Cartas de natal
Eu tenho lembrado dos natais dos anos 90, quando eu ainda estava na casa dos 10 anos.
Eu tenho lembrado dos natais dos anos 90, quando eu ainda estava na casa dos 10 anos. Eu e minha prima Glaucia, rodeados de canetinhas coloridas e papéis brancos espalhados pela sala, preparávamos cartas de natal para toda a família. Minhas avós ficavam curiosas quando eu perguntava pela lista de convidados para a ceia e não entendiam muito bem no que aquilo poderia interessar para um garoto de muito pouca idade.
O primeiro ano em que entregamos nossas cartas foi como uma surpresa. Não contamos a ninguém e as guardamos para a noite de natal. Cada cartinha, por mais curto que fosse o seu conteúdo, tinha sido escrita para aquela pessoa. Todas elas sempre chegavam acompanhadas de uma letra cursiva que ainda ensaiava sua identidade no mundo e, por isso, algumas vezes, hoje eu sei, quem as recebia nem sempre compreendia a mensagem que ali continha – mas não nos desapontavam – e sabiam do amor que estava por ali.
Daquela época eu também me lembro de ver minha avó Joana nos olhando pela janela da sala da casa da minha prima, local escolhido para toda aquela produção. Minha avó morava na casa da frente e, recorrentemente, ficava responsável pelos netos enquanto os pais estavam no trabalho. Seus olhos pequenos, mas atentos aos nossos movimentos, desconfiavam quando, por algum tempo, fazíamos silêncio. Penso hoje que, talvez, ela já tivesse entendido que aquele era o nosso ritual de fim de ano.
O natal sempre foi importante para a minha Vó Joana, mãe de minha mãe, e para a Dinda (ou minha avó Maria), mãe de meu pai: o desejo era sempre de ter a casa cheia, a família reunida e feliz. Foi assim que eu passei por muitos e muitos natais na minha infância.
Fui crescendo e, aos poucos, estas festas foram mudando e a casa começou a receber menos visitas natalinas. Acho que a vida é um pouco assim. Eu não lembro em que ano, minha prima e eu, paramos de distribuir cartinhas. Em 2018, no entanto, retomei essa atividade e enviei algumas cartas. Num final de ano tão especial para mim, eu senti o desejo de escrever para algumas pessoas que contribuíram com ele. E assim eu fiz.
Carta para as minhas avós
Em 2020, minhas duas avós viraram estrelinhas em um espaço muito curto de tempo: 8 dias entre uma e outra. Eu prefiro acreditar que elas decidiram que se partissem juntas a gente poderia lidar melhor com a saudade e com a dor que se abre no peito quando duas mulheres tão fortes como elas não estão mais aqui.
Em meio à pandemia, eu vivi pouco com elas neste ano. Lembro, em minhas visitas, de suas mãos marcadas pelo tempo, seus rostos carregando sorrisos que contavam uma história longa de vida, dos passos mais lentos em direção a cozinha com o objetivo de manter uma rotina, das lembranças revividas nas conversas ao redor da mesa do café da tarde. Eu nunca vou esquecer estas cenas.
Senti, em 2020, a necessidade de escrever novamente, mas, principalmente, para elas. Eu acredito que, de algum modo, meus pensamentos aqui reunidos chegam até a energia que elas sempre serão dentro de mim.
Vó Joana,
Dinda,
Está chegando o natal. Lembra da mesa da ceia e a gente reunido em volta dela? Lembra de quando a mesa precisava ir para a garagem para dar conta de tanta gente? Era sempre uma festa.
Lembro de vocês recebendo a minha cartinha. Vocês duas recebiam mensagens mais do que especiais e acho que nunca parei para dizer isso. Para uma criança com poucas palavras ainda na cabeça, tornar sentimentos algo compreensível num papel era um desafio e tanto.
Os natais serão mais difíceis sem vocês, eu não tenho dúvida. Muita gente me procurou para me consolar quando vocês partiram. Todas elas me deram apoio e eu percebi que fui muito abençoado. Elas me fizeram perceber que eu vivi bastante tempo com vocês – apesar da ausência agora ainda falar mais alto.
Muitos dos meus amigos já vivem sem as suas avós desde mais cedo. Eu as tive aqui comigo durante toda a minha infância. Eu pude levar até vocês várias de minhas conquistas da adolescência e da minha vida adulta e dizer o quanto cada uma de vocês colaborou com a minha realidade hoje. Vou seguir fazendo isso em pensamento, eu prometo.
Minha mãe, Vó Joana, sente muito sua falta. Você era a companhia diária dela e, agora, ela só deseja sonhar contigo e espera toda noite por isso.
Dinda, eu não consigo imaginar o tamanho da conexão que você e meu pai tinham, mas, pela dedicação que ele sempre teve a você, sei que a dor da saudade não é menor dentro dele.
Eu estou aqui para os dois e sei que vocês podem estar mais tranquilas sabendo que meu apoio eles sempre terão.
Eu amo vocês.
Com carinho,
Seu neto Edu
- 1: Dinda, vou sempre lembrar das nossas conversas ao telefone, em que, ao rir do que eu dizia, me retornava com um “tô arranjada”.
- 2: Vó, seu jardim diante da janela da sala está lindo, muito florido e alegre, como sempre gostou de ver. Ele é a nossa lembrança viva de que você mora no que é simples da vida.