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Livro fala sobre viagens transformadoras sem misticismo
Precisando se encontrar, Bárbara faz diversas viagens e escreve livros sobre a experiência (Foto: Arquivo pessoal)
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Bárbara tinha acabado de chegar ao aeroporto. Correu até o balcão de check-in para pegar o cartão de embarque, mas a atendente não conseguia localizar seu nome. Então ela repassou todas as informações: CPF, data de nascimento, nome completo… Nada!

Quem sabe se tentassem mais uma vez, pesquisando pelo destino. Acontece que Bárbara tinha todas as informações sobre sua vida até aquele momento — sobre o que viria a seguir, ela não fazia ideia. Sem saber para onde ir, não ganhava cartão de embarque. Sem cartão de embarque, não sairia do lugar. E tudo o que ela precisava era sair imediatamente de onde estava.

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O roteiro de vida perfeita

Bárbara era uma jovem mulher feita de ideias pré-concebidas. Tinha uma vida aparentemente feliz e bem-sucedida até começar a enfrentar uma crise conjugal e de identidade.

Quando entrou no aeroporto correndo com a mochilona nas costas, passava por um senso de urgência existencial. Até ali, ela tinha seguido um roteiro exato de como a vida deveria ser. Ela sabia o que era felicidade.

Assim, ao longo dos anos, tinha ajustado sua existência à própria definição do que era ter sucesso e ser feliz, do que era certo e do que era errado. Na lista das coisas que ela sabia como deveriam ser estavam:

  • Ser uma aluna exemplar;
  • Passar em boa universidade;
  • Conseguir uma vaga na melhor empresa da sua área;
  • Buscar um corpo perfeito;
  • Arranjar alguém todo certinho para casar;
  • Ter filhos;
  • Ter uma babá para os filhos;
  • Subir na carreira;
  • Continuar viajando para os Estados Unidos e a Europa;
  • Ir para a Disney quando os filhos ficarem mais velhos;
  • Aplicar botox;
  • Morrer.

Crise na vida perfeita

Talvez o primeiro sinal da crise que estava por vir tenha sido os móveis bege da casa grande e perfeita que dividia com o marido. A prudente cor bege, que combina com tudo, que não ousa, que não incomoda ninguém, começou a incomodar Bárbara.

Para falar a verdade, ela nem gostava daquela palidez toda. Escolhera o tom por segurança. Se fosse optar por algo para agradar a si mesma, teria escolhido a cor… Que cor?! Não sabia.

Certa ocasião, ao observar a casa, Bárbara se deu conta de que dera o melhor de si para escolher aqueles móveis. Assim como dera seu melhor para escolher como agir em muitas outras áreas da vida.

Mas com esse melhor sempre voltado para os outros — sua energia, seu tempo, suas ações… O que correspondia às expectativas dos outros, o que os outros diziam que era o melhor ou o certo, ela ia lá e escolhia.

E se eu não fosse nada daquilo? E se eu não fosse quem disseram que eu era a vida inteira?

– se perguntou um dia.

Pois é. Seguir um roteiro exato de como a vida “deve ser” nos coloca às vezes numa espécie de prisão invisível que, em geral, adoece. Pode reparar.

Com Bárbara, o desalento começou na alma. Depois, passou para o corpo. E graças ao aviso de um sábio médico, que detecta mágoa se espalhando pelo corpo dela na forma de um certo sintoma, ela percebe que é hora de considerar romper com seus velhos padrões.

Vamos fugir desse lugar: as viagens começam

Livro relata jornada de autoconhecimento em viagens.

Livro relata jornada de autoconhecimento em viagens. (Foto: arquivo pessoal)

Pouco a pouco, ela começa a sentir uma inexplicável vontade de sair andando aleatoriamente. Seus pensamentos começam a ser invadidos pela imaginação de uma trilha imensa e uma caminhada solitária com o olhar sempre em frente, nunca para trás.

Bárbara sente que precisa se abandonar, se esvaziar.

Começa fazendo a mala e saindo da casa grande onde mora. Aquela dos móveis bege que, na minha imaginação durante a leitura, tinha jeito de ser muito bem equipada com os melhores eletrodomésticos.

Assim, nessa trajetória de se abandonar para se encontrar, ela se mete numa série de viagens. Parati, Nova York, Maresias, Chapada dos Veadeiros, Monte Roraima…

Porém, mesmo se propondo a mudar — e realmente ela modifica um pouco seus padrões de comportamento em diversas ocasiões durante cada jornada — Bárbara mantém sua essência: ainda é uma mulher carregando várias ideias duras de mudar.

