Afinal, você tem pressa de quê?
Vivemos cada vez mais em um ritmo acelerado, com cobrança de produtividade e respostas rápidas. Mas o que deixamos para trás quando não paramos para respirar?

Acordamos já correndo. Olhamos o celular antes mesmo de abrir os olhos por completo. Temos pressa para responder, entregar, chegar. A sensação de urgência virou regra silenciosa do cotidiano. No entanto, é sempre bom questionar: a pressa vai te levar para onde, exatamente?
Na era da produtividade excessiva, confundimos movimento com realização. “Muita gente acha que está sendo produtiva só porque está ocupada o dia todo. Mas existe uma diferença enorme entre agir com foco e correr por medo”, afirma Elainne Ourives, psicoterapeuta. Se ao final do dia o que sobra é cansaço, mente acelerada e um sentimento de insuficiência, talvez seja hora de olhar com mais cuidado para esse ritmo.
O medo de ficar para trás
A pressa, segundo Elainne, tem uma assinatura vibracional: ela não é neutra. Quando nasce da comparação, da cobrança ou da ansiedade, ativa em nosso corpo, os circuitos do medo e da escassez. “Entramos em modo de sobrevivência, não de cocriação”, diz.
“Do ponto de vista biológico, viver em estado de urgência constante aciona o sistema responsável por liberar adrenalina e cortisol. O resultado? Mente confusa, insônia, imunidade baixa, exaustão crônica. O corpo grita o que muitas vezes insistimos em ignorar e fingir que nada aconteceu.”
Esse sentimento também é alimentado por um medo de ficar para trás. Isso tudo por consequência de uma cultura que nos ensina a correr para não perder algo. Desde cedo aprendemos a competir notas, afetos, reconhecimento e crescemos com a crença de que só há espaço para quem chega primeiro.
Mas não existe um “relógio universal”. Cada um tem seu tempo. “Esse medo de não dar conta, de não estar no lugar certo, é herdado. Está impresso no nosso campo, muitas vezes transmitido por gerações que viveram em escassez”, afirma a psicoterapeuta.
Pressa de quê, exatamente?
Elainne explica que esse questionamento funciona como uma chave. Muitas vezes, corremos não porque há algo urgente a ser feito, mas porque não sabemos ficar no agora, com o vazio, com a dúvida.
“A pressa pode ser uma fuga disfarçada. Fugimos de nós, da dor, da presença. E acreditamos que seremos felizes quando chegarmos lá, seja lá onde for. Enquanto isso, a vida passa.”
É claro que existem momentos em que a velocidade é necessária. Algumas decisões precisam ser rápidas. Se a pressa for fruto de inspiração, entusiasmo ou fluxo criativo, ela nos serve. O problema é quando isso tudo vira o modo padrão de funcionamento.
“Mas se a pressa nasce da comparação, cobrança ou do medo de não dar conta, então ela nos consome. Basta observar: você está em paz e presente, mesmo sendo veloz? Ou está ansioso, desconectado de si, reagindo ao ambiente?”, reflete.
A ilusão de estar no controle
Todos esses sentimentos podem ser uma tentativa de controlar o incontrolável. Um jeito de antecipar ou prever. “Queremos correr para escapar da dor, dos julgamentos, das falhas. Mas, ao fazer isso, deixamos de viver”.
Não se trata de mudar o mundo externo primeiro. De acordo com ela, é preciso começar reorganizando a relação que temos com o tempo, com o valor próprio e com a comparação. “Vale se perguntar: por que eu vivo assim? O que estou tentando provar e para quem?”
Essa mudança também passa por decisões práticas: redesenhar agendas, cortar excessos, sair de ambientes tóxicos e aprender a dizer não. Mas tudo começa dentro. “É como mexer num tabuleiro de xadrez. Você muda uma peça aqui, e todo o jogo se reorganiza. Mas esse movimento começa com a escolha de viver com mais verdade, e não com mais pressa.”
Como viver sem pressa
Elainne recomenda três pilares para quem quer sair do ciclo da correria: respiração consciente, auto-observação e reprogramação. Três respirações profundas já podem ser um ponto de partida. Observar os próprios pensamentos e entender os gatilhos também ajudam a ganhar clareza.
Outra ótima ferramenta, segundo ela, é a reprogramação de crenças. Isso pode acontecer por meio de afirmações, visualizações e escrita terapêutica. “Repita frases como ‘Eu libero agora a pressa e escolho viver no meu ritmo perfeito’. Parece simples, mas tem um poder enorme.”
A verdadeira maestria é estar inteiro no presente, mesmo enquanto se movimenta. Isso exige reprogramação mental, porque fomos treinados a valorizar a performance, não a presença.
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