A adolescência é uma fase complexa, tanto para os jovens em amadurecimento, quanto para mães, pais e tutores que acompanham esse processo. Sexualidade, decisões de carreira, transição para a vida adulta e outros aspectos importantes dessa fase precisam ser conversados com adolescentes, mas nem sempre são fáceis de abordar. Entre os assuntos mais importantes, falar sobre drogas pode ser um dos mais desafiadores.
Segundo um levantamento do IBGE, a quantidade de adolescentes que usam ou experimentam algum tipo de droga vem aumentando nos últimos anos. Na década entre 2009 e 2019, o número de jovens expostos a algum tipo de droga subiu de 8,2% para 12,1%.
Com esses dados, é normal que a preocupação dos pais também aumente. Mas, para ter uma conversa efetiva com seus filhos a respeito de drogas, é necessário se informar e se preparar para abordar o assunto.
Álcool e nicotina são as drogas mais consumidas pelos jovens
Para conseguir conversar com adolescentes sobre drogas, é importante reconhecer quais são as mais consumidas e como chegam até esses jovens. Assim explica Felipe Fortes, médico hebiatra e palestrante sobre adolescência. Segundo o médico, as drogas mais procuradas e que mais causam danos à saúde, tanto na juventude quanto na vida adulta, são o álcool e a nicotina.
O álcool é uma droga que chega fácil na vida dos jovens, pois está presente em diversos eventos sociais e festas de adolescentes. Como consequência, seu controle pode ser mais difícil.
“O álcool entra na vida dos adolescentes sem cerimônias, pois naturalizamos seu uso de forma maciça. Inclusive, com muitos pais, mães e cuidadores estimulando o famoso equívoco, repetindo frases como ‘prefiro que meu filho aprenda a beber em casa do que na rua”.
Felipe prefere utilizar a palavra nicotina ao invés de tabaco para se referir ao cigarro. Isso porque os cigarros eletrônicos, conhecidos como vape ou pods, tem conquistado cada vez mais adeptos, principalmente adolescentes.
Conforme o especialista, os cigarros eletrônicos já viraram uma epidemia entre adolescentes, chegando até em crianças. “São anos de excelentes políticas públicas brasileiras, que reduziram o índice de tabagistas em nosso país, perdendo o efeito. Jovens estão se viciando em nicotina devido aos vapes, e muitas vezes até migrando para o cigarro industrial”, declara o médico.
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Efeitos da nicotina são irreversíveis
Mesmo que o jovem não use constantemente ou em abundância, é importante salientar, segundo Felipe, que não existe quantidade segura para uso de qualquer droga. Ainda mais em relação à nicotina inalada por meio de cigarros eletrônicos.
“A quantidade de nicotina de um cigarro eletrônico é muito maior que a do cigarro industrial. Um cigarro eletrônico de aproximadamente 1500 “puxas” tem a quantidade de nicotina de aproximadamente 5 maços de cigarro de combustão” explica o médico.
O profissional ressalta que muitos jovens relatam usar o conteúdo todo de um vape em uma festa ou evento social. Isso seria equivalente a fumar cinco maços de cigarro em aproximadamente 3 ou 4 horas.
“A nicotina, além de ser altamente viciante, acelera a frequência cardíaca, aumenta a pressão arterial, e eleva as chances de doenças como hipertensão, infarto ou AVC”, explica Felipe. Além disso, a substância é cancerígena, principalmente para o pulmão.
Só que esses riscos não são apenas a longo prazo. “Os jovens podem apresentar piora no autocontrole, memória, concentração, autorregulação e ficam mais propensos a problemas emocionais como depressão, insônia, irritabilidade, ansiedade, entre outros”, exemplifica o profissional.
Na adolescência, o álcool pode ser ainda mais danoso
Segundo Felipe, o álcool age diretamente no tecido cerebral, provocando sua destruição. “Na adolescência, nosso cérebro está em intenso desenvolvimento. Se destruímos este órgão neste momento, as sequelas podem ser irreversíveis”, explica o médico.
