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Consumo consciente é mais sobre presença e menos sobre compras
Letícia Pelissari | Unsplash
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Não perco uma oportunidade sequer de citar este trecho da escritora espanhola Ada Luz Márquez sempre que intenciono falar publicamente sobre consumo consciente.

⁠“Quanto menos preciso comprar, menos comprado me sinto.

Quanto menos preciso consumir, menos consumido me sinto.

Quanto menos preciso, mais livre sou.”

Pausa. Suspiros…

É que, nas muitas vezes em que senti falta de fôlego ao explicar sobre um movimento que tem sido reduzido a mais uma categoria de produtos, foi ele que sintetizou o meu entendimento mais genuíno sobre a jornada que é depender menos do ter para alcançar qualquer sensação de pertencimento.

São palavras que traduzem o real sentido dessa causa que passa pela responsabilidade, mas muitas vezes fica longe da consciência.

O consumo consciente é um chamado para desapegar, mas não apenas de bens materiais

Um tempo atrás escutei uma indagação de uma seguidora nas redes sociais: “mas não é sobre produtos mesmo, sobre comprar coisas mais ecológicas?”. Bom, segundo Ministério do Meio Ambiente, “ o consumo consciente é aquele que leva em conta, ao escolher os produtos ou serviços: o meio ambiente e a saúde humana e a animal, relações justas de trabalho, além de questões como preços e marcas”.

Como eu costumo dizer, sustentabilidade não é sobre coisas. É sobre atitudes. Na seara do consumo, mais ainda.

Eu diria que é um chamado a desapegar não apenas de bens materiais. Mas de tudo aquilo que se torna atalho para o consumo que busca menor impacto, mas deixa de lado a visão sistêmica da transição planetária pela qual estamos passando: o imediatismo, a praticidade e a sensação de pertencimento.

No consumo consciente, a consciência antes, as coisas depois

Para além de pesquisar cada etapa da cadeia daquilo que consumimos por desejo ou necessidade, há outra camada que antecede esta: aquela antes das coisas. Aquela que passa pelo nosso intelecto, pela nossa psique e pelas nossas sensações. Por que compramos? A quem queremos impressionar? De que parte de nós emerge um desejo por algo que nem sempre é tão necessário assim?!

São questionamentos essenciais que, na menor distração, costumam ser esquecidos até mesmo na nobre jornada do consumo de produtos ecológicos. E, refletindo sobre essas brechinhas cotidianas, eu tenho me perguntado: não estaríamos à beira de normalizar a prática do que eu chamo de trocar seis por meia dúzia?

Em um contexto com tantas ofertas de bens de consumo chamados de ecológicos (o que é ótimo, afinal, esperamos muito por isso!), não se torna um desafio apenas não cair em greenwashing (quando um item apenas parece sustentável) ou tornar o mercado (acusado de elitista e pouco acessível) mais democrático. Apenas trocar a dependência de coisas convencionais por coisas de outras matérias-primas de menor impacto se faz outro. E dos grandes.

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Entre um desejo de consumo e outro que bate à minha porta, costumo alternar as perguntas:

  • “Que empresa é essa?” com “que desejo é este”?;
  • “Qual o material deste produto” com “qual sentimento estou procurando?”;
  • “É sustentável mesmo” com “É necessário mesmo”?

No meu trabalho como comunicadora e criadora de conteúdo sobre estilo de vida consciente (afinal, também consumimos informação), há uma questão em especial: “com esta dica\crítica\resenha\notícia, a quem estou servindo? A um movimento ou ao mercado”?

De respostas genuínas, já desisti muitas vezes tanto de dar o start tanto no cartão, quanto no post.

Definitivamente, questionar (não só às indústrias), mas a nós mesmos, é um pilar inegociável do consumo consciente.

“Mais rituais, menos coisas”: um manifesto

Foi questionando, refletindo e observando nesses últimos anos que, numa fase de muita frustração em falar do tema, tive uma epifania: quanto mais ritualizado meu cotidiano, ou seja, coloco presença, intenção e atenção no que importa, menos preciso de produtos para preencher meus vazios, massagear meu ego ou relaxar minha mente.

Assim, criei o manifesto “mais rituais, menos coisas”. Não é ser contra o mercado de produtos, mas tirar deles o protagonismo do nosso bem-estar e trazer de volta a nós mesmos. Com isso, fui compreendendo que produtos, mesmo os ecológicos, precisam nos servir. E não o contrário, nós a eles.

Acima de tudo, minha dica como especialista e (ainda que frustrada atualmente) entusiasta do consumo consciente não é como não cair em greenwashing ou como encontrar marcas mais ecológicas, criar rotinas de beleza natural e lista de brechós. É desacelerar e ritualizar mais. Procurar a origem das coisas, mas também a dos próprios desejos. Olhar para dentro, depois para fora. Primeiro as sensações, depois as coisas.

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