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O valor do tédio: por que crianças precisam evitar a “agenda lotada”?
Cristina Gottardi
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É uma tarde de verão, férias escolares em dezembro, dias livres e cheios de possibilidades, mas, junto com isso, vem o tédio. A sensação de liberdade e euforia provocada pela transição entre um ano letivo e outro logo é substituída por horas que exigem muitas atividades para preencherem esse tempo vazio. Sentir-se entediado na infância é um sentimento comum de muitas crianças. O “não tem nada para fazer” é uma reclamação, especialmente se os pequenos vivem em apartamentos ou casas menores. Mas o tédio, esse sentimento que estamos sempre a evitar, pode ser mais importante do que você imagina.

Se por um lado ele se assemelha ao “nada”, a algo que parece inútil, pode na verdade apresentar portas imersivas para a criatividade. “Primeiro porque o tédio também é uma forma de se preencher”, explica a educadora e escritora Carolina Delboni. Ela explica que quando estamos jogados no sofá sem nenhuma atividade em mente, esse é o momento perfeito para que o cérebro se sinta estimulado a imaginar e criar outras sensações, movimentos e atividades.  “Isso tem uma importância enorme pro desenvolvimento, tanto motor quanto cognitivo”, destaca.

A explicação é bem simples. Carolia Delboni comenta que, quando o corpo está sempre preparado para uma atividade, uma em substituição a outra, não há tempo hábil para experienciá-las em sua plenitude. “Isso vai camuflando uma série de emoções e sensações e gerando, muitas vezes, ansiedade”, explica. E é nesse momento que o tédio faz sentido, porque ele acalma e controla os pensamentos impulsivos.

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O que o tédio ensina às crianças?

O tédio ajuda a estimular a criatividade e a imaginação a partir dos momentos de ócio. Quem explica isso é Bruno Lanaro, psicólogo analítico. “Além disso, estimula a flexibilidade (mental e emocional) e a capacidade de planejamento. Também permite explorar emoções, descobrir seus próprios interesses e desenvolver sua identidade”, destaca. 

Ele lembra que a imaginação é o maior ativo das crianças no momento de desenvolver novas brincadeiras e momentos de lazer. “Elas integram elementos e possibilidades diferentes que os adultos, com todas suas regras e perspectivas já viciadas, não conseguem enxergar”, enfatiza. Fatores como esse contribuem, segundo o especialista, para que as crianças possam desenvolver autonomia e confiança no momento de resolução de problemas.

“Ao ficar entediada, fazendo nada, a criança tem a chance de desejar algo”, afirma Carolina Delboni. Para ela, as novas gerações têm experienciado uma relação diferente com o tédio, porque, em alguma medida, as necessidades acabam sendo supridas por equipamentos. Uso de telas ou dispositivos tecnológicos ocupam um espaço de tempo precioso na infância, por exemplo.

“Quando a gente permite que elas sintam tédio, estamos possibilitando com que lidem de maneira mais saudável com este tempo tão precioso e que os adultos lutam pra tê-lo de volta”, defende.

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Uma agenda cheia não é o melhor caminho

É comum que as crianças sejam matriculadas em inúmeras atividades extracurriculares como natação, judô, aulas de idiomas e jiu-jitsu. No entanto, é importante lembrar que, embora essas atividades sejam essenciais para o desenvolvimento infantil, precisam ser planejadas de modo a permitir com que a criança vivencie o ócio. “A sobrecarga de tarefas pode trazer prejuízos. O tédio permite que elas tenham tempo para se descobrirem, relaxarem e terem liberdade para escolher suas próprias atividades”, corrobora Bruno Lanaro. 

Carolina Delboni lembra que o mundo tem insistido em rotinas produtivas cada vez mais longas e carregadas de trabalho. Mas isso tem um custo na saúde sem precedentes. Ela mostra que, no Brasil, 29,6% da população convive com algum nível de ansiedade, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). E esse cenário não é diferente em crianças e jovens. “Oito em cada dez estudantes brasileiros dizem sentir muita ansiedade ao ter que realizar uma prova qualquer, mesmo quando preparados para tal”, destaca a educadora.

Para a especialista, há uma geração de crianças irritadas e diagnosticadas com transtornos psicológicos que foram acostumadas a desejos com resultados efêmeros. Por outro lado, os momentos de contemplação e ócio podem contribuir para que haja mudanças.

No fim, aquela tarde entediante durante as férias escolares pode trazer mais benefícios do que se costuma acreditar.

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