Necessitados e insatisfeitos: afinal, do que realmente precisamos?
Tudo o que fazemos, todas as nossas escolhas — da decisão de tomar um café à escolha de um parceiro amoroso — buscam suprir uma necessidade.
Tudo o que fazemos, todas as nossas escolhas — da decisão de tomar um café à escolha de um parceiro amoroso — buscam suprir uma necessidade.
Na complexa teia dos nossos tempos, é muito difícil separar o que é necessário e o que é supérfluo. Primeiro porque não há tempo e nem disposição para reflexão. A pergunta “Eu quero, mas será que eu preciso?” raramente é feita. Há muito que a lista de necessidades descritas por Kant deixaram de ser uma ajuda. Elas pecam pelo excesso. Na lista do filósofo alemão constam as necessidades do corpo (alimentação, bebida e sexo), segurança (física e psicológica), sociais (amizade, amor e relacionamento) autoestima (relevância e pertença) e, finalmente, as de desenvolvimento (autorrealização e comportamento ético).
Os mais práticos, fizeram a pergunta: quais são as mais importantes? Resposta difícil. O que é importante assenta-se na nossa singularidade.
O psicólogo norte-americano Abraham Maslow tentou fazer foi uma hierarquia. Precisamos de muita coisa, mas principalmente, precisamos adquiri-las em determinada sequência. Também não foi de muita utilidade, afinal, todos sabem que só buscamos segurança quanto temos o alimento. Um conhecimento dominado inclusive por outros seres vivos. O leão sabe que o melhor lugar para esperar a sua presa é à beira do rio. Um animal com sede deixa a segurança para segundo plano. Entretanto, Maslow não foi em vão. Sua pirâmide de necessidades foi extensamente utilizada no mundo corporativo como estratégia de motivação. Um artifício para apresentar a cenoura correta para o homem perseguir e cumprir metas.
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Nós, os insatisfeitos
Poderia continuar aqui apontado várias teorias, mas nenhuma dará conta. Todas pecam por desconsiderar as necessidades adquiridas e culturais e — mais do que isso —, não consideram a nossa condição heideggeriana de um “ser aí”. Isto é: as necessidades que você tem agora neste exato momento.
O fim das buscas foi sentenciado pelo filósofo alemão Herbert Marcuse. Para ele, na sociedade de hoje, a de consumo, as necessidades vão crescendo indefinidamente. O resultado é uma sensação crônica de falta. Chegamos, assim, no que estamos hoje: uma sociedade necessitada e insatisfeita.
À parte a sociedade de consumo, a outra parte da verdade é que a natureza humana tem necessidades sem fim. Logo que uma necessidade é atendida, outra toma o seu lugar. É o que o Peter Sloterdijk chama de “tensão vertical”: a força que está sempre puxando o homem para cima. Quando temos uma vida estabilizada, quando tudo parece perfeito, descobrimos uma nova necessidade e queremos satisfazê-la. Uma vez nesse exercício, buscamos a excelência. Estamos sempre em tensão, queremos evoluir e mesmo quem chegou ao topo não está satisfeito.
Além da segurança
Talvez uma das causas da nossa insatisfação é o desconhecimento da nossa complexidade. A estabilidade e a segurança são boas, mas também necessitamos de instabilidade e insegurança. Contra todos exemplos a nossa volta, tendemos a enxergar apenas a faceta ruim dessas duas condições e negligenciamos suas benesses. Você certamente conhece alguém que trocou um emprego estável pelo desemprego sem perspectiva. Isto porque, temos necessidade da novidade e da incerteza.
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Fazer sempre a mesma coisa, comer sempre a mesma comida, enfrentar sempre os mesmos problemas provoca um aborrecimento profundo e, às vezes, até pode ser estressante. A insegurança, apesar de parecer o oposto da segurança, é o seu duplo. As duas são necessários para o equilíbrio humano.
Tanto quanto certezas, necessitamos de mudanças e desafios. A certeza — apesar de confortável — em excesso e constância, impede a evolução. Restringe e embota a vida.
Necessidades que não são minhas
O entrave é que vivemos num mundo que dificulta a boa gestão das nossas necessidades. O excesso de conteúdo proporcionado pela mídia e as redes sociais distorce a realidade e impede o diálogo com nós mesmos. Sem diálogo, deixamos de nos atender. Então imagine a situação, você tem um hóspede e vai dando tudo o que você acha que ele precisa, mas nunca para e pergunta o que ele quer. Esse erro cometido contra nós mesmos é uma grande fonte de necessidades não satisfeitas.
O educador Paulo Freire dizia que quando a educação não é libertadora, o oprimido toma o lugar do opressor. Muitas vezes, enchemos a nossa casa de necessidades que não são as nossas. É do outro, de outros. E pior, geralmente, de outros que lucram com o que você não precisa.
Olho crítico
O ser humano, em qualquer lugar do mundo, está empenhado em demandas. Porém, é preciso ter um olhar crítico sobre elas. Não podemos sair correndo atrás de tudo. E nem todas as nossas necessidades são lícitas. Algumas não nos convém e outras não valem o preço que pagamos por elas. E aqui não se trata das necessidades que são porta de entrada para vícios destrutivos. Ter um grupo de amigos pode parecer um oásis na urbanidade anônima. Porém, alguns grupos de amigos, significam “amigos com um copo na mão”. Faça uma análise. O grupo de amigos supre a necessidade de pertença ou ele funciona como uma fuga? Afinal, quem não gosta do efeito “quando bebo a minha vida parece um filme”.
Se fizermos um raio-x da nossa personalidade, saltará em relevo todas as nossas necessidades. Tudo o que fazemos, todas as nossas escolhas — da decisão de tomar um café à escolha de um parceiro amoroso — buscam suprir uma necessidade.
Ao olhar para sua vida e detectar um vazio, um desconforto, um ansiedade, um ponto de angustia, encontrará uma necessidade não satisfeita. Por isso, é urgente conhecê-las. E só com esse conhecimento alçaremos satisfação com a vida que levamos e com as nossas conquistas.
As nossas necessidades embalam os nossos dias e ajudam a entender por que fazemos o que fazemos. Mais do que isso, elas carregam os nossos sonhos, abrigam a nossa singularidade, a nossa marca no mundo. São únicas, são nossas.
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MARGOT CARDOSO é jornalista e pós-graduada em Ética e Mestre em filosofia. Nesta coluna, semanalmente, escreve sobre a arte de viver, sempre à luz dos grandes pensadores.
*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.
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