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Medo da inteligência artificial? A maior ameaça está na estupidez natural
Amir Geshani
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A onda crescente de discussões ligadas à inteligência artificial (IA) tem colocado luz no que parece ser inevitável: a imposição do avanço da tecnologia – apesar das reticências e resistências -, com a possível alteração dramática do rumo da humanidade. Neste contexto, fica o questionamento: como ter profundidade em um mundo raso e imediatista, cuidando do que está ao alcance, ou seja, da nossa estupidez natural?

Críticas à inteligência artificial e a qualquer nova tecnologia

Da fascinação pela chegada do novo ao cultivo da nostalgia, vivemos de certa forma uma repetição, só que em maior escala, do que foi experimentado há alguns séculos quando as máquinas a vapor e a eletricidade surgiram. Conversar com o Chat-GPT para se obter respostas é sem dúvida uma interessante possibilidade contemporânea, mas o brilhante prefácio do I-Ching escrito por Carl Gustav Jung, perguntando ao Oráculo sobre o prefácio que iria fazer sobre esse mesmo livro, (ainda) me arrebata mais. As sábias respostas dadas pelo livro ganharam robustez ao serem genialmente interpretadas pelo perspicaz analista suíço.

Tem-se dito que as habilidades desejadas até o século XX – como disciplina, hierarquia e previsibilidade -, já não funcionam no volátil e incerto XXI, que demanda competências como resolução de problemas complexos, flexibilidade cognitiva, inteligência emocional e criatividade. À luz disso, como podemos nos deslumbrar tão facilmente com uma ferramenta que cria textos num cenário em que lemos cada vez menos, e ainda temos dificuldade em compreender enunciados como o da redação do ENEM?

Há muitos anos, viajei para Tóquio e fiquei bastante impressionada com a predominância de referências culturais ligadas à Hatsune Miku, ícone virtual japonês que havia se apresentado em vários shows como projeção em 3D. Na época, achei que aquela diva androide – cultuada como o Mickey na Disney ou a Xuxa nos anos 80 – estava muitíssimo distante da realidade dos demais terráqueos. Ledo engano. Nos dias de hoje, tenho a impressão de que a pirâmide de Maslow, também conhecida como Teoria das Necessidades Humanas, precisaria incluir o Wi-Fi na sua base (alerta ironia).

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Não subestime o que nos faz humanos

O anseio de ultrapassar fronteiras e limites humanos, acessando o que é inconsciente, misterioso e invisível, sempre nos mobilizou. Ora chamamos o alvo do nosso interesse de Lua, ora de Marte, ora de Alexa. Mas, para que qualquer avanço tenha valor no longo prazo, é preciso levar em conta a nossa atemporal e impermeável necessidade de conexão, pertencimento e segurança. Tão válido quanto considerar o que está mudando, é olhar para o que permanece intacto em nós.

Certa vez, passei uma temporada num apartamento sem eletricidade em Berlim. Apesar do inconveniente inicial, me “desligar” ao chegar em casa se revelou uma deliciosa experiência. Tomar banho à luz de velas, aguçar outros sentidos, acordar com a luminosidade, e conviver com o celular sem bateria, me colocou em contato com novas e criativas rotinas. Depois de estranhar, me acostumei, e até gostei, preservando hábitos daquela época até hoje. No escuro, aprendi a ver.

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A estupidez que nos une

Assim como a eletricidade foi a principal infraestrutura do século XX, o digital será a do XXI. Podemos viver melhor com as suas conveniências, mas é preciso também calcular as inconveniências e perdas. Ao apostar na inteligência algoritimizada, não podemos esquecer que a desobediência intencional ao que é prescrito pelo meio no qual vivemos (ainda) é uma escolha. O direito à privacidade, à desconexão e aos diálogos analógicos também são uma possibilidade legítima, e até uma espécie de despertador social.

Em meio a tantas transformações, a capacidade humana de amar, de cuidar, de acolher, de criar, de partilhar, de reunir, de interpretar e de regenerar merece ser preservada como o nosso maior tesouro. Apesar dessas potências, seguimos vivendo num mundo em chamas, ardendo em nossa pressa sem sentido, ganância descontrolada, consumo irresponsável e intolerância medieval, distraídos pelas dancinhas virtuais mostradas nos espelhinhos brilhantes trazidos pelos nossos atuais colonizadores: as big techs. Como dizia Nelson Rodrigues, invejo a burrice, porque é eterna.

Dicas para combater a sua, a minha, a nossa estupidez natural

  • Cultive rotinas não repetitivas, e lembre-se de que não é um robô, mesmo agindo como tal.
  • Busque um repertório vasto, variado e não óbvio: a sabedoria costuma estar no inusitado
  • Refresque seu olhar: confira o projeto Diálogos no Escuro.
  • Converse com o seu corpo quando cansar do ChatGPT. Surpreenda-se com esse sábio oráculo.
  • Busque a McFelicidade: basta embelezar, e emburrecer. Rs.

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