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Como criar filhos resilientes
Michał Parzuchowski / Unsplash Créditos: Michał Parzuchowski / Unsplash
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Você já se perguntou como criar filhos resilientes? Neste texto, Adriana Drulla fala sobre os desafios de crescer seguro de si em um mundo cada vez mais exigente

Eu não tinha a menor ideia do quanto podia sofrer uma criança que não tem a resiliência bem desenvolvida. De certa forma, percebo que esta incompreensão é comum entre os adultos, principalmente para nós, pais e mães. Já com nossos trinta, quarenta, cinquenta anos de idade, vemo-nos envoltos em boletos, obrigações, preocupações com nossos pais que envelhecem e nossos filhos que adolescem.

É difícil conceber que seres tão jovens e livres de pesos importantes possam sofrer tanto. A nossa incompreensão é tamanha que há quem atribua o sofrimento das crianças e adolescentes à ingratidão. Afinal de contas, eles têm acesso a possibilidades com as quais nunca sonhamos quando crianças. Como pode ser a vida tão difícil quando ela ainda nem começou? Por isso, mais do que nunca, precisamos saber como criar filhos resilientes.

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Contra fatos não há argumentos

Mesmo que você não entenda o porquê, é importante que não duvide que nossos filhos estão sofrendo. E se os dados ajudarem, apresento-lhe estatísticas alarmantes. Sabemos que a depressão é a doença mais incapacitante do mundo, e uma das que cresce em maiores taxas. Mas você sabia que não somos todos que estamos deprimindo mais?

Uma pesquisa feita anualmente com mais de 600.000 pessoas de 12 anos de idade em diante nos Estados Unidos, mostra que a depressão tem aumentado sobretudo para as pessoas entre 12 a 23 anos. No período de 2009 a 2017, por exemplo, a depressão aumentou 66% entre adolescentes de 12 a 17 anos. A automutilação entre meninas de 10 a 14 anos triplicou neste período.

A tendência se repete na grande maioria dos países para os quais temos dados. E ao que tudo indica, a situação no Brasil não é diferente. Aqui, não medimos a depressão antes dos 18 anos, mas levantamentos do Ministério da Saúde mostram que nos três anos entre 2015 e 2018 os atendimentos do SUS à jovens com depressão cresceram 115% (pessoas de 15 a 29 anos). Entre 2011 e 2018, 45% das internações por violência autoprovocada foram de jovens nesta faixa etária. Um terço dos casos de suicídio notificados neste período foram cometidos por estudantes.

Condenados pelo desejo de sermos melhores

Se você está perplexo com os dados, bem-vindo ao clube. Como mãe e como profissional, eu fiquei assustada a ponto de fazer o tema meu objeto de pesquisa. O modus operandis da sociedade moderna nos motiva em direções que levam ao adoecimento. Múltiplos fatores contribuem para a angústia dos adolescentes. Por exemplo, hoje as crianças se exercitam menos, se alimentam pior, dormem menos, usam muito as telas e convivem menos com pessoas de carne e osso. Todos estes fatores podem impactar (e muito) a saúde emocional das crianças e adolescentes.

No entanto, o que me surpreendeu foi constatar que o próprio pilar sob o qual se sustenta a nossa sociedade parece condenar também a saúde emocional dos nossos filhos. Eles sofrem porque estão obcecados com o desejo destacarem-se em relação aos outros, em um mundo onde ser melhor é cada vez mais difícil. A explicação é simples. Os agentes socializadores – escola, mídia, família e afins – ensinam para a criança que o sucesso é definido pela capacidade do indivíduo se destacar em relação aos demais.

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Nossos filhos aprendem que o valor das pessoas se resume ao lugar que ocupam na hierarquia social. Como resultado, eles passam a se comparar o tempo inteiro. Esquecem-se que são parte de uma sociedade interdependente. Tornam-se extremamente autocentrados, competitivos, e obcecados com a própria performance. Estabelecem metas irrealistas para si mesmos e decepcionam-se toda vez que percebem que são falíveis e imperfeitos. Sofrem porque, na nossa sociedade, a humanidade não é percebida com bons olhos.

O que podemos fazer para estimular a resiliência

Não podemos mudar o mundo para que nossos filhos sejam felizes. Mas podemos usar a nossa influência para preparar o filho que temos para o mundo que está do lado de fora. Exatamente para equilibrar o foco excessivo na competição e destaque, considere estas ações:

1) Acolha as dificuldades do seu filho em vez de condená-las

Ser resiliente, ou seja, saber lidar com os erros, é importante para a saúde emocional. Quando conseguimos entender que nossos erros são oportunidades de aprendizado e que são parte indissociável da experiência humana, conseguimos superar as dificuldades e recuperar mais rapidamente. Portanto, em vez de condenar seu filho quando ele erra, ajude-o a enxergar que errar é humano.

