Ayurveda e a saúde da mulher
A saúde feminina vive um momento de busca por alternativas naturais e de revisão de abordagens. O Ayurveda pode contribuir – e muito – para essa evolução.
A saúde da mulher vive um momento de busca por alternativas naturais e revisão de abordagens. O Ayurveda pode contribuir – e muito – para essa evolução.
O público que busca conhecimentos de Ayurveda nas minhas redes é majoritariamente de mulheres, tanto que na maioria dos vídeos do Vida Veda falo sempre com as pessoas no feminino. O Ayurveda é uma ciência integrativa, que tem por maior objetivo tratar o sofrimento humano. Assim como na medicina moderna, parte da pesquisa ayurvédica é dedicada à saúde feminina e à ginecologia. Como a integração é uma palavra-chave para o Vida Veda, sempre busco muito diálogo com ginecologistas e obstetras, para trazer mais luz para esses temas tão fundamentais. Em uma conversa muito rica que tive com a ginecologista Priscila Pyrrho, achei interessante trazer alguns elementos para enxergar a saúde da mulher sob um viés ayurvédico.
Acho importante deixar claro que quando os termos “mulher” e “saúde feminina” são usados, eles são referências à pessoas cisgênero, ou seja, pessoas do sexo feminino que se identificam com o gênero feminino. O texto faz um recorte de gênero sem, entretanto, ser excludente com quaisquer identidades de gênero.
Cuidar de si e não da doença
A medicina integrativa, assim como o Ayurveda, é uma prática com o foco na promoção da saúde. Tratamos doenças, mas é muito mais efetivo tratar a saúde e o equilíbrio do paciente antes que ele adoeça. Porque o adoecimento é um processo que pode ser parado, modificado ou acelerado, dependendo do seu estilo de vida. A maioria das doenças derivam de processos complexos e multifatoriais, ou seja, não são causadas por apenas um fator isolado.
Na maioria das vezes, as pessoas olham para uma candidíase, ou para a endometriose, por exemplo, procurando uma única causa. Sendo que a maioria das doenças pode ser amenizada ou agravada dependendo das decisões da paciente a longo prazo. Se juntarmos hábitos como comer mal, estar estressada, não dormir o suficiente, acabamos cultivando a doença ao longo do tempo. Por isso que não faz muito sentido resolver com uma única pílula um adoecimento que é formado por diversos fatores. Isolar não faz sentido em um sistema biológico que é integrado e complexo.
O mesmo vale para tratamentos como a reposição hormonal: ela não possui um efeito singular dentro do corpo. Muitas vezes alguém assiste uma matéria sobre testosterona e acredita que pode se beneficiar dessa reposição, mas precisa entender que esse tratamento não gera apenas um efeito no corpo. A primeira coisa é se perguntar por que seus hormônios precisam ser repostos. Nossos corpos têm uma inteligência de saúde inata e não simplesmente quebram sem fatores causais. Imagina se seu carro dá problema, e ele acende uma luz no painel para te avisar. Você vê a luz, vai ao mecânico e pede para apagar a luz em vez de investigar o que aconteceu com o carro? Claro que não. É assim que acabamos tratando diversos problemas de saúde da mulher: atuamos a nível sintomático, mas sem investigar a raiz do problema.
A estética e a pressão social
Acho importante abordar esse tópico do meu lugar de fala de profissional da saúde. Como homem que trata inúmeras pacientes mulheres, fica clara a diferença de tratamento dispensada pela sociedade quando falamos de expectativas estéticas para os dois gêneros. As mulheres sofrem uma pressão social desproporcional, para corresponderem a padrões estéticos e isso, muitas vezes, as adoece. Vivemos em um momento muito visual, de muita exposição nas redes sociais – inclusive de exposição de tratamentos invasivos, suplementos duvidosos e pílulas milagrosas de emagrecimento.
Hoje, muitas mulheres se sentem pressionadas a corresponderem aos padrões de beleza e de cuidado equivalentes a profissionais como modelos e atrizes, que se dedicam integralmente à imagem, contando com equipes inteiras de especialistas em moda e estética. Isso não é justo e chega a ser violento, impondo um padrão artificial de capa de revista a mulheres que se dedicam as suas profissões diversas e que contribuem de forma rica e essencial para a comunidade. A busca estética em geral é agressiva, os procedimentos são desconfortáveis, dolorosos e infligem dor e sofrimento desnecessários às pacientes. Um dos maiores problemas que isso gera é a desconexão da mulher com as necessidades do seu corpo e da sua saúde, em busca de um padrão imposto externamente.
Desacelerar
Do mesmo jeito que a mulher sente que precisa atingir um padrão estético, ela também se cobra para atingir padrões produtivos e sociais que podem ser desumanos. Conversando com as pacientes vejo que sempre existe a vontade de tomar algo “para dar energia” e fazer cada vez mais coisas, cumprir cada vez mais obrigações.
Precisar de muito, ser muito, fazer muito e ter muito pode gerar muito adoecimento. Essa história de “trabalhe enquanto eles dormem”, pode trazer muitos problemas para a saúde, e é uma abordagem muito agressiva para a maioria das pessoas. Fazemos o nosso melhor, e quando não é possível ser mais produtivos, tudo bem. Existem ciclos com maior necessidade de descanso e silêncio, existem ciclos de mais atividade. A aceleração pode te desconectar de entender a sua natureza cíclica e atender às necessidades do seu corpo.
Despolarizar
Essa frase é difícil, mas o conceito é simples: estamos em um momento que é muito polarizado em diversos sentidos, inclusive político e social, mas não apenas. Em termos de saúde, as pessoas também passaram a acreditar e defender opostos absolutos. Ou você é vegano ou é super carnívoro, ou é adepto do jejum intermitente ou come de 3 em 3 horas, ou defende parto normal ou é “cesarista”. Você pode planejar um parto normal, mas estar aberta a uma cesárea no caso de necessidade, por exemplo. É papel do médico guiar e informar para que a paciente faça a melhor escolha.
Algumas vezes, precisamos mesmo escolher um lado e lutar pelos nossos ideais, mas muitas vezes a solução é o caminho do meio. Se você não é vegetariana, a única outra opção possível não precisa ser low carb, pois existem mais caminhos disponíveis para você ter mais saúde. A principal busca aqui é a individualização, porque o que funciona para uma pessoa não funciona para outra.
Ginecologia natural na saúde da mulher
Como mencionei, a medicina integrativa parte do princípio de que não é necessário polarizar e criar uma guerra entre recursos para a sua saúde. A ginecologia natural não precisa eliminar os tratamentos modernos. Vale considerar que se existe uma alternativa natural efetiva, é válido tentar primeiro aquilo que agride menos o nosso corpo. No Ayurveda, sempre vamos buscar a causa para a luzinha do painel do carro ter acendido, e não apenas pedir para o mecânico desligar a luz.
Promovemos o olhar questionador: por que estou tendo candidíase? Por que estou com dor? De onde vem aquilo que hoje me causa sofrimento? Não tratar o fim da linha, e sim a base. É importante integrar os quatro pilares da saúde – sono, alimentação, movimento e silêncio – para organizar o corpo e fortalecê-lo.
Como os textos ayurvédicos têm milhares de anos, eles já lidavam com uma predominância de parto natural como a via para o nascimento, afinal, somos mamíferos e os mamíferos perpetuam a espécie dessa forma. No Brasil, já chegamos a ser recordistas de cesariana. Hoje, essa prática ainda é muito forte. Como sempre, precisamos pensar de forma integrativa: a cesárea é uma tecnologia que ajuda muitas pessoas e deve existir. Mas ela precisa ser uma exceção e não a norma. O corpo saudável é capaz de parir e perpetuar a espécie sem intervenção cirúrgica na maioria dos casos.
Uma coisa é a paciente precisar da intervenção, ou até ter medo ou um trauma e preferir evitar o parto normal. Mas, como médico, é preciso esclarecer que o parto normal é melhor para a saúde e para o corpo, se ele for possível para você. Ele respeita o fluxo natural do seu corpo e, na maioria das vezes, é plenamente possível.
A saúde feminina é um universo imenso, e eu poderia escrever artigos e mais artigos sobre temas como TPM, gestação, dores crônicas, menopausa. Por ora, convido você a refletir se está se cobrando muito para ser uma super-humana. Que tal uma abordagem mais gentil? Cuide-se como você cuidaria de uma amiga muito querida, da sua mãe ou da sua filha e observe atentamente a realidade do seu corpo. A sua integração pode começar agora.
Matheus Macêdo é o primeiro brasileiro a se formar em medicina na Índia com especialidade em Ayurveda no curso BAMS (Bachelor in Ayurveda, Medicine and Surgery). Viveu na Índia quase 7 anos e de lá criou a Vida Veda, uma empresa social dedicada a divulgar o conhecimento ayurvédico em língua portuguesa. Carioca, vive em Guimarães, Portugal, e percorre o mundo dando palestras sobre Ayurveda e Medicina Integrativa.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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