A força e o poder do corpo
O senso comum diz que a mente comanda o corpo. Porém, seria igualmente verdade que o corpo também comanda a mente?
As Olimpíadas talvez sejam a maior celebração da força, da beleza e do poder do corpo humano. A sua primeira edição aconteceu em 776 a.C., na Grécia antiga. Entretanto, como era — além de atlético — um festival religioso, no ano de 393, o evento foi proibido pelo imperador cristão Teodósio que acreditava que as olimpíadas eram uma manifestação de rituais pagãos.
Depois de um esquecimento de mais de 1500 anos, os jogos Olímpicos ressurgiram no final do século XIX, no mesmo local do seu nascimento: a Grécia. Em 6 de abril de 1896, a cidade de Atenas recebeu atletas de todos os pontos do globo para a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna.
Corpo poderoso
Desde então, a cada quatro anos, atletas de mais de 200 países, de diferentes modalidades esportivas, exibem a destreza, a beleza, a técnica — e os limites — dos seus corpos. Num misto de talento, disciplina e dedicação esses atletas, à semelhança dos primeiros ideais olímpicos, chegam perto do status de semi-deuses. Para nós, os modernos, são uma espécie de heróis.
Entretanto — apesar da arte e da beleza — não se perde de vista que é uma competição. Tendo isso em vista, além do rigor no treinamento, os atletas lançam mão de todos os tipos de estratégias para terem a melhor performance. Dentre essas estratégias, há uma que vem ganhando terreno a cada edição: a ajuda da mente.
Cabeça no comando
Arrimados no senso comum de que a cabeça comanda o corpo, os atletas não têm apenas um treinador ou um coach para a técnica do corpo. Nos últimos anos, os atletas contam também com um treinador da mente. Esses coaches mentais — geralmente, psicólogos — buscam turbinar o corpo com a ajuda da mente.
Entretanto, não é apenas isso. Mais do que potencializar o desempenho do atleta, o treinador mental impede que a mente atrapalhe a performance do corpo. Assim, os atletas aprendem a lidar com a estresse, a expectativa, o desgaste e a pressão inerente às competições, para além de fomentar o autocontrole e o equilíbrio.
Saúde do corpo e da mente
Esses profissionais são também treinadores das consequências das vitórias e das derrotas. Afinal, ambos exigem autocontrole. O sucesso — assim como o fracasso — precisa ser recebido com equilíbrio. Quantos vencedores não sabem lidar com o sucesso e perdem-se? Há quem não saiba lidar com o peso da fama ou do dinheiro. Uma dificuldade muito democrática. Transversal, ela atinge desde semi-deuses do esporte até o mais humilde ganhador da loteria.
Dessa forma, o que se busca é um alinhamento, a ideia de que um corpo poderoso deve ser igualmente acompanhado de uma mente poderosa. Daí a consagrada citação do poeta romano Juvenal “mens sana in corpore sano” (uma mente sã num corpo são). A frase é a resposta do autor à questão sobre o que as pessoas deveriam desejar na vida, mostrando que essa não é apenas uma ambição de atletas.
Soberania
Entretanto, na sala da filosofia, o alinhamento entre o corpo e a mente não é assim tão consensual. A tradição filosófica, que começou com Sócrates e Platão, acredita que a mente é soberana em relação ao corpo. Basta apenas uma mente poderosa e ela comandará e fará o que bem entender do corpo. Aqui, a ideia é que o corpo atrapalha, que é inferior e, portanto, deve estar sujeito aos ditames da mente.
E como o assunto é complexo, outra corrente acredita que não existe a divisão mente e corpo. Para esses há apenas um corpo. Para Schopenhauer e Nietzsche — só para citar dois — a mente nem sequer tem acesso ao laboratório secreto onde o corpo articula as suas decisões. A mente é apenas uma confidente do corpo, mas uma confidente que nunca chega a estar a par de tudo.
O corpo primeiro
Essa talvez seja uma ideia de digestão difícil, uma vez que estamos convictos de que somos seres racionais. A experiência humana tem tendência em admitir o primado do corpo apenas quando ele falha, como no caso das doenças. Todas as mentes já experimentaram o poder de nocaute de uma infecção viral.
Porém, é possível confirmar a supremacia do corpo também à luz da normalidade. E como gosto muito dos exemplos práticos, coloco a seguinte questão: Você certamente conhece um médico que fuma. Quem está no comando? O intelecto bem informado e racional do médico ou o corpo viciado em nicotina?
Use a seu favor
Apesar disso e filosofias à parte, há muitas vertentes do conhecimento científico que exploram o poder que o corpo tem sobre a mente. A Técnica de Alexander, por exemplo, usa a reeducação corporal para corrigir danos físicos, mas também psicológicos. Da neurociência também vem muitos estudos no mesmo sentido.
Apesar desses estudos, é inegável a influência da mente sobre o corpo. Já há uma espécie de consenso de que a mente adoece o corpo, como as doenças psicossomáticas. Sabemos que certos pensamentos aceleram e, portanto, danificam o nosso músculo cardíaco. Dessa forma, não sou dogmática. Prefiro acreditar que o fluxo entre o corpo e a mente tem dois sentidos. O corpo influencia a mente e a mente influencia o corpo.
Experimente a força do seu corpo
Entretanto, você não precisa ter um corpo treinado de atleta para experimentar a sua força. Faça essa experiência. Um dia quando você acordar com a sensação de que a sua vida não é bem o que você queria, que você não está onde gostaria e nem com quem você gostaria. Tome banho, vista-se e saia para dar uma volta no seu bairro.
Porém, não deixe que a sua mente desiludida conduza a sua postura e nem o seu caminhar. Endireita as costas, projete o peito para a frente, levante o olhar e caminhe contemplando a linha do horizonte. Em alguns minutos, você vai notar que a sua mente mudou. A sensação de derrota vai aos poucos se dissipando.
Eis aqui, o poder do corpo sobre a mente. Você notará que a tristeza ficou para trás. Agora você caminha altivo, de cabeça erguida, confiante… Como um senhor que contempla os seus domínios. Este mundo é seu e você está no lugar certo.
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