Além disso, Felipe ressalta que o álcool funciona como um depressor do sistema nervoso central, ou seja, diminui nosso juízo crítico para refletir em situações que precisam de avaliação e cuidado.
“Por características específicas da adolescência, onde o sistema de reflexão ainda é imaturo, o uso de álcool pode aumentar de forma aguda as vulnerabilidades dos adolescentes”, elucida o profissional.
Diversos fatores podem levar os adolescentes a experimentar drogas
Experimentação com amigos, autoafirmação, sofrimentos emocionais, motivos religiosos, busca de prazer… São inúmeros os motivos e situações que levam os adolescentes ao encontro das drogas.
Mas a grande questão, do ponto de vista do profissional da saúde, é quando um jovem passa da experimentação para o uso compulsivo e descontrolado. “Não que esteja tudo bem experimentar qualquer droga, mas devemos estar atentos às vulnerabilidades que levam os jovens a prejudicarem suas vidas usando descontroladamente uma substância”, ressalta.
Na maior parte das vezes, o uso compulsivo está relacionado a algum sofrimento psíquico intenso, segundo o profissional. “Ninguém usa drogas de forma destrutiva por escolha. Geralmente, questões emocionais e de vulnerabilidade social estão por trás disso”, aponta. Dessa forma, a droga surge como uma tentativa de sobreviver a alguma dor que pareça insuportável.
O acolhimento e a escuta podem ser a melhor forma de ajudar os jovens
Segundo Cláudia Oliveira, psicóloga clínica e participante no projeto @adolescenciasimples, é necessário alguns cuidados antes de conversar com os adolescentes sobre o uso de drogas.
Antes de ter a conversa, a profissional ressalta que é essencial se certificar de que você possui bastante informação sobre os tipos de drogas usadas atualmente pelos adolescentes, seus efeitos e seus riscos.
“Procure conversar desde cedo sobre o uso de drogas com os jovens, mas sempre em um ambiente de comunicação seguro e calmo. E escolha o momento certo, e um lugar reservado, onde o sigilo da conversa possa ser garantido”, sugere a psicóloga.
É importante ter uma conversa sem julgamentos, e dando exemplos reais que façam sentido ao jovem. Mostrar casos do dia a dia faz com que o assunto seja mais facilmente compreendido pelo adolescente.
“Deixe o adolescente à vontade para falar sobre o que ele sabe e vive em relação às drogas. Não demonstre sentimentos ruins enquanto ele fala. Isso vai fazer com que ele interrompa a narrativa”, aponta a profissional.
Ao descobrir que seu filho usa ou já usou drogas, saiba como abordar
Se deparar com a informação que o seu filho adolescente já teve ou tem contato com drogas pode ser um choque. Mas na hora de abordar o assunto, é necessário que a calma prevaleça, criando um ambiente seguro para o jovem. Utilizar momentos do dia a dia, como uma notícia ou um programa de TV, pode ser uma forma de iniciar discussões naturais sobre o tema.
“Respire fundo e controle suas emoções antes de iniciar a conversa. Abordar o assunto com raiva ou frustração pode fazer com que seu filho se feche”, aponta a profissional. Cláudia indica começar expressando sua preocupação de maneira cuidadosa, perguntando como foi o ocorrido e como estão os sentimentos do seu filho.
A psicóloga recomenda o uso de perguntas como “você pode me contar mais sobre o que aconteceu?”, para demonstrar que o objetivo é ajudar, e não punir. É importante enfatizar que seu objetivo é a saúde e o bem-estar dele, mas tendo clareza ao comunicar sobre as consequências do uso de drogas.
“Se necessário, considere sugerir a ajuda de um profissional de saúde mental ou um conselheiro especializado em dependência. E lembre-se, a comunicação aberta e honesta é essencial”, finaliza Cláudia.
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