O engraçado é que a gente, como leitor, viaja com ela e a presencia repetindo moldes de pensamento e julgamento e segue esperando que uma situação nas viagens a faça perceber que é preciso abrir ainda mais — muito mais — a cabeça.

Abrir de modo que deixe definitivamente para trás velhos jeitos de pensar, de sentir, de conjecturar, de acreditar no que é certo e errado. Até que ela possa finalmente fazer uma travessia de verdade e descubra outras possibilidades de ser.

E é o que acontece quando ela se aventura pelo Monte Roraima na companhia de uma turma de mulheres desconhecidas. Sendo alguém que acredita, até então, que mulheres competem entre si, acaba encontrando entre elas apoio físico e emocional, além de algumas boas lições. A busca viajeira de Bárbara, no entanto, culmina no Caminho de Santiago de Compostela.

A grande transformação tem início

O caminho compostelano é uma viagem fascinante até a cidade de Santiago de Compostela, na Espanha. A história desse que é um dos mais célebres roteiros de peregrinação do mundo começou no século 9, quando um camponês descobriu, por acidente, o túmulo do apóstolo cristão São Tiago.

Inquietude, desafio pessoal, contato com a natureza, viagem espiritual… São muitos os motivos que levam as pessoas a peregrinarem por lá. Bárbara tinha os pré-requisitos. E foi logo escolhendo fazer o caminho primitivo, trajeto mais exigente e com menos estrutura para o apoio aos peregrinos — por isso, o menos popular e, quem sabe, até o mais solitário.

É então que o livro atinge seu ápice. O caminho vai quebrar a velha Bárbara. O que ela não terminou de romper nas outras viagens, será rompido aqui.

Sem misticismo

A autora-peregrina de Viagens Transformadoras não é dada a esoterismos. Portanto, essa não é uma história que exalta sinais mágicos que caem do céu durante o Caminho de Santiago — coisa muito comum nos relatos de peregrinos compostelanos. Mas que esses sinais existem, ah eles existem!

Desde o momento em que Bárbara percebe a necessidade de mudança, eu os notei, impregnados na história desse livro. Há coincidências estranhas, algum tipo de lei da atração. Mas você, leitor, não precisa acreditar! Nem a Bárbara, que num trecho da história conta sobre sua aversão à romantização e aos misticismos que acompanham a peregrinagem.

“Antes de viajar, eu conversara com várias pessoas que tinham feito o caminho e muitas haviam dito que ele era mágico. Esse papo meio místico e motivacional me irritava, por isso eu os chamava de “os adoradores do Caminho de Santiago” – como se fizessem parte de uma seita.”

Acontece que certas situações e pessoas inusitadas vão sempre se colocar na jornada de alguém que se dispõe a viajar a pé por um mundo desconhecido com uma mochila enorme nas costas. E é isso uma das coisas especiais que fazem a peregrinação compostelana parecer mágica.

A mágica não deixou de acontecer

Ao iniciar o percurso, Bárbara vai percebendo mudanças sutis dentro de si. Começa a se sentir mais presente, mais atenta, mais iluminada. Como mágica.

Pela primeira vez na vida consegue manter um distanciamento emocional das próprias ações e pensamentos. O que a leva a ir perdendo a identificação com sentimentos de tristeza, de ansiedade… Um passo para frente, outro para dentro… Quem já peregrinou identifica aí que Bárbara, caminhando, entrou em modo de meditação ativa.

Então, ela começa a apenas existir, sem se importar com passado, nem com futuro. E nem com o passado dos companheiros de jornada. Todos estão ali apenas existindo.

Foi nessa passagem que pensei em dar uma pausa no livro e mandar uma mensagem para Bárbara perguntando se a escritora cética descobriu que isso se chama estado de presença — e que aí está a tal da mágica do caminho.

Adeus, antiga viajante

Logo, é no caminho que a couraça da autora vai sendo arrancada – sob chuva, terrenos enlameados, tempestades de neve e ventos bastante esquisitos – para que ela enxergue outras possibilidades no viver. As outras viagens até aqui foram transformadoras sim, mas a caminhada termina de derrubar Bárbara. Para que ela renasça.