Mostre como as pessoas que ele admira tiveram uma trajetória cheia de desafios, erros e fracassos. Criar filhos resilientes também significa ensinar a partir do seu próprio exemplo. Considere conversar sobre situações que foram e que estejam sendo difíceis para você. Muitas vezes achamos que temos que ser perfeitos para que nossos filhos nos admirem e respeitem. Mas o contrário é verdade.

A capacidade da criança aceitar a sua natureza imperfeita passa pelo reconhecimento de que os outros também erram. Um grande benefício de ter pais imperfeitos é descobrir-se normal na sua imperfeição. Filhos imperfeitos precisam se espelhar em pais imperfeitos que sejam corajosos para admitir que são humanos, e não máquinas.

2) Pratique a autocompaixão

Na minha pesquisa, feita com 246 pares de mães e filhos, descobri que quando as mães aceitam suas limitações e são mais gentis consigo, os filhos também se beneficiam. Ensinamos com o exemplo. E se você se tratar mal toda vez que erra ou deixa de corresponder às expectativas, ensinará para o seu filho que o valor das pessoas está condicionado à capacidade que têm de acertar.

É muito fácil sentir-se valioso quando tudo vai bem. Mas a resiliência emocional depende de nos sentirmos valiosos quando tudo vai mal. A autocompaixão é o acolhimento que podemos dar a nós mesmos quando nos deparamos com a dificuldade e com as nossas limitações.

É sobre ser para você mesmo o ombro amigo e a palavra de conforto em vez de condenar-se por seus erros. Quando você consegue se conectar com o valor que você tem apesar das suas falhas, você inspira o seu filho a fazer o mesmo. Para criar filhos resilientes, entenda: filhos de mães e pais autocompassivos tornam-se mais autocompassivos também.

3) Incentive a dedicação para o outro

Como é a rotina do seu filho? Normalmente, as crianças passam a maior parte do dia investindo no próprio futuro – seja na escola, seja aprimorando habilidades artísticas, musicais e esportivas. Na sociedade moderna, o trabalho mais importante da criança é lapidar-se. E quando o único foco do indivíduo é ele mesmo, nada mais resta do que ficar obcecado com o próprio desempenho.

Parece paradoxal, mas focar em si o tempo todo não nos faz sentir importantes. Sentimos que somos importantes quando agregamos valor para a vida do outro. Precisamos perceber que o mundo é melhor porque existimos. Para isso, precisamos deixamos de lado nossos interesses autocentrados para resolver o problema do outro.

Precisamos cooperar em vez de competir. Portanto, incentive que seu filho participe de projetos sociais, por exemplo ajudando uma ONG ou pessoas em necessidade. Incentive que ele faça diferença na comunidade em que vive. Dê tarefas em casa e solicite a ajuda dele.

4) Limite as redes sociais

Parar criar filhos resilientes, também é preciso atentar ao consumo de conteúdo online. Nas redes sociais, os conteúdos são distribuídos e consumidos a partir do número de likes e seguidores. Ou seja, somos reforçados a replicar aquilo que ganha a atenção do outro. Por isso, o uso constante aumenta a necessidade humana por aprovação.

Logicamente, as crianças passam a admirar quem consegue ter relevância nas redes. Elas passam a imitar estas pessoas. Quer dizer, elas se tornam mais influenciáveis. Passam a imitar os famosos, em vez de avaliarem pessoas pelo que fazem e por quem são. Além disso, elas se comparam com fotos e vidas editadas e se sentem inferiores. Ou seja, fica mais difícil valorizarem-se por quem são. Também fica mais difícil tolerar e superar os problemas quando todos parecem viver uma vida mais interessante.

De fato, o uso das redes está associado a sintomas de depressão e ansiedade. Ele é uma das principais causas que pesquisadores apontam para o aumento do sofrimento entre as crianças e adolescentes. E se você ainda não se convenceu, talvez valha saber que os filhos dos executivos das grandes empresas de tecnologia no Vale do Silício são mantidos fora das redes. Sofrem os filhos de quem ainda não descobriu que elas não são brincadeira de criança.


ADRIANA DRULLA é mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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