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As três dádivas da quarentena
Aman Upadhyay
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A ciência sabe pouco sobre o Covid-19. Pesquisadores de todo o globo compartilham as suas descobertas numa velocidade sem precedentes no mundo científico. Sabe-se que o vírus tem uma espécie de chave para entrar no núcleo da célula humana. Como ele encontrou a chave? Não se sabe. O número de infectados aumentará com temperaturas baixas — como acontece com o vírus da gripe? Não se sabe. Por que para algumas pessoas ele é altamente agressivo? Há muitas perguntas sem respostas. Mais do que conhecer o vírus, busca-se medicamentos e — mais importante — a vacina.

O parágrafo acima assusta e pode agravar ainda mais a situação, por si suficientemente desoladora. É preciso evitar os alarmes e a escalada do medo que leva ao pânico. Um dia ou outro, é preciso esquecer os jornais e olhar um pouco para os livros de história. O que vivemos hoje não é novo, não é o prenúncio do fim, nem uma revolta da natureza. Não há culpados e não se trata de hábitos alimentares chineses. As epidemias foram sempre associadas a animais.

Houve a peste de Atenas, na Grécia, 430 a.C; No século XIV, a famosa peste negra (onde os ratos foram transmissores e primeiras vítimas);  Em 2007, a Gripe A, no inicio designada por “gripe suína”. Há a pouco conhecida epidemia das Ilhas Molucas (Indonésia), em 1539. Nessa última, o surto matou primeiro milhares de galináceos e depois chegou aos humanos. A agressividade foi tal que as ilhas, prósperas e povoadas, praticamente voltaram a categoria de ilhas desertas. Esse epidemia não tem quase reconhecimento histórico e nem foi nominada, mas ela é muito valiosa para a ciência porque mostra a eficácia da quarentena: devido ao isolamento geográfico das ilhas, a epidemia apesar muito agressiva não saiu dali.

Foque no que está no controle

Do voo sobre a história, voltamos ao presente. Os medicamentos e vacinas chegarão, mas não a tempo e nem para todos. Então o que nos resta? A quarentena.  À parte o fator econômico que direta ou indiretamente toca a todos, nada do que nos é essencial foi retirado. As nossas três necessidades existências básicas — A busca de evolução, o exercício da autonomia e a construção de relações de qualidade ainda podem ser exercitadas na quarentena. Isso é nosso e não é pouco.

Nesse aprendizado, não há instrutor melhor e nem mais experiente do que Epicteto. Vivendo no primeiro século da era cristã, o filósofo grego foi escravo em Roma a maior parte de sua vida. E mais grave, teve por seu senhor, Epafrodito, o cruel secretário de Nero. Epicteto ensina que revoltar-se com o que não é possível mudar, além de ser uma tarefa inútil, ainda traz uma dose de tormento desnecessário. É precisamente a situação que vivemos. Qual deve ser o foco da nossa ação, onde devemos colocar a nossa energia? Apenas no que efetivamente necessário e está sob o nosso controle.

Os três essenciais

A quarentena inviabiliza a busca de competência? Não. Pelo contrário, é o cenário ideal, dá-nos algo precioso: o tempo. Estude, aprimore-se, leia. Você sempre quis se dedicar a um hobby e está esperando a aposentadoria? Não espere. Comece já —as estatísticas apontam que ninguém leva adiante um hobby no velhice, se não o fez na vida ativa.

Há na internet seminários, aulas em universidades renomadas, curso de línguas, workshops. Você prefere a forma tradicional? O hábito delicioso de caminhar até uma banca de jornal e voltar para o casa com duas revistas e dois jornais? Ou o peregrinar solitário numa livraria? Você ainda pode fazer isso. Basta entrar no sites das suas revistas favoritas. Você pode comprar, via internet, um livro ou também é possível ter  o livro na hora, com os e-books. Não prescinde da experiência da revista física? Assine os seus títulos favoritos. Além delas “chegarem” até você, estará ajudando na sustentabilidade desses veículos, abalados financeiramente pela pandemia.