Ao ter sua existência no trajeto esticada até seus limites físicos e emocionais, Bárbara pensa em desistir várias vezes. Mas surgem “ajudas”. São pessoas que cruzam seu caminho e a auxiliam tratando machucados, resolvendo perrengues, dando dicas para caminhar com mais segurança.

Entre esses aliados, há também os que só avisam que se ela não tomar uma atitude, vai dar ruim.

Peregrina arrebentada

Um misterioso senhor espanhol que cruza seu caminho dá um aviso que Bárbara entende como: “você ficará arrebentada!”.

Eu, como leitora, desconfio que o que ele realmente possa ter dito foi “arrebatada”, ou seja, extasiada, encantada. Mas a Bárbara, moça até então meio pessimista, talvez nunca tenha considerado essa versão.

De qualquer forma, as duas coisas acontecem.

Como se o possível engano na tradução fosse um sinal divino, primeiro, antes do êxtase, ela realmente se arrebenta até perceber que precisa deixar de carregar os pertences relacionados a um certo medo pessoal e que empanturram sua mochila.

Nessa ação tem importância o grupo de peregrinos que ela conhece e caminha ora junto, ora separado no trecho primitivo. Cada um com uma personalidade, uma nacionalidade, uma motivação e uma história diferente ensina lições valiosas sobre a vida e suas bagagens.

Em um determinado ponto da história, a gente não sabe mais qual é a verdadeira essência da autora-viajante. A cada tentativa de permanecer sendo a mesma que era quando pisou no ponto de partida, o Caminho de Santiago lhe dá uma bordoada para que acorde e se esforce para enxergar melhor e se encontrar.

A paulada final vem num acontecimento tresloucado que junta uma montanha por onde passam trilhas labirínticas, uma nevasca fora de época, ventos em todas as direções e um refúgio muito, muito estranho.

É a última tentativa do caminho para romper com a antiga Bárbara. É então que ela faz uma escolha que mudará sua vida para sempre.

A decisão de escrever um livro sobre viagens

Foram os resultados da escolha final da Bárbara que a levaram a escrever esse livro.

E foi esse livro que apareceu para mim num dia em que, perdida sobre como conduzir meus próximos passos, rezei para que Santa Sara Kali, padroeira do povo cigano — e, consequentemente, dos viajantes, segundo eu acredito — me colocasse em contato com algo ou alguém que me ajudasse a abrir os olhos.

Então… Eu sim sou dada a misticismos e momentos motivacionais.

Em alguns minutos, após o pedido, magicamente recebi a mensagem de uma desconhecida: Bárbara Lins, uma jornalista e escritora de viagens se apresentava comentando a coincidência de estar prestes a lançar um livro com o mesmo nome do meu site e da minha rede social.

Ao ler a Bárbara, aprendi que quando deixamos que os outros nos digam quem somos, primeiro aparecem os sinais emocionais. Se esticamos um pouco mais a corda — ou seja, continuamos resistindo em assumir a direção da própria vida — o corpo começa a avisar em forma de sintomas, dores físicas, doenças visíveis…

Um terceiro estágio é o abalo das condições mentais. E o último é a triste possibilidade de termos passado anos e anos ignorando quem gostaríamos de ter sido. Acumulando a frustração e o desperdício de não ter sido capaz de viver a vida sonhada.

Aquela vida que vai além do comer, dormir, trabalhar, procriar — e como acrescentaria nossa autora-peregrina: depois de tudo isso, “aplicar botox e morrer”.

Viagens transformadoras conta experiência de redescoberta e autoconhecimento.

Viagens transformadoras conta experiência de redescoberta e autoconhecimento (Foto: arquivo pessoal)

Para quem é esse livro sobre viagens

Para qualquer um que desconfia que a vida é algo mais do que está vivendo, que tenha um sonho que ainda não conseguiu realizar.

Daqui em diante

Um dos aprendizados que tive no Caminho de Santiago, e que relembrei com o livro da Bárbara Lins, foi que o dia a dia como peregrinos nos traz novas ideias, e sugestões de retoque para a vida e para os sonhos que queremos realizar.

Tenho feito um longo caminho nesses quatro anos aqui na Vida Simples — sempre dando um passo para frente e outro para dentro. Agora o sonho de contar histórias de viagem minhas e de outros viajantes pede um “retoque”. Acompanhem-me no instagram @viagenstransformadoras para novidades e novos roteiros e histórias.

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