O tempo é a vida
É no presente que encontramos a única e real conexão com o tempo. Só no agora é que posso me relacionar com o tempo sem precisar correr ou lamentar
Tenho ouvido muito as pessoas se queixarem do tempo. Dizem que o tempo passa rápido, ou devagar demais, que o tempo de ser feliz já passou ou não chega nunca. É comum dizerem que “estão perdendo tempo” e que isso não pode ocorrer, seja porque “tempo é dinheiro” ou seja porque uma hora a grande ficha cairá com a percepção de que se “era feliz e não sabia”. Estão “correndo contra o tempo” ou “aproveitando o tempo que ainda têm”.
Isso em nada diz do tempo, mas da relação que estabelecemos com ele. São frases prontas para produzir angústia, ansiedade, culpa e tristeza. Como se pudéssemos e devêssemos controlar o tempo.
Nessas relações equivocadas com o tempo, a gente o chama para uma competição. Nem preciso contar pra vocês quem perde com isso… O tempo, senhor do universo – na mitologia grega, Cronos era o líder dos titãs – não perde nunca.
E aí mais armadilhas à vista. A tristeza pelo que já passou nos conecta com o tempo do passado. A ansiedade pelo que está por vir nos conecta com o tempo do futuro. Ambas as situações nos tiram da única conexão real com o tempo, a única que ele respeita: a presença.
Só no presente posso me relacionar com o tempo sem precisar correr ou lamentar. Fluindo com o tempo, aproveito as possibilidades que a vida me apresenta agora. De modo gentil e leve, posso aprender as lições que preciso sem culpa ou dor. Fluir no tempo, aceitar sua enormidade e minha submissão nessa relação, abre espaço para a autonomia real (não aquela fantasia de controle).
Isso é muito claro quando olhamos para as crianças, e para o não-lugar que o mundo de hoje oferece para a infância. As crianças sabem que o tempo está aí para que possamos dançar com ele. E dança implica movimento com tônus, intensão e equilíbrio, abertura, desejo e presença, e elas são absolutamente presentificadas.
As crianças se encontram no tempo consigo mesmas a partir dos jogos e das brincadeiras, mas também a partir do maravilhoso “não fazer nada” (que virou “ócio criativo” para ser admitido na vida adulta-capital).
Mas os adultos são cruéis na demolição do projeto educacional, e propõem que as crianças sejam o que elas ainda não são. Solicitam que elas dêem o que ainda não têm para dar, como fundamento do que seria uma boa educação para o sucesso. Educação, essa, que supostamente lida bem com o tempo, que o “aproveita”.
E assim aprendemos a atravessar nossa conexão com o tempo da vida, o tempo para nascer e para morrer, para contemplar, plantar e colher. E não o tempo dos “agrotóxicos”, que oferece tudo a qualquer momento, fora das estações do ano, que não implica espera e que não abre espaço pra gente se conectar com o que temos de mais sagrado: nosso silêncio.
Que possamos fazer as pazes com o tempo, porque disso depende uma relação mais harmônica com nossos parceiros de mundo.
Myrna Coelho é psicóloga clínica, professora e doutora pela USP. Decidiu recomeçar a vida do outro lado do oceano, onde segue atendendo seus pacientes e dando supervisão online. Por aqui, semanalmente, reflete sobre como podemos viver com mais liberdade de ser. Mande sua mensagem para: [email protected].
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