacionar, com mais amor e tolerância pelo que fomos e por quem nos tornamos.


Ana Holanda é editora-chefe da revista Vida Simples, autora dos livros Minha Mãe Fazia e Como se Encontrar na Escrita, ambos da Rocco. Gosta de cozinhar e de escrever, sua maneira de estar no mundo e de lidar com seus sentimentos mais profundos. Escreve mensalmente nesta coluna. 

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