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A arte de encarar mudanças de peito aberto
Arquivo pessoal
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Escrevo este primeiro texto como colunista da Vida Simples no meu último dia morando num apartamento de frente para praia, em Florianópolis. Acompanhada pela caneca azul que tem sido minha companheira nos quatro meses que morei aqui, dou um gole de café quentinho enquanto revezo meu olhar entre estas linhas e a vista que cerca a varanda do meu atual lar. Daqui, tenho o privilégio de ver o mar.

vista para o amor no nascer do sol com alguns coqueiros.

Foto: Arquivo pessoal

No meio do azul, vejo ao longe um barquinho que flutua pelo mar calmo, tendo sobre si somente um belo dia de sol, sem nuvens, nem o famoso vento sul da ilha. Imagino o marinheiro desfrutando dessa manhã tranquila em alto mar. Sem sair do lugar, sua estabilidade me leva a pensar no exato oposto, pois amanhã estarei novamente me mudando de casa.

A escolha de viver em constante mudança

Faz sete anos que não tenho um lugar fixo pra chamar de meu. Junto com o Leo, meu marido e companheiro de trabalho, vivo uma vida com “rodinhas nos pés” – como diz minha mãe. Um sonho em comum nos levou a tomar a decisão de nos desfazer de tudo o que tínhamos – apartamento, excesso de roupas, móveis e cacarecos mil – para viver de forma itinerante filmando séries pelo mundo.

Do dia pra noite, passamos a carregar um par de malas e a viver a cada dois ou três meses num lugar diferente. Deixamos uma certa estabilidade de receber salário no fim do mês para passar a ser um duo de artistas independentes chamado Couple Of Things.

E esta decisão de viver mudando nos colocou frente a frente com a premissa de que nada na vida é permanente, exceto uma coisa: a mudança. 

A busca e o apego pela estabilidade

Mudar passou a ser uma constante pra nós dois – o que soa quase que poético quando penso que a impermanência passou a ser um lugar de estabilidade para gente.

Estabilidade. Ao escrever essa palavra, olho novamente para o barquinho enquanto abasteço a caneca com mais café. Sem nada que possa o colocar em risco, lá está o marinheiro, desfrutando da estabilidade que o ambiente ao seu redor proporciona.

Conquistar estabilidade e se aconchegar no conforto que ela traz é algo positivo, claro. Quem é que não sonha com relacionamentos, saúde, uma conta bancária, um governo, uma vida estável? Nos sentimos seguros quando estamos como o marinheiro – num cenário que nos entrega calmaria. 

Mas, ao nos apegarmos ao equilíbrio e nos instalarmos nessa zona confortável, será que não estamos deixando de enxergar as mudanças que estão vindo em nossa direção?

Faço essa pergunta para você, para mim e também para o marinheiro – pois agora, ao olhar pro horizonte, me surpreendo ao encontrar uma tormenta que transformou o dia em breu e o mar num turbilhão. Me preocupo com o que pode acontecer com o marinheiro, pois não sei se estava atento e preparado para enfrentar tamanha mudança em seu ambiente.

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É, nada é permanente. Nem o clima, nem o mar, nem a casa que eu vivo hoje, nem a estabilidade que tantos de nós buscamos. Só mesmo as mudanças são uma constante do nosso dia a dia. 

Então, como fluir com mais leveza pelas imprevisíveis águas de uma existência repleta de incertezas e transformações?

Não tenho um gabarito com as respostas e nem acredito que exista um caminho certo a ser seguido. Mas, ao me preparar para fazer as malas e seguir rumo a uma nova casa, me pego buscando por esta resposta. E encontro alguns aprendizados que viver em constante transição me trouxeram e que, quem sabe, podem te ajudar a fluir pelas inconstâncias, adversidades ou desconfortos do seu percurso.

Mudar não é remar contra a maré 

Percebi que quanto mais mudanças eu enfrento, mais me sinto preparada para lidar com elas.

Por mais que as águas de uma piscina pareçam ser agradáveis e seguras, é no mar que eu me deparo com as ondas que me confrontam, que se chocam com meu corpo e me derrubam. E são justamente elas que despertam em mim a força de me reerguer para voltar à superfície e respirar.

Entendi que ficar parada não me leva a lugar nenhum, literalmente.

Se eu permanecer ancorada, talvez corra menos riscos – e isso tem seu lado positivo. Porém, se eu permanecer estática, deixo de conhecer lugares, viver desafios e encontrar novas versões de mim mesma – que só vou conhecer se deixar o conforto de um porto seguro.

Compreendi que mudanças são cíclicas.

Ao viver nessa repetição de estar sempre abandonando um lugar que chamei de lar para, logo em seguida, chegar a um território desconhecido, passei a enxergar que toda mudança tem começo, meio e fim. E todo fim traz com ele uma oportunidade de recomeçar.

A certeza de que tudo muda o tempo todo me trouxe o desejo de tirar proveito de cada instante da melhor forma possível

Em breve, não estarei mais nesse lar e nem serei mais a mesma. Por isso, vivenciar uma experiência sabendo que ela terminará é o que me provoca a não esquecer de viver no presente.

E falando em presente, o barulho estridente da chaleira me lembra que a água ferveu. Com a caneca azul novamente cheia de café, procuro no horizonte meu companheiro de história. Ele não está mais lá. Mas já não me preocupo com ele.

Passo a acreditar que o marinheiro aprendeu a encarar uma chuva forte como aquela de peito aberto, com a consciência de que, em breve, nem ela nem ele estarão mais ali.

Foto de um arco-íris ao fundo com alguns coqueiros à frente.

Foto: Arquivo pessoal

Depois da tormenta, vem sempre a calmaria

Termino este texto como comecei, olhando para o mar. Mas agora o que vejo é o resultado do casamento da chuva com o sol, que fez nascer no céu um belo arco-íris. Me despeço deste momento, desta vista, da minha caneca azul de café e fecho minha mala. É hora de seguir para uma nova cidade e fazer da próxima casa o meu lar. Levo comigo minha bagagem, o que vivi e aprendi aqui. Desejo boa sorte para o marinheiro e sigo, ansiosa, para logo me encontrar com uma nova versão de mim mesma.

Novo destino no horizonte, novo encontro à vista

Mesmo estando cada hora num ponto diferente do mapa-mundi, nosso encontro com você não depende de um local físico para acontecer (e que bom, não é mesmo?). Nos encontraremos por aqui, compartilhando relatos inéditos das descobertas, percepções e aprendizados que uma vida na estrada, vivendo com um par de malas, tem nos proporcionado.

Com textos escritos ora por mim, ora pelo Leo, apresentaremos a você um pouco da nossa filosofia de vida, que batizamos de “Mínimo Essencial”. Só que, por hoje, a história chegou ao fim. Ainda bem que este é só o começo da nossa jornada pelas páginas da Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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