Você sabe do que estou falando, pois nesse momento você está aqui na minha frente, através de um destes veículos, a Vida Simples.

Autonomia e liberdade

É muito bom estar livre para ir e vir, mas esse exercício também nos dilui. Muitas vezes a pressão social e compromissos profissionais condicionam o nosso comportamento e quando percebemos temos um hábito instalado que agride a nossa personalidade e condiciona a nossa liberdade. Aproveite esse tempo para se livrar de hábitos que minam a sua autoestima e comece a implementar outros que caminham em direção à pessoa que você sempre quis ser. Os especialistas afirmam que é necessário 21 dias para construir um novo hábito (Vê? Você tem esse tempo). E o que pode ser? Um exemplo que tem um grande impacto na nossa saúde e bem-estar: os hábitos alimentares.

A quarentena comporta o ambiente ideal para esse tipo de mudança. Além de estar tudo no seu controle: quantidade, qualidade e variedade de ingredientes, não há a imposição do convívio social e nem a limitação da oferta de restaurantes. E mais: você ainda terá tempo de observar o teu corpo. Qual é o alimento que traz mais energia, que nutre sem sobrecarregá-lo… Faça exercícios de respiração, alongue-se, controle o seu pensamento, medite, agradeça. Mime o seu corpo, ele é o espaço onde você vive, a sua verdadeira casa.

As relações, claro

O nosso anseio maior, o real motor da nossa felicidade (já provado por um estudo de Harvard) são as relações com qualidade. A certeza de que somos importantes para os outros e que os outros são importantes para nós. Agora não há desculpa de falta de tempo. Através do telefone, de mensagens, das redes sociais e do recente Zoom, você pode “estar” com seus amigos. Resgatar ou fortalecer ligações negligenciadas pela falta de tempo. Finalmente, o uso da tecnologia saudável e sem culpa. Há quem esteja fazendo lista de amigos e todos os dias “encontra” com pelo menos dois. Há muitas plataformas que estão sendo usadas como salas de aula, mas também são muito eficientes para um encontro de amigos. Vale a pena experimentá-las.

Mas também é tempo de fortalecer os laços com os seus companheiros de quarentena, seu conjugue, sua família. É verdade que há pais que estão exaustos com os filhos em casa. O preparo das refeições, o cuidar da casa, limpezas e a demanda para quem tem filhos não é fácil. Amigos me questionam como é a clausura com um adolescente de 16 anos. Confesso que estou muito feliz. A rotina da limpeza e das refeições é árdua, mas há partilhas. Às vezes sou interrompida numa tarefa com “mãe, pode fazer pipocas?”; mas também sou interrompida com “quer que eu faça um chá”.

Quem é esse que vive com você?

E há tantas surpresas e vivências que nunca julguei possível! Fiquei maravilhada em ver o meu filho “na escola”. Ele “esteve” em sala de aula e fez trabalho em grupo através de videoconferência e eu estive ali, mesmo ao meu lado. Deparei-me com um lado dele que eu não conhecia, o de aluno. A sua interação com professores e colegas de classe, seus interesses, suas questões. Vi nuances e contornos de sua personalidade que eu desconhecia. E se tenho o peso da vida prática, experimento também a leveza da segurança de tê-lo em casa.

Como todos os pais, quando o meu filho sai de casa, o meu cérebro aciona os botões vermelhos que inclinam para a proteção. Aqui estou falando do impulso —recorrente, confesso — de envolvê-lo em várias camadas de plástico bolha (Concordo. É exagero meu: uma camada é suficiente). Agora na quarentena, esses botões estão inativos, numa espécie de morna calmaria.

E, claro, como todo mundo, há dias que desatino, que entristeço. Mas, quando isso acontece, começo a imaginar o exato ponto em que parei e faço planos para a retoma. Porque essa loucura vai passar. E estaremos a postos: competentes, autônomos, fortalecidos por aqueles que amamos e somos amados. E com a força e a ousadia que só tem os que lutaram em tempos difíceis